Acompanhar o avanço da censura em países onde a liberdade de expressão e de informação está consagrada na Constituição recorda-nos que, tal como a paz, a liberdade não é um dado adquirido.
A censura, enquanto prática comum de regimes totalitários, é hoje exercida pelos apologistas da liberdade. Em nome da liberdade, do pluralismo e da independência, os novos sensores curvam-se perante aqueles que devem vigiar.
Com a erosão da independência dos meios de comunicação social e o declínio dos padrões profissionais do jornalismo – onde muitas vezes a liberdade de expressão é ensombrada pelo receio do desemprego – distinguir, hoje, um jornalista de um activista político e um órgão de comunicação social de uma extensão de propaganda pró-governamental, não é tarefa fácil.
Afinal não podemos esquecer que foi um grupo de supostos jornalistas virtuosos que apelaram a Barack Obama para censurar as “notícias falsas”, obrigando o então Secretário de Imprensa da Casa Branca, Josh Earnest, a ter que lhes lembrar a Terceira Emenda da Constituição Americana (por quatro vezes).
Tudo isto contribuiu para que a censura tenha entrando de mansinho, seja através da limitação da liberdade de informação (como conferências de imprensa sem perguntas) ou sob o pretexto de combate à divulgação de “notícias falsas” e “desinformação” – um termo que na verdade significa apenas “informação com a qual discordamos”.
É claro que sendo o povo manso, mas não propriamente burro, e tendo o poder e a influência migrado para as redes sociais, a mass media (e os governos que a sustenta), voltaram-se para Silicon Valley, a meca da Big Tech, que rapidamente assumiu o papel de novo guardião da liberdade de expressão e de informação do mundo.
Na verdade, com o poder absoluto em relação ao fluxo de informação que acumulou, o que a Big Tech tem vindo a fazer, qual Estado sem lei, é usar esse poder para moldar as mentalidades no âmbito da corrente dominante. Os utilizadores – mesmo aqueles que são eleitos – obedecem ou são banidos, sem direito a recurso judicial ou outro.
O Twitter, por exemplo, deixou bem claro que não tem qualquer pretensão de ser uma plataforma interessada em facilitar a liberdade de expressão e de informação, quando impediu a partilha de artigos do New York Post sobre o caso Hunter Biden, que envolvia o filho do candidato democrata e o próprio Joe Biden numa história de corrupção. Mais: para que não restassem dúvidas sobre quem decide o que é verdadeiro ou falso ou sobre o que é dito e por quem, impediu, inclusive, que vários jornalistas e o próprio New York Post transmitissem fosse o que fosse durante parte do período eleitoral norte-americano.
O Facebook e o Google juntaram-se ao Twitter na censura, informando os utilizadores que seriam limitadas quaisquer partilhas da história até que fosse verificada pelos parceiros de verificação de factos do Facebook – algoritmos “instruídos” para restringir ou banir a dissidência.
Na altura, o conselho editorial do New York Post acusou-os de interferência eleitoral e de censura sem precedentes. E a verdade é que sabe-se, agora, que um em cada seis eleitores de Joe Biden teria mudado o sentido de voto se soubesse da história suprimida pela mass media e pelas redes sociais, de acordo com um relatório do Media Research Center.
Há uns dias, o New York Times, que alinhou na censura à denúncia do Post, veio dizer que a censura no Facebook tem vindo a aumentar após as eleições nos EUA. O Jornal acusa o Facebook de limitar a circulação de notícias e o acesso a páginas de vários meios de comunicação com os quais discorda, sob o pretexto de combater “alegações falsas e enganosas” sobre resultados eleitorais e fraude. Na prática, o NYT veio apenas confirmar o que qualquer utilizador atento já tinha percebido: no Facebook circulam apenas livremente as notícias de meios de comunicação tendenciosos.
Porém, o caso mais flagrante chega-nos através do YouTube, que é propriedade do Google, quando, em Setembro, removeu do seu serviço de streaming um vídeo de uma entrevista com Scott Atlas, um proeminente neurorradiologista e professor do Stanford University Medical Center, no qual abordava questões de saúde pública relativas à pandemia e questionava a eficácia dos confinamentos. Voltou a fazê-lo no passado Domingo, desta vez com um vídeo de uma live do Rodrigo Constantino, um conhecido politólogo brasileiro, com o médico Alessandro Loiola, um crítico do lockdown e da histeria pandémica. A justificação dada pelo YouTube foi a de que conteúdos violavam os termos de uso da plataforma. Mas que conteúdos são esses, afinal? O YouTube explica: “são todos os conteúdos que contestem, critiquem ou coloquem em causa a eficácia das orientações das autoridades locais de saúde pública e da Organização Mundial de Saúde”.
