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Domingo, Abril 28, 2024

‘ondamarela’: a inspiração em pessoas permite fazer arte com o dia-a-dia

Economia

  • Foi um dos grupos que participaram no ‘Excentricidade’, em Barco e em Ronfe. Os seus projectos de utilizar práticas artísticas participativas e de criar colectivamente foram do agrado das pessoas.
  • “Acreditamos profundamente que é através da arte, da cultura, que grande parte dos problemas se põem a nu, se discutem, se trabalham” – afiança o grupo composto por Ana Bragança e Ricardo Baptista.
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O que é a ‘ondamarela’ em termos culturais?

A ‘ondamarela’ é uma estrutura artística que encontra nas pessoas e nos lugares a inspiração para o desenvolvimento dos seus projectos. Acreditamos que provocar a experiência de criar um objecto artístico totalmente novo e original com a participação efectiva das pessoas, das suas histórias, das suas angústias, das suas vontades, na relação com os seus lugares, gera transformações importantes no caminho de uma democracia cada vez mais forte. Estamos sediados em Guimarães e em actividade desde 2015; temos trabalhado com uma grande diversidade de organizações em Portugal e no estrangeiro. E fomos galardoados com o Prémio Acesso Cultura 2019 – Acesso Social e Intelectual. Centrámos sempre a nossa acção em práticas participativas e criação artística comunitária, em diversos âmbitos: performances de comunidade (espectáculos de música, de teatro, dança, vídeo-arte), programação/curadoria cultural, oficinas educativas, jogos, conversas, objectos de mediação e formação. Entusiasma-nos o encontro, a escuta, o confronto, o compromisso, na partilha e na criação de novas comunidades: a comunidade como “sentimento de nós”.

Quais os seus projectos?

Práticas artísticas participativas, a arte participativa e comunitária. Criar colectivamente é o que nos motiva e interessa. Desenvolver processos participativos colectivos, a partir de questões mais simples ou mais complexas, mas acreditando que é possível fazer arte com o dia-a-dia. O processo de trabalho assenta sempre em encontros regulares, de criação, lúdicos e informais, com as diferentes comunidades e pessoas envolvidas até ao momento final de apresentação do resultado. O resultado pode ser muita coisa, depende bastante do lugar e da comunidade(s) envolvida. Pode ser um concerto, uma performance multidisciplinar, um filme, um livro, etc.

Em que áreas actua?

Trabalhamos a partir da relação entre arte e participação, valorizando o processo de construção e tornando as tomadas de decisão partilhadas, tentando a integração de modos alternativos de funcionar. Partimos sempre os processos a partir da(s) comunidade(s), aspirando a ligação aos lugares/territórios e promovendo a participação efectiva de todos, procurando uma horizontalidade na acção.

Quantas pessoas envolve?

A ‘ondamarela’, enquanto estrutura, envolve três pessoas de forma permanente – a Ana Bragança e o Ricardo Baptista, que são os fundadores e criadores da ‘ondamarela’ e a Sara Fernandes que se juntou há alguns anos à equipa como reforço na mediação, produção e agora também na criação. No entanto, dependendo dos projectos e processos, convida diferentes artistas e/ou mediadores e produtores com experiência em práticas participativas a participar. As equipas são sempre criadas em função das necessidades dos projectos. Por exemplo, se há um projecto que tem como desafio envolver uma comunidade mais musical com outra mais da área da dança, convidamos uma coreógrafa para nos ajudar a dar melhor respostas às expectativas dessa comunidade. Mas se, por outro lado, as comunidades envolvidas não tiverem quaisquer prática artística, mas o projecto evoluir num processo em que se verifica a necessidade de ter uma dimensão visual, seja vídeo ou fotografia, convidamos alguém dessa área para completar a equipa.

Como decorreu a experiência no programa ‘Excentricidade’?

