Sempre que um especialista ou Governo afirma que “Portugal ultrapassou a quinta vaga” graças “à proteção conferida pela elevada taxa de vacinação”, ofende os princípios da lógica e a inteligência, sobretudo daqueles que estão acostumados a pensar pela própria cabeça, bem como confirma os paradoxos passados como dogmas científicos.
Imaginem que uma pessoa descobre à chegada a casa de madrugada que a residência foi assaltada e que ao invés de se questionar sobre a razão pela qual o sofisticado e caríssimo alarme instalado não funcionou, decide abrir uma garrafa de champanhe para comemorar o facto de que graças ao sistema de segurança os assaltantes, depois de roubarem tudo o que podiam, abandonaram a habitação.
Sim, é ridículo, mas é o que acontece quando especialistas ou Governo celebram o absurdo segundo o qual graças às vacinas e aos certificados “Portugal ultrapassou a quinta vaga”, como anunciou a ministra Marta Temido. É como quem procura se absolver de erros e omissões flagrantes, é como querer se justificar por ter tomado decisões com custos incalculáveis que não deram o resultado esperado.
“Mas eu comprei o sistema de alarme mais caro do mercado, algum benefício devo ter tido. Independentemente dos factos. Sem o alarme teria sido muito pior, teriam roubado também as portas blindadas, as janelas em PVC e até os pilares de betão armado, de certeza, pelo que tomei a decisão acertada, viva, por isso, o alarme apesar de tudo”.
A verdade é que não temos nada para comemorar com a vacinação e muito menos com o certificado, uma vez que foram concebidos com o objectivo de “evitar novas vagas epidemiológicas”. A primeira com a famosa imunidade de grupo; o segundo com a certeza de podermos circular em lugares seguros, entre pessoas não infectadas e que não infectam.
Especialistas e Governo os descreveram e venderam, de facto, como “instrumentos de liberdade e segurança”, não só a nível mediático, mas também em sede legislativa: a vacinação e a utilização do Certificado Digital são justificadas em cada decreto-lei “para conter a propagação da pandemia de Covid-19”.
Como podem, então, dizer que ultrapassamos a pior fase desta vaga graças àqueles instrumentos que a deveria evitar? É o paradoxo que testemunha o nível sociocultural alcançado no nosso país, tão contagioso como o vírus. É uma forma retoricamente fulgurante de não dizer a verdade, de manter a ilusão do sonho dogmático-sanitário, próprio de quem não podendo agir sobre a realidade, constrói uma falsa, cuja realização celebra com ousadia.
Acontece que tanto a campanha de vacinação como o certificado foram introduzidos numa altura em que o número de casos era próximo de zero. O que se passou a seguir está à vista de todos: depois de terem servido para colocar Portugal no pódio dos países mais vacinados do mundo, a pior vaga de infecções ocorre por volta do final de Novembro, para explodir em finais de Dezembro. Em pouco tempo, passamos de dezenas de casos diários para centenas de milhares de casos diários, ao ponto de em apenas um mês se terem registado mais infectados do que durante todo o período da pandemia.
Daqui resulta, que os dados científicos desmentem a enésima “profecia” dos especialistas e do Governo. O que de facto ficamos a saber com esta vaga é que tanto a campanha de vacinação como o certificado são um fracasso absoluto, que não garantiram nem segurança nem liberdade, não garantiram nenhuma imunidade, não impediram a propagação do vírus ou o limitou e não impediram novas vagas epidemiológicas.
E se agora “estamos numa fase decrescente”, como enfatizou o perito da DGS, Pedro Lima, não é, certamente, graças aos instrumentos que deveriam tê-la evitado, mas à variante viral pouco sintomática, muito contagiosa e capaz de criar proteção transversal, que tem permitido passar a uma fase endémica rápida e indolor.
A comprová-lo está eficácia das vacinas ser tão escassa para as variantes, que há necessidade de reforços constantes, algo nunca visto com nenhuma outra vacina, mas acima de tudo o facto da vaga causada pela variante Ómicron seguir a mesma tendência em todos os países, independentemente das taxas de vacinação.
Para perceber isso, basta olharmos para os gráficos elaborados pela Universidade Johns Hopkins: a curva de infecções dos últimos quatro meses mostra que são os países com as mais elevadas taxas de vacinação os mais afectados, enquanto que os países com baixíssimas taxas de vacinação não só a vaga terminou mais cedo, como também foi menos grave e letal.
O gráfico seguinte confirma que Portugal é o país com a maior taxa de população vacinada dos países em análise, mas também o mais afectado pela variante Ómicron, como vimos acima.
É evidente até para uma criança, portanto, que se o certificado e as vacinas tivessem funcionado, o número de infecções deveria ter sido muito mais baixo do que na Croácia e África do Sul. Mas, pelo contrário, Portugal teve mais infecções do que aqueles países com menos restrições, sem certificados e com poucas pessoas vacinadas.
No limite podem ter contribuído para agravar a situação epidemiológica ao criar uma sensação de falsa segurança entre os vacinados. De qualquer forma, eles falharam.
Obviamente que não estamos à espera que especialistas e Governo admitam que o que eles proclamam como um grande sucesso com fervor religioso é um fracasso, até porque todos sabemos que a narrativa construída em torno da introdução desses instrumentos foi longe demais.
Também não estamos à espera que se desculpem por espalhar desinformação ao longo destes dois anos, o que não acontecerá. Bastaria que não continuassem a insultar a nossa inteligência, subvertendo a realidade e a encher a boca de “ciência”.
Infelizmente, a nossa sociedade entrou num vórtice perigoso, incapaz de ridicularizar os disparates passados como dogmas científicos. Pelo contrário. O nonsense e o falso são agora aceites como verdades absolutas e apoiadas por improváveis comentadores de TV, jornalistas, políticos e constitucionalistas, simplesmente porque quando os cargos se tornam ideologia até o óbvio é negado.
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Parabéns pela lucidez