O caso do YouTube ilustra bem como uma plataforma supostamente neutra aspira à criminalização do pensamento e da liberdade de expressão: o YouTube. não só proíbe qualquer pensamento crítico como exige obediência cega à OMS, uma organização de carácter universal, cuja conduta durante pandemia tem sido pautada por contradições e mudanças de posição.
Este comportamento censório foi também assumido pela Amazon, com a remoção de livros, como o livro do ex-jornalista do New York Times, Alex Berenson, “Unreported Truths about COVID-19 and Lockdowns: Part 3: Masks”, sobre a ineficácia das máscaras faciais durante a pandemia COVID-19, sem qualquer justificação.
Só quando vozes proeminentes como o jornalista Glenn Greenwald e o CEO da SpaceX Elon Musk acusaram a Amazon de censura e o autor anunciou que a Apple tinha começado a vender o livro na sua plataforma – que em poucas horas chegou ao top dos livros mais vendidos – é que a Amazon veio dizer que, afinal, o livro tinha sido removido devido a um “erro”.
O clima censório foi sempre alimentado pelo medo. O medo é, aliás, a razão pela qual o avanço da censura não se encontra confinado ao cartel de Silicon Valley. Ela estende-se a todos aqueles que temem a ira das turbas progressistas que lhes podem arruinar os negócios em questão de horas. Que o diga a jornalista do Wall Street Journal, Abigail Shrier, que viu o seu livro, “Irreversible Damage: The Transgender Craze Seducing Our Daughters”, censurado pela Editora Target Book, depois que um (um!) utilizador anónimo do Twitter ter denunciado o livro como “transfóbico”. Alguns dias depois seria a Spotfy a remover um podcast de uma entrevista que concedeu ao programa “The Joe Rogan Experience”, para satisfazer o apetite jacobino dos seus funcionários.
Em Portugal, recentemente, assistiu-se, também, a uma tentativa de linchamento público causado por um livro de Riccardo Marchi: um colectivo académico de jacobinos subscreveram uma nota de “repúdio”, a propósito do seu livro “A Nova Direita Anti-sistema: O Caso do Chega”.
Contudo, nem tudo está perdido. Ontem fiquei a saber que decorre até dia 8 de Dezembro uma petição online lançada por 1.000 dos 1.300 alunos da Eton College (a escola mais elitista do mundo) exigindo a reintegração do seu professor, Will Knowland, que foi demitido por ter criado um vídeo de 33 minutos para uma aula online intitulado “The Patriarchy Parody”. O vídeo, que pretendia consciencializar os alunos para os “diferentes pontos de vista da actual ortodoxia feminista radical”, foi considerado pela turba progressista radical, como prejudicial e “sexista”.
Como é que chegamos até aqui? Quem nos salva dos novos censores?
Há quem, na sua infinita ingenuidade, alegue que censura privada não é o mesmo que censura de Estado, como se uma autoestrada administrada por uma empresa privada, como a Brisa, por exemplo, lhe desse o direito de decidir quais os veículos que podem ou não nela circular, de acordo com os seus caprichos, subserviência política ou por mero oportunismo político.
A liberdade de expressão e de informação, em democracia, devem prevalecer sempre sobre quaisquer políticas de empresas privadas, cujos “termos de utilização” nunca devem ser mais censórios do que aqueles que estão definidos pelas Constituições dos países onde operam.
A verdade, porém, é que o mundo passou a ser habitado por massas anestesiadas, indiferentes e medrosas. A maior parte das pessoas não se importa de abrir mão de praticamente todas as liberdades em troca do conforto de ter os produtos entregues à porta da sua casa. Fica até feliz por se submeter às regras da Big Tech, desde que a sua conta na Netflix não seja cancelada.
Àqueles que, como eu, temem o avanço da censura, resta-lhes a esperança de mais exemplos como o dos alunos do Eton College, os únicos capazes de honrar a memória de milhões de pessoas que deram a vida pela liberdade.
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