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Quarta-feira, Maio 8, 2024
Alcides Barbosa
Alcides Barbosa
Mestre em Habitação e Urbanismo pela Architectural Association, foi professor universitário e diretor do Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo. Ativista da ecologia política, é membro da AVE - Associação Vimaranense para a Ecologia e da Rede para o Decrescimento.

Antes os que cá estão

Em conversa com um ex-presidente de uma junta de freguesia próxima ao Avepark, ouvi-o falar com orgulho de como abriram novas ruas após 75, mesmo contra o interesse de alguns proprietários, o que permitiu melhor conexão com Taipas e o crescimento de sua população. Nesse tempo, tão próximo, ainda havia a ideia de que sempre haveria terra para cultivar em algum sítio mais distante.

O “bem maior” do crescimento justificava passar o trator sobre o quintal de alguém que discordava ou de avançar em territórios de outros povos em outros continentes. Também as distâncias não eram problema quando havia fartura de energia barata proveniente da combustão de recursos naturais extraídos sabe-se lá onde. É espantoso como, em menos de 50 anos, o crescimento exponencial da população humana e de sua economia fez o que era desejável virar indesejável. Nesse período, ocupamos quase todo o planeta e quase toda sua terra fértil, derrubamos quase todas as florestas, comemos quase todos os peixes dos oceanos, queimamos quase todos os combustíveis disponíveis. Apesar dos alertas do nosso compatriota António Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas, seguimos o mesmo curso, entre crises sanitárias e climáticas, à espera de que o próprio crescimento económico e o avanço tecnológico resolvam os problemas que criaram.

Conto esta estória porque, ao pensar na melhoria da qualidade de vida dos vimaranenses, não podemos seguir com as mesmas ideias de há 50 anos, do mesmo modo que não podemos usar as mesmas ideias de há 500 anos, mesmo que no passado possam ter sido convenientes. Hoje, não há mais recursos para levantar no banco da natureza, estamos a hipotecar o futuro dos nossos filhos e netos. Pior, como alertam os cientistas, estamos a pôr a própria humanidade em risco de extinção. E este terror inimaginável pode começar daqui a uma ou duas gerações, desencadeado pelo que fazemos inocentemente hoje.

O que ontem era barato, hoje está caro e amanhã poderá ser inacessível.

Abrir uma nova estrada, que não é para servir quem cá mora, mas para tentar atrair indústrias, que supostamente cresceriam o PIB (arrecadação de impostos), que depois se transformaria em serviços públicos… não é apenas um objetivo totalmente ultrapassado, é uma justificativa totalmente desacreditada. Sabemos que hoje as indústrias mudam-se rapidamente atrás de vantagens fiscais e que os impostos arrecadados são usados para socorrer bancos e empresas aéreas, não para escolas e centros de saúde nas freguesias. Esse modelo deixa-nos dependentes e vulneráveis. Nossos empregos, energia e até alimentos dependem de “investidores estrangeiros” e da situação da China, da Rússia, do Brasil, dos EUA… O que ontem era barato, hoje está caro e amanhã poderá ser inacessível. Onde foi parar nosso orgulho local e nossa força comunitária? Estamos dependentes, impotentes e conformados?

Ao pretender usar 40 milhões de euros para fazer uma via que liga diretamente o Porto ao Avepark, atravessando os raros campos que ainda temos, quem ganhará alguma coisa? Virão novas empresas, se desde 2015 não vieram? E ficarão até quando? E para quem serão os empregos? Morarão e consumirão nessas freguesias ou irão gastar em condomínios e shopping centers distantes, rapidamente acessíveis por sua via exclusiva?

Para sermos menos vulneráveis e garantirmos uma melhoria de vida real e resistente ao que acontece no exterior não é preciso inventar nada, basta construirmos com o que temos, para quem cá vive. Quantas pessoas vivem e trabalham entre Guimarães e Braga, ao longo da estrada nacional 101? Se pretende-se melhorar a vida das pessoas, isso é prioritário. Obviamente, quem aí mora e precisa usar o carro, merece um trânsito melhor. Quem vai se deslocar a serviços públicos nos centros, merece um transporte coletivo confortável, rápido e barato. Quem anda a pé até o mercado ou a escola merece passeios seguros. Talvez haja espaço até para bicicletas. Dizem que isso será feito depois… Quem acredita que será feito algo ali, que há tempos necessita, se o dinheiro vai primeiro para algo que praticamente inexiste? Porque deixar para trás pessoas e empresas que já lá estão?

Entretanto, não é só no canal da estrada nacional que já existem pessoas e negócios. No trajeto desenhado para a via do Avepark há muitas quintas e pequenos agricultores a lutar para sobreviver. Além de raras paisagens! Ora, eles também merecem ser alvo de investimento. A agricultura periurbana pode impulsionar um modelo de desenvolvimento resiliente, baseado em agroecologia, em suprimento de alimento de qualidade para escolas, hospitais e cabazes, sem percorrer grandes distâncias ou exigir refrigeração e embalagens. Uma política de soberania alimentar a nível municipal ou regional pode estar ligada à criação de empregos na terra, mesmo aqui ao lado, desafiando o indesejado modelo agroindustrial que está a desertificar o interior do país.

Ali, na mesma zona, usando ideias novas, podemos criar um corredor com qualidade urbana, com uma economia vibrante e com inovação tecnológica voltada para a autonomia local, em vez da dependência globalizada. Não precisamos destruir o ambiente e a comunidade para “atrair” empresas da moda de luxo, para rivalizar com Paris ou Milão, nem de tecnologia de informação, para rivalizar com Lisboa ou Barcelona, como sonham (ou deliram) alguns. Por que não dar valor ao que já está cá? A quem já investe em sua localidade, em sua região? De quem é isto? Desconfiemos das soluções mágicas, dependentes de fatores incontroláveis, que prometem a riqueza em troca de nossos recursos insubstituíveis. Desconfiemos de soluções que adiam o que é prioritário e óbvio, e citam um “bem maior” para passar por cima dos interesses dos moradores locais e das futuras gerações, a quem temos a obrigação moral de deixar um mundo melhor. Não nos limitemos a debater escândalos de Lisboa. As melhorias que esperamos devem começar pelo nosso concelho e o país que queremos depende de começarmos a agir com firmeza onde vivemos.

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