20.6 C
Guimarães
Quinta-feira, Junho 19, 2025

Vital Moreira: “As Assembleias Municipais nunca virão a ser um verdadeiro parlamento”

Economia

Vital Moreira advertiu e cumpriu: “vão ouvir opiniões chocantes”. O tema era ver por dentro o poder local. E, sobretudo, saber se as Assembleias Municipais (AM) podem ser verdadeiros parlamentos.

“Podem… mas não vão ser” – responde o conceituado constitucionalista e um dos deputados constituintes – eleito na lista do PCP – mais activos na elaboração da Constituição de 1976.

Acrescenta, “e devem ser mas nunca o virão a ser”. A certeza do ex-deputado advém do facto de a concepção das autarquias como um nível de “poder local”, apesar de enquadrada na tradição do municipalismo português, com 150 anos, tem uma espada de Dâmocles em cima. 

PUB

Portugal continua um Estado (muito) politicamente centralizado e com um poder local com autonomia controlada, com uma descentralização meramente administrativa. E com uma organização assente numa “separação deliberada” da Assembleia da Câmara Municipal que segue o que seria um divisão de poderes tradicional.

Defendeu, então, que “a Assembleia Municipal devia ser o órgão com mais proeminência política” mas acentuou-se “o que hoje temos como o presidencialismo municipal assente na Câmara e no seu presidente”.

Referindo-se a “dois pecados originais” do poder local – um é a eleição directa da Câmara Municipal pelos eleitores que “não tem paralelo em lugar algum”; e outro “é a integração dos presidentes da Junta na Assembleia Municipal” (nos partidos porque foram eleitos), um tique de “federalismo local”, por representação e não por eleição directa. 

“São dois erros fatais” – diz Vital Moreira. E que permitem “a secundarização e o esvaziamento das Assembleias Municipais”, com consequências “fatais” nesta arquitectura municipal.

Salienta depois “os efeitos perversos” da eleição directa de dois órgãos – deliberativo e executivo – que permitem algumas aberrações:

  • “Uma é que os eleitores podem votar em partidos diferentes para os orgãos municipais”, dando como exemplo o caso de Coimbra em que um partido tem maioria na Câmara e minoria na Assembleia;
  • “Outra é que esvazia de poder a fiscalização sobre a Câmara Municipal (CM)”;
  • “O partido vencedor pode ficar em minoria”, algo compensado, mais tarde com as revisões constitucionais, reforçando “os poderes do presidente da Câmara”;
  • A “integração dos presidentes da Junta, na Assembleia Municipal também foi mal sucedida”, pela sua “natureza híbrida pois metade dos representantes da AM, estão ali com poderes diminuídos”;
  • A “distorção da representação política do Município” – tem Coimbra como bom exemplo, em função dos resultados eleitorais – cria “discrepâncias entre o poder legislativo (AM) e executivo (CM)”, uma característica típica “do presidencialismo municipal”.

Num olhar crítico sobre o poder local, Vital Moreira sublinhou ainda “os erros de concepção – que as leis tentam corrigir – do actual poder local torna-as inconstitucionais”, porquanto torna “o presidente da Câmara como um órgão da soberania municipal ou um sub-orgão”, arrogando-se de poderes que “a Constituição não lhe dá”.

“A Câmara perante a Assembleia não tem qualquer responsabilidade política.”

Nesta confusão – das normas constitucionais com as leis dela decorrentes – Vital Moreira não deixa dúvidas de que “a Câmara perante a Assembleia não tem qualquer responsabilidade política, tem um efeito zero…”

Voltando à integração dos presidentes da Junta, na AM, nos grupos políticos (a que pertencem por eleição) é inconstitucional. “Não podem estar lá (como mais uns dos partidos)… é uma captura… eles representam as suas freguesias (e não os partidos)”.

Arquitectura do poder local está a merecer uma transformação e ninguém toma a iniciativa de a promover. © GA!

Depois deste quadro negro sobre a democratização e funcionalização do poder local e dos seus órgãos, o ex-deputado constituinte diz que “todos querem mudar” a arquitectura do poder local mas “não denunciam” estas aberrações.

Lembra ainda a revisão constitucional de 1997 que teve duas alterações chave, veio definir que “a AM é constituída por deputados eleitos”, sendo clara que os presidentes da Junta “a integram”, o que na prática “retira aos representantes das freguesias o poder de cobrar responsabilidades políticas à Câmara”.

“Os presidentes da Junta ficam inibidos de terem qualquer papel na escolha dos vereadores.”

E dá o exemplo de que “os presidentes da Junta ficam inibidos de terem qualquer papel na escolha dos vereadores”, outra aberração que “48 anos depois da revisão de 1997 continua sem ninguém fazer nada”

Por fim, admite que “uma forma de corrigir os erros originais da arquitectura constitucional do poder local é adoptar, nos orgãos do Município, é adaptar o sistema de governo das Juntas de Freguesia, onde não há representantes dos partidos da oposição no órgão executivo”.

Nesta solução, caberia a possibilidade de se apresentar moções de censura e influenciar a escolha dos vereadores.

“E tudo podia ser feito sem necessidade de uma revisão constitucional, apenas legislando sobre a revisão feita em 1997” – disse. Esclareceu, entretanto, que “retirar agora, os presidentes da Junta das AM’s seria inconstitucional”.

Esta sessão que decorreu na Sociedade Martins Sarmento, no âmbito do programa ‘Abril com Cantigas do Maio’.

© 2025 Guimarães, agora!


Partilhe a sua opinião nos comentários em baixo!

Siga-nos no FacebookTwitter e Instagram!
Quer falar connosco? Envie um email para geral@guimaraesagora.pt.

PUBLICIDADE • CONTINUE A LER

Notícias Relacionadas

PUBLICIDADE • CONTINUE A LER

Últimas Notícias