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Quinta-feira, Novembro 21, 2024
Paulo César Gonçalves
Paulo César Gonçalves
Nasceu em Guimarães, voltado para o Castelo da Fundação, e, até ver, está vivo.

A Luta dos Estudantes

À data que escrevo estas linhas, comemoram-se os 54 anos da aprovação, em Assembleia Magna, da monumental adesão à greve aos exames, durante a Crise Académica de ’69, em Coimbra

A 22 de Abril de 1969, a Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra marcou uma Assembleia Magna, na qual seria votada a greve aos exames, para uma data cara para o regime: o 28 de Maio. Provocação?

A participação foi esmagadora: mais de metade dos cerca de dez mil estudantes inscritos na Universidade de Coimbra compareceu. Houve 190 votos contra, umas poucas dezenas de abstenções, e mais de 5000 votos a favor da greve aos exames: mesmo sabendo que iriam ser alvo de processos disciplinares, que iriam, certamente, perder as bolsas, que havia a quase-inevitabilidade, no caso dos homens, da incorporação no Exército, rumo ao Ultramar (com a morte a pairar). Sabendo que a prisão os aguardava. Sabendo que a censura actuaria contra todos, colocando estudantes e famílias em rota de colisão.

A greve, apesar de tudo isso, foi um êxito: o reitor acabaria por ser substituído e o ministro da educação apresentaria a demissão. Houve castigos, a estudantes, que foram levantados.

Dos 200 estudantes que experimentaram a vingança do regime, 49 foram, de forma compulsiva, incorporados no exército.

Alberto Martins, o Presidente da Direcção-Geral da AAC, o homem do “Peço a palavra!”, foi disso exemplo: primeiro em Mafra, depois no Porto, de onde saiu depois do 25 de Abril de 1974, sujeito que estava ao regulamento de disciplina militar.

A juventude estudantil da década de ’60, que recusou a “universidade velha”, feita de exames, sebentas e alheamento das grandes questões (não continuaremos, em certa medida, assim?), deixou-nos uma lição: que, tal como canta(va) Adriano Correia de Oliveira, vale sempre a pena “dizer não” quando é preciso. Porque há “não” que virão a transformar-se noutros “sim”, no futuro.

Em 2023, nesta semana que agora se inicia, começa uma nova luta: os estudantes rebelam-se contra os exames de acesso à Universidade. E muito bem. Têm todo o meu apoio (valha o que valer). 

A minha geração, nascida na década de ’80, foi alheada e viveu alheada da luta.

Houve quem, de permeio, conseguisse acabar com a famigerada PGA (no início da década de ’90). Houve quem tentasse, aqui ou acolá, promover a mudança. A minha geração, nascida na década de ’80, foi alheada e viveu alheada da luta. Conheço muito boas excepções, felizmente. Na minha secundária, havia quem lutasse por causas. Uma estudante em particular invade-me a memória. Bendita e extraordinária. 

Nestes tempos estranhos, de nojo, mesmo, lutamos e esbracejamos contra o peso do mensurável, do número, da nota: da mentira e da falácia.

“NÃO SOMOS NÚMEROS: SOMOS PESSOAS.”

Tão simples, tão lógico, tão verdadeiro. 

O processo de exames, e da educação centrada em testes, exames e notas, deixa de fora toda uma série de variáveis, a começar logo pela equidade e pela questão emocional.

A febre examinadora, dos testes, dos exames, das orais, que quer fazer-se passar por “rigor”, por “excelência” e por “exigência”, não mais é do que uma pequena ilusão num mundo demasiadamente vasto, repleto de informação e conhecimento.

O que fica de fora dessa pequena ilusão é, ou não, material que possa servir a alguém? Por que razão há-de uma pequeníssima parte valer mais do que todo o restante, que daria para completar incontáveis partes?

Ao fim e ao cabo, tudo não passará de uma sensação de controlo, de uma ilusão de poder e conhecimento de uma parte sobre outra, procurando a reprodução, “ad nauseam”, dessa mesma base. É disso que se trata: a reprodução cultural das assimetrias. Acabou a PGA, sendo substituída por mecanismos que se encarregam de perpetuar as mesmas diferenças de bolsa, os mesmos padrões, o mesmo triunfo de uns poucos sobre uma larga maioria. 

A Educação dos “diplomas” prepara para o imediatismo e para as respostas em testes e exames, ignorando a imprevisibilidade e a surpresa da vida.

A Educação não é uma fórmula: podem ser muitas, mas qualquer uma delas não é, nem poderá nunca ser, à imagem de quem à mesma se aceita submeter, um dado adquirido.

Tornou-se conhecida uma expressão, muitas vezes partilhada, supostamente oriunda da África do Sul, sobre o acto de copiar (cabular). Reza(va) assim: “Para destruir qualquer nação não é necessário usar bombas atómicas ou mísseis de longo alcance. Basta apenas reduzir a qualidade da educação e permitir que os estudantes ‘copiem’ nos exames.”

Concordo com a parte da educação ser importante para uma nação, mas discordo de todo o restante, porque acho, até, que é um contra-senso grosseiro.

  • 1º as bombas atómicas e os mísseis de longo alcance são, também, resultado de um tipo de educação que privilegia a competição e a não compreensão do outro: a negação holística do ser, enquanto um todo;
  • 2º a qualidade da educação não anda acoplada a haver mais ou menos exames, mais ou menos testes, mais ou menos provas. A febre examinadora não passa de um mito quantificador (e redutor): facilitista;
  • 3º a parte a que queria chegar: “copiar”. Ora bem, o que acontece, na generalidade das provas, testes, exames, é replicar, acriticamente, o que vem nos manuais. É avaliada a capacidade de memorização a curto prazo e, eventualmente, a capacidade de sacrifício, tão ao gosto de uns quantos. Não existem, axiologicamente, grandes diferenças entre copiar e memorizar para um determinado fim. Replicar conteúdo não significa, taxativamente, qualidade, até porque um programa é sempre truncado, deixando imenso de fora.

O que destrói as nações é a falta de espírito crítico, a falta de inovação, a falta de prática, a falta de respostas criativas aos problemas e, também, a falta de percepção emocional quando deparados com desafios. E a falta de empatia.

E agora chegamos ao último ponto deste texto: “Governo acredita que valorizar os exames é promover a equidade”.

Passamos de um cenário em que o fim dos exames foi equacionado, e bem, para uma em que os mesmos ganham um peso-extra.

É inacreditável esta inversão de marcha. Equidade? O Governo sabe o que é equidade? Famílias sobrecarregadas, mal pagas, com contas sem fim às costas, com responsabilidades acrescidas, com mais do que com o que se preocupar, vão agora levar com a ‘equidade’ dos exames: trabalhar afuniladamente para resultados mentirosos, profundamente mentirosos, vai abrir uma clivagem ainda maior entre os que podem mais e os que podem remediadamente ou menos.

Equidade?

Jovens, estudantes, lutem até ao fim. Enterrem os exames de vez. Há muitas formas de aprender, há muitas formas de ensinar, há muitas formas de acrescentar. Não aos caminhos únicos. 

Democraticamente, o direito a uma educação plena é vosso. Construam-no. Que não vos doa a voz, que não vos falte força

Obrigado. De um estudante (que nunca deixei de o ser). 

© 2023 Guimarães, agora!


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