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Domingo, Novembro 24, 2024
Paulo César Gonçalves
Paulo César Gonçalves
Nasceu em Guimarães, voltado para o Castelo da Fundação, e, até ver, está vivo.

Que Universidade para o futuro?

Cabe aos estudantes, antes de tudo e todos, lutar pela mudança: justiça social.

Os problemas e as soluções da sociedade resultam, indubitavelmente, da educação. Sem o acesso à educação, não há, não pode haver, justiça social. Mas o conceito de educação é amplo, não se esgota nesta ou naquela noção. Há muitos caminhos para um determinado fim.

Truncar e/ou coar esses caminhos resultará numa perigosíssima via única (ou vias únicas), abrindo espaço ao unanimismo, à inevitabilidade ou à ausência de alternativas.

Quase 50 anos desde a Revolução de Abril, e mais de 50 anos desde a Crise Académica de 1969, em Coimbra, fenómenos que, quanto a mim, se complementam, e que deveriam ter sido o rastilho para uma transformação a vários níveis, continuamos a debater situações que, em pleno século XXI, já deveriam ser uma realidade. Pelo contrário, retrocedemos até novas formas de coagem, transformando a educação num negócio, gerida como uma empresa, com os casos mais flagrantes, por se tratarem de instituições públicas, a aparecerem através do regime fundacional das universidades, colocando em causa os ideais democráticos. É por isso que somos confrontados com o mesmo tipo de prosa, saída das bocas que conduzem as instituições, batendo e rebatendo as palavras vazias que compõem os chavões do “mérito”, da “retenção de talentos”, da “aproximação ao tecido empresarial” e da “competitividade”. Troquemos isso tudo por um sinónimo bem mais curto: poder económico (ou “dinheiro”).

Essas pequenas vitórias egotísticas, como a do acesso aos cursos da moda terem a média mais alta do ensino superior, é das situações mais asquerosas com que me debato. E qual a razão? O ensino superior, na sua larga maioria, está ultrapassado. Em contraponto, é caro. Muito caro. Cada vez mais elitista.

As dificuldades para estudar são uma nota de rodapé. A merda das médias e os rankings são o destaque.

Mas não apenas do acesso, ou da forma de acesso, devemos discorrer: acesso, mas a quê? Miguel Cardina, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, referindo-se à crise estudantil de 1969, que também se bateu pela democratização do ensino superior, faz questão de ressalvar que aquela manifestação “acabou por dar corpo a uma juventude estudantil que se forma na recusa de uma ‘universidade velha’ (feita de exames, sebentas e afastamento dos grandes problemas da época) e na contestação à ditadura.”

A universidade pretende a continuação e perpetuação da engrenagem que a torna uma realidade à parte.

Ora, se pensarmos a fundo sobre esta conclusão, perceberemos que os mesmos ditames se mantêm: temos uma universidade ‘feita de exames’, logo profundamente ortodoxa e conservadora: a universidade não incentiva o pensamento crítico/original e procura que os alunos se alheiem do centro nevrálgico de decisão. Aliás, a universidade e os seus corpos gerentes tomam de pressuposto que os alunos não são capazes de discernir sem ajuda “superior”, uma condescendência arreliadora e bem representativa do pensamento impune de uma pequena elite. A universidade pretende a continuação e perpetuação da engrenagem que a torna uma realidade à parte.

Crianças criadas em lares disfuncionais, com carências várias, obrigadas a trabalhar e estudar ao mesmo tempo, que vão crescer perante uma vida de privação e sacrifício. Milhares de casos, de histórias diferentes, mas com traços em comum: a impossibilidade de aceder a um suposto bolo da democracia.

Reduzir as propinas não chega: é preciso acabar com elas. É preciso reduzir os gastos indirectos, como alimentação e alojamento. Que haja condições para que cada vez mais gente tenha acesso ao ensino superior, mas mais acesso não poderá significar menos qualidade, nem estagnação: o ensino superior precisa, como do pão para a boca, de uma reforma actualizada, que chegue, enfim, ao século XXI, com novas formas, novos paradigmas e novas abordagens. Deixemos, lá bem enterrada, a universidade dos exames e das sebentas, da categorização, da prosa gasta e da elitização e estratificação por castas.

O tempo tem de ser agora. Ou o quanto antes.

© 2023 Guimarães, agora!


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