Quando se trata de um lugar, o espaço e o tempo assumem um único e preciso valor deixando de ser abstracção matemática, rigor geométrico ou um assunto de estética; adquirem uma identidade e passam a ser uma referência para a nossa existência enquanto espaço sagrado e secular, pessoal e colectivo, natureza e cidade, rua e casa, ruína e reconstrução. As cidades, consagradas por estes princípios devem conhecer, como a natureza, a renovação e a serena ascese das auroras e ocasos na simbiose com o meio e a diversidade humana.
Como o movimento do sol define em parte o modo como lemos o espaço, a actividade ou passividade dos homens, mulheres, crianças, animais, plantas, rios e mares, definem o espírito específico dos lugares – espaços com tempo e histórias ancoradas num ponto preciso da terra com a sua abóbada, o seu céu, a sua estrela.
Assim a cidade, mais que o abrigo da organização do social, tem o direito de relativizar o eminentemente prático para exacerbar o filosófico, o político, a transcendência, a arte e a cultura, no fundo a importância simbólica se apoiada porém, acima de tudo, no elemento humano, suas expressões e necessidades; sim, se é certo que a multiplicidade de pensamentos e prioridades enriquece a cidade, também é certo que a sua harmonização e correlação, mais ou menos pacífica, com maior ou menor nível de justiça, é o ponto nervoso que pode despoletar picos altos ou baixos de civilidade, de civilização.
Segundo dados da ONU e da OCDE, em 2050 3/4 da população viverá em cidades! Os recursos, o espaço e o ambiente terão que ser racionalizados e as vertentes económicas, culturais, ambientais e de bem-estar deverão reequilibrar-se com os genuínos valores civilizacionais, neste momento tão ameaçados pela escalada de bipolarização e incitamento a fraturas (o que uma pandemia exacerba…).
Gostamos de cidades, de utopias quase oníricas onde o sol nasce para todos e os passarinhos vem comer à mão de alegres cidadãos que gostam de cidades – dinâmicas, equilibradas e justas. Urge então perceber que monstro adormecido estava debaixo das camas, como o alimentamos e que fermentação encontra espaço para disseminar tanta revolta; cumpre-nos, porventura, entender que erros e que perpetuadas injustiças cometem os “Estados de Direito”, as democracias, para que esta vaga de intolerância primária se manifeste tão generalizadamente.
A cidade é uma boa parte do nosso cosmos visível – ela expande-se em interacções sem fim, expressando-se em brilhos e Supernovas mas também em buracos negros de tumultos e fracturas que sugam toda a energia humana para vácuos existenciais. Estejamos pois atentos a outras pandemias que podem tornar-se sistémicas se uma venda escura não nos deixar perceber a raiz do ódio, ou desespero, que quase invariavelmente acolhem a simpatia do egoísmo e da ganância mas também da ignorância, pobreza e marginalização.
Estamos cientes da escuridão que nos cerca mas é nela que melhor brilha uma estrela.
E, claro que sim, Bom Natal!
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