A ‘ondamarela’ teve duas experiências no programa ‘Excentricidade’. A primeira foi em São Cláudio de Barco, em Maio de 2023 (por conta da pandemia este foi um projecto que acabou por acontecer só este ano apesar do convite ter sido feito em 2020). Chamou-se ‘Do que um Homem é capaz’ e partiu da reflexão e pensamento acerca do legado da obra de José Mário Branco que havia falecido em 2019 e que, como trabalhou bastante em Guimarães e o projecto estava inicialmente previsto para acontecer no âmbito das celebrações do 25 de Abril, pensamos que seria um importante mote e tema para a criação. O processo de criação parte da obra de José Mário Branco mas também, e como sempre na ‘ondamarela’, do património imaterial desta freguesia e dos seus habitantes. O que nos faz felizes na relação com o lugar onde vivemos? O que nos traz angústias? Do que somos capazes quando nos juntamos, quando não estamos sozinhos? Estas e outras questões estiveram nas vozes desta nova comunidade que se criou para este momento em particular. Estiveram envolvidas no processo de criação elementos da Junta de Freguesia, da associação GCR de Barco e da sala de convívio sénior. Da parte da ‘ondamarela’, para além de nós os três convidamos a Lais Pereira que esteve responsável pela fotografia do espectáculo. Foi uma experiência muito interessante, interrompida pela pandemia mas retomada com curiosidade e entusiasmo. Trabalhamos, num primeiro momento, com dois grupos de forma separada, com a sala de convívio sénior durante a tarde, no dia de encontro habitual deste grupo e, à noite, com elementos da associação GCR de Barco e outras pessoas que se quiseram juntar. Num fase final, juntamos as duas comunidades para ensaios conjuntos e formação de uma nova comunidade. Neste processo havia já uma inspiração, a obra de José Mário Branco, que tornou o projecto numa partilha mútua bastante interessante. Levávamos letras e músicas do José Mário Branco e trazíamos reflexões que as mesmas deixavam. O tema da emigração acabou por ganhar uma importância determinante na criação, um ponto em comum entre a experiência de vida de José Mário Branco e a experiência de vida de muitos dos participantes. O espectáculo final foi um híbrido entre música, vídeo e fotografia e aconteceu no dia 23 de Maio de 2023, no auditório do Grupo Cultural e Recreativo de Barco. A segunda experiência no programa ‘Excentricidade’ aconteceu entre Setembro e Dezembro de 2023, com o resultado do processo apresentado a 9 de Dezembro no salão paroquial de Ronfe. Neste caso, não levamos nenhum ponto de partida e o tema e nome da performance surgiu a partir das primeiras sessões exploratórias que desenvolvemos, junto de diferentes comunidades de Ronfe. Chegamos a este ‘Ser Aqui’, a partir do levantamento do património material e imaterial desta vila, com um conjunto de dinâmicas desenvolvidas que nos permitiram conhecer melhor Ronfe mas, e sobretudo, quem somos, como nos relacionamos, que particularidades há em Ronfe, o que é ‘Ser Aqui’. Foi um processo muito intenso e muito emocionante, com um envolvimento muito comprometido e dedicado de todos os participantes. Uma generosidade na partilha intensa e honesta que nos possibilitou criar conteúdos bem representativos deste lugar e destas pessoas. Estiveram envolvidos, no processo de criação, elementos da Junta e Freguesia, da Academia da Razão, dos Escuteiros de Ronfe, Flor-de-Lis e da Fraternidade para além de pessoas que se inscreveram por via de uma convocatória que esteve aberta. Todas as letras e músicas foram criadas participativamente e a performance foi também um híbrido entre música, teatro e vídeo.

Que impacto sentiu na comunidade?

Acreditamos profundamente que é através da arte, da cultura, que grande parte dos problemas se põem a nu, se discutem, se trabalham. Por isso, acreditamos muito nestes processos de criação para a construção de uma comunidade como o “sentimento de nós”. Esperamos sempre que estes processos de trabalho deixem novas camadas nas pessoas e nas comunidades, novas formas de nos relacionarmos e de participarmos civicamente na vida dos lugares onde vivemos. Para além disso, participar num processo criativo como este, deixa-nos a todos mais ricos, com mais conhecimento sobre o lugar e sobre as pessoas que nos rodeiam que, tantas vezes, não conhecemos. 

“A cultura é feita com o dia-a-dia, com as pessoas, com o que nos rodeia.”

Qual a apreciação que faz desta iniciativa?

Achamos que o programa ‘Excentricidade’, que assenta na descentralização da oferta criativa e cultural, é fundamental para o desenvolvimento cultural, social e cívico de Guimarães. A promoção de projectos que não são apenas de fruição, assentes em práticas de criação colectiva, trazem à luz a voz destes cidadãos, daquilo que têm para dizer, do que sentem, dos seus desejos, críticas e reflexões. A experiência de, através da arte, juntarmos pessoas, criarmos algo novo e identificativo do que é seu, é transformadora e deixa marcas nas pessoas e no território. Por outro lado, estas coisas acontecerem cada vez mais fora “dos centros”, talvez contribua para a diluição dessa ideia ultrapassada de que a cultura só se faz nos ditos “centros”, em equipamentos culturais específicos, com ferramentas e vocabulários inacessíveis, talvez se estique a ideia de “centro”, de criação cultural do “centro” para as “periferias”, talvez as periferias se tornem centrais. A cultura é feita com o dia-a-dia, com as pessoas, com o que nos rodeia seja isso o que for, sejam centros culturais urbanos, sejam centros paroquiais rurais.

Como deverá ocorrer no futuro?

O programa ‘Excentricidade’, na nossa opinião, pode alargar a sua área actuação, acontecendo em mais lugares do concelho de Guimarães, de forma ainda mais regular e proporcionado experiências de criação colectiva. Acreditamos que com esta regularidade se poderão criar novos fluxos de consumo cultural, fazendo com que o público se desloque a estes sítios para ver espectáculos que são únicos, identificativos das pessoas e dos lugares. Por outro lado, nesses lugares, com essa regularidade, as linguagens artísticas podem ser cada vez mais arrojadas, complexas e elaboradas, produzindo-se resultados cada vez mais artisticamente relevantes.

LER MAIS: PARTE 1 \ PARTE 3

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1 COMENTÁRIO

  1. Boa noite, eu chame Fernando Esteves Ferreira e tenho paralisia cerebral , e conheci o professor Ricardo Baptista em 2008 num projeto de teatro da APPC da doutora Amália Sá, conjuntamente com Escola Leonardo Coimbra (Filho ) onde o professor Ricardo Baptista era professor e com um grupo da Casa das Glicinas; formamos um grupo muito intenso e muito lindo , onde ninguém se conhecia e onde foi construído semana após semana e se mantem até hoje. Nós apresentamos uma peça “Meu pássaro” num auditório na cidade do Porto, eu já tinha iniciado a minha via artística na dança onde fiz o meu primeiro espetáculo na Casa da Música no Porto; mas o projeto do “Meu pássaro” com professor Ricardo Baptista foi um dos projetos lindos e marcantes da minha vida.

    Eu desejo as melhores felicidades e maiores sucessos ao professor e amigo Ricardo Baptista .

    Boa noite ao jornal Guimarães Agora e um abraço ao Ricardo Baptista .

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