Com o peso-extra que ganhou o Português nas novas directrizes lançadas pelo ME e órgãos ligados ao sistema educativo, há muitas questões que se levantam.
Ninguém coloca em causa a importância do Português, mas há diferenças óbvias entre dominar uma disciplina relacionada com a Língua Portuguesa, sempre delimitada por um currículo truncado, e conhecer o Português, suas variantes e variáveis, bem como obras e formas de texto produzidas fora do cânone estabelecido por deliberações superiores. Não se ensina para a diversidade: ensina-se para o exame e para a ficha (que está, presentemente, no centro do processo educativo, criando uma falaciosa ideia de rigor e de exigência).
Criar um “perfil de aluno” é advogar um tipo que interessa a uma determinada forma de pensar, pré-estabelecida, logo fechada. O chato disso tudo, para quem manda alguma coisa, é que a realidade não é a que pregam: há tantos perfis de alunos quantos os alunos. Dar o mesmo a todos, fazer com que corram uma corrida que não é a deles, nem para eles (pelo menos para a maioria), é alimentar uma doutrina.
Quem não quiser a doutrina, seja por falta de pachorra, resistência, falta de foco ou simplesmente outras prioridades, leva com o rótulo de incapacidade, falta de exigência ou irresponsabilidade.
É justo tomar de pressuposto que os alunos têm de ser assim ou assado? Será que aqueles que sentem que a música, ou o desporto, ou as artes, são o seu “moto”, têm de ser forçados a mudar o foco para algo que não essas áreas, porque, aparentemente, valem menos do que as outras, seja porque se criou essa ideia, ou porque a sociedade, repetem-nos, não as valoriza? Diria que a sociedade valorizará o que formos educados e incentivados a valorizar. Caso isso não aconteça, estaremos apenas a replicar e a reproduzir o que tem sido norma, sem disrupção, sem corte, sem arrojo. A escola e o sistema educativo, universidade incluída, devem cingir-se a alimentar o mercado laboral? Educamos e ensinamos para a crítica construtiva ou para o acatamento acrítico?
Lembro-me do meu percurso escolar. Esta questão das disciplinas de primeira e as outras não é nova: quem conseguisse bons resultados às tais privilegiadas, acabava, como numa cadeia de influência, por conseguir os mesmos resultados às restantes, muitas das vezes com recurso a uma espécie de coacção psicológica, por parte de quem manda, aos restantes professores das referidas “outras”. Que respeito e consideração havia e há por esses professores? E pelos alunos que levavam e levam com rótulos por segurem, já no secundário, as áreas de Humanidades e Artes? Lembro-me bem do que diziam. Passados 20 anos, continuam a dizer. Ouço-as pelos corredores, por vezes abafadas, outras vezes para toda a gente ouvir. Não se faça de conta: é verdade.
Outra área atingida por esta maldita forma de pensar é a do ensino profissional. Este ensino, um patinho feio e um parente pobre, é tratado, penso, de forma quase criminosa. Estamos a formar e a criar, à boleia disto, cidadãos de segunda?
Entulhamos as nossas crianças e os nossos jovens alunos com coisas que não lhes dizem absolutamente nada. Não queremos saber, não estamos atentos, nem queremos compreender as capacidades de todo e cada um.
Ajudar a desenvolver as capacidades de uma criança ou de um jovem aluno, ajudando a que se conheçam e que percebam o que podem fazer, é o mínimo exigível à escola e à educação. Ou poderia ser. Sem coagem. Sem modelos fechados.
Ninguém deve estruturar uma escola tendo por base o sucesso de uns em comparação ao insucesso dos outros. Quando o problema é o aluno, ele é o responsável. Quando o problema é a escola, o aluno continua a ser o responsável. Tem sido sempre assim.
A verdade é que se temos uma escola pública com ensino obrigatório até ao 12.º ano, é fulcral que a mesma seja, inequivocamente, um modelo de inclusão, porque nenhum modelo que exclua, com base, ainda por cima, em premissas falaciosas e de exclusão, é modelo para o que quer que seja. A escola faz-se com todos, para todos. Ou poderia. Se assim não for, acabaremos por reproduzir assimetrias.
Portanto, este sistema de avaliação não é justo, nem serve. As ideias que cria e as conclusões que alimenta deixam de fora muitas variáveis não mensuráveis. Esperar que cada aluno, num dado dia, a uma dada hora, despeje informações para uma folha, com perguntas iguais, de uma área ou matéria que pouco lhe dirá, precisa de desaparecer.
Precisamos de pessoas que façam as suas escolhas, seja com os livros que querem ler, com os trabalhos que querem apresentar, com as áreas que querem aprofundar, sem que tenham de ser carimbados com um qualquer selo, ou acusados de pouca exigência. O autoconhecimento é o mais exigente dos caminhos. Ninguém, ninguém mesmo, vive sem aprender. Todos querem aprender, o que é preciso é saber descobrir o quê.
As crianças e os alunos têm o direito à sua autodeterminação. Sem paternalismos e condescendências.
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