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Segunda-feira, Abril 29, 2024
Alcides Barbosa
Alcides Barbosa
Mestre em Habitação e Urbanismo pela Architectural Association, foi professor universitário e diretor do Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo. Ativista da ecologia política, é membro da AVE - Associação Vimaranense para a Ecologia e da Rede para o Decrescimento.

Casas para Viver, Planeta para Habitar

No dia 30 de Setembro haverá nas maiores cidades do país, inclusive em Guimarães, manifestações que ligam habitação e ecologia, porque estamos a enfrentar em Portugal (como em toda a Europa) dois grandes problemas socioambientais: 1) garantir o acesso à habitação e 2) garantir a restauração de um ambiente adequado à vida como a conhecemos. A primeira impressão é de que se tratam de problemas que não estão relacionados. Tentarei mostrar que, ao contrário, estão intimamente ligados.

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  • Crise habitacional

O governo português anuncia aos quatro ventos que a dificuldade no acesso à habitação foi causada pela redução na oferta de novos fogos no mercado imobiliário. Assim, seria preciso estimular a construção dando mais vantagens a empreendedores e reduzindo as restrições existentes (avançar sobre as reservas agrícolas e ecológicas) para que os preços caiam, numa lógica de economia do mercado. 

Olhando para a última década, Portugal ficou com menos 100 mil residentes e mais 100 mil alojamentos familiares.

Mas analisando os fatos veremos que não é bem assim (dados do PORDATA): a quantidade de alojamentos familiares em 2001 era de 5,3 milhões, em 2011 de 5,9 milhões e em 2021 de 6 milhões. Mesmo que não tenha aumentado muito na última década, nunca deixou de aumentar. Também se prevê que a população portuguesa venha a diminuir. Os censos confirmaram uma população de 10,3 milhões em 2001, de 10,5 milhões em 2011, e de 10,4 milhões em 2021. Apesar de uma relativa estabilidade, houve uma ligeira quebra. Olhando para a última década, Portugal ficou com menos 100 mil residentes e mais 100 mil alojamentos familiares. Além disso, estima-se em mais de 700 mil a quantidade acumulada de habitações vazias em Portugal. No centro de Guimarães fala-se em 30% de imóveis vazios. Em termos comparativos, o pico histórico de produção imobiliária (2000 a 2004) foi de 26 mil por ano, em média. Ou seja, há um número de imóveis vazios em Portugal equivalente a 28 anos de produção, à mais elevada taxa histórica. É preciso construir mais?

  • Crise ecológica

O governo português (em linha com a União Europeia) anunciou a transição para uma economia mais verde através do estímulo à implantação de gigantescos parques de energia fotovoltaica e eólica onde antes havia cultivo de sobreiros e outros ecossistemas que mantinham a biodiversidade; a abertura de minas a céu aberto onde antes havia um património agrícola mundial; a absorção de carbono por monoculturas de eucalipto onde antes havia quintas. Essas políticas provocam uma desertificação do interior que não se reflete só na redução de populações humanas, mas também na redução de negócios familiares, na extinção de espécies de animais e plantas, e na drenagem dos rios e aquíferos subterrâneos. É a monocultura em todas as suas dimensões. É preciso destruir quintas e florestas para se ter uma economia verde?

  • O modelo económico

Anunciam-se crises económicas internacionais como causadoras da pobreza, sendo preciso tomar medidas competitivas para aumentar o PIB nacional. Mas o PIB per capita de Portugal (em preços constantes) era de 17,4 mil euros em 2001, de 17,7 mil euros em 2011, e de 18,9 mil euros em 2021. Olhando para a última década, houve um aumento de 1,2 mil euros no PIB per capita de Portugal. A solução para a pobreza não está em “estimular a economia”, o PIB nunca parou de crescer! O problema é que o crescimento do PIB não trouxe melhorias à vida das pessoas comuns. Onde foi parar esse dinheiro?

Há habitações vazias no interior porque não há estímulo à agricultura familiar e regenerativa dos ecossistemas. Em vez de garantir a fixação das novas gerações no campo como promotores da segurança alimentar (e da inestimável variedade biológica), o foco está na balança comercial e na transação de commodities (produtos padronizados com preços internacionais) por megacorporações. Poderíamos ter famílias de classe média a residir nas suas terras, com capacidade para construir casas para seus filhos, com acesso a educação online de ponta e produção com alto valor agregado. Em vez disso, temos aldeias abandonadas no meio da agricultura industrial a perder de vista, com trabalhadores estrangeiros em regime de semi-escravatura a viver em contentores

Há habitações vazias nas grandes cidades porque não há prioridade para que as pessoas possam continuar a morar onde cresceram as suas famílias e onde têm sua história. O foco está em ativos de fundos de investimento imobiliário e captação de capital. Poderíamos ter comunidades vibrantes, negócios tradicionais de pequenos proprietários gerando rendimentos suficientes para viverem no quarteirão em que trabalham, levando a pé os seus filhos à escola. Em vez disso, temos grandes superfícies e alojamentos locais de grandes proprietários a gerar empregos pouco qualificados, com a maioria das pessoas a viver em subúrbios, a consumir tempo e energia em deslocações pendulares. 

Por fim, a desertificação do interior e o crescimento anómalo das metrópoles (reforçados por aeroportos e comboios de alta velocidade) acarretam condições climáticas que se vão refletir no aumento do consumo de energia nas habitações, na inflação do preço dos alimentos, na falta de água, em incêndios e inundações. O triste é que toda essa destruição social e ambiental só faz crescer o PIB, mas não a qualidade de vida das pessoas. É disto que se alimenta o crescimento pelo crescimento de uma abstração macroeconómica. Para quem?

  • Economia e Ecologia: a Terra e o lar

A terra não é um recurso a ser extraído junto com a água para conversão em superávit da balança comercial. A terra é onde estão as raízes de comunidades e de outros seres vivos. Uma política para a qualidade de vida deveria fortalecer essas comunidades rurais, tornando-as mais diversificadas e resistentes às variações do clima e à economia globalizada. Em vez de alimentos baratos vindos da América do Sul (como querem no acordo UE-Mercosul), precisamos de pequenos agricultores com melhores rendimentos em Portugal, a ocupar as aldeias e pequenas cidades com infraestrutura de qualidade (educação, saúde, transportes).  

O lar não é um ativo financeiro que se compra quando os preços estão em baixo e se vende quando estão em alto. O lar é onde estão a segurança e as memórias de gente, um ponto de cruzamento de histórias de vida. Uma política para a qualidade de vida deveria fortalecer esses laços humanos, tornando-os mais diversificados e resistentes à decadência e à gentrificação. Em vez de mais sub-habitações atomizadas a avançar sobre o campo, precisamos desmercantilizar a habitação e restaurar os laços sociais que davam identidade e sentido cívico às nossas cidades

A palavra grega “oikos” (eco), que está nas raízes de economia e de ecologia, significa algo como “casa da família”. Para resolver simultaneamente as crises da habitação e do planeta, é preciso tratá-los como nosso lar.

© 2023 Guimarães, agora!


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