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Quarta-feira, Novembro 13, 2024
Paulo Branco
Paulo Branco
Mergulhado mais de duas décadas no urbanismo e arquitectura, acostumou-se a reflectir sobre a organização humana e os seus efeitos em muitos sítios e cidades, alguns Países, e num único planeta que reclama uma mudança profunda de comportamentos. Amante da leitura e da música, acredita (ingenuamente) que o progresso assenta no desenvolvimento cultural e espiritual do indivíduo e das sociedades esperando que um dia o trabalho seja verdadeiramente libertador e a harmonização entre pessoas e o meio artificial e natural constituam a maior fonte de equilíbrio e felicidade.

Confinados

Do quarto da frente, pela janela que elegi como posto de vigia, observo a rua deserta e o horizonte expectante – nada, quase nada, apenas distância e ausência humana, um paradoxo que a cidade afinal suporta. Encontro no reflexo da vidraça um sorriso resignado em pequenas coisas – um gato a atravessar ineditamente sem pressa, um vizinho com o seu cão perscrutando à volta, um estranho a regressar, atento, à base com o seu saco de pão.

Este confinamento afasta-nos de um mundo que se tornou impeditivo de liberdades e hábitos sem os quais a vida se torna cinzenta: já não há o copo de fim-de-tarde nas esplanadas, ou os serenos jantares de sexta na baixa; já não se esboça alegria na antecipação dos dias de descanso ou das festas e animadas reuniões que se preenchiam de boas e longas conversas – agora resumidas a graçolas, teorias da conspiração contraditórias e outras banalidades descompressoras no WhatsApp.

Custa pensar nisto porque, imagino, não será já amanhã que nos libertaremos da tensão e reencontraremos essa vida, de pequenas (boas coisas), que tínhamos como certa. Tudo mudou! Sim, há uma luta em curso e para já vou enviando mensagens para fora do posto de vigia, relatórios de saúde dos soldados, aqui e ali trocando planos encriptados dos ataques planeados aventurando-me, algumas ponderadas vezes, em incursões certeiras por terreno minado; o inimigo esconde-se por detrás das portas e nas mais imprevisíveis crateras mas, como nós, é vulnerável.

A vida mudou, mas baixar a resistência activa é a capitulação inaceitável para quem acredita na vitória; não parecendo, há coisas a mexer no subsolo, na terra, no mar e no ar. Há ruínas, certo, mas também há muros a derrubar, edifícios a consolidar, outros a construir, fundações a preparar suportes para um mundo que continuará a girar e que, esperemos, possa ser positivamente diferente. Esse reencontro conta comigo, e creio que com (quase) todos, para a reconstrução de uma mais solidária, justa, respirável e serena vida que, apesar de todos os seus pequenos e grandes dramas, será tudo aquilo que conseguirmos fazer com ela.

Entretanto cuidamos dos postos de vigia e das trincheiras, robustecemos e apuramos a defesa gizando as incursões definitivas na luta, casa a casa, rua a rua, bairro a bairro, que se vai anunciando… Receio? Decerto prefiro sublimá-lo na confiança, na ousadia e ambição do combate enfrentando um futuro incerto, sim, mas que espera, ali ao virar da esquina, as nossas boas respostas; foi sempre assim, sobrevivemos sempre e, melhor, quase sempre reforçados.

“Homenagem aos tombados em combate e aos abnegados, esses heróis fora das trincheiras que nunca viraram ou virarão a cara…”

Fica entretanto uma humilde homenagem aos tombados em combate e aos abnegados, esses heróis fora das trincheiras que nunca viraram ou virarão a cara. Fica também o desafio para os futuros heróis da reconstrução – desta vez é que é! Entretanto à tardinha, do posto de vigia, observo lá ao longe, já do lado de lá do rio, uma superfície espelhada a vibrar um ígneo reflexo de pôr-do-sol, daqueles que promete uma luminosa e sorridente alvorada.

© 2020 Guimarães, agora!

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