“Serão estes os sinais de tempo que vivemos?” foi a interrogação que ficou no ar desde o último texto. Mais do que dúvida ou resignação, a pergunta retrata a perplexidade que nos invade e generaliza sobre este tempo que vivemos, usufruindo de uma liberdade (de)limitada, de uma mudança galopante e desobediente e de uma ausência de comunidade visível e sentida.
Mais do que expectante no encontro da resposta imediata e certa, a pergunta espelha o quanto atarantados estamos, cheios de dúvidas e incertezas sobre o que se passa e o que “aí vem”, largando um suspiro (já) saudoso de que “antes é que era bom…”.
Na verdade, hoje, o momento é tão singular quanto indefinível. Mas certo nalgumas constatações:
- Nunca como hoje, a nossa acção e o nosso comportamento foram tão condicionadores da vida da comunidade. Forçados e sem vontade, hoje, surpreende-nos como o nosso comportamento individual tanto pode fazer “de mal” à comunidade mais próxima. E o quanto a nossa liberdade individual tem tanto de direito como de dever;
- Também nunca como hoje, sentimos falta de comunidade enquanto expressão das relações que, entre todos nós, se estabelecem e, talvez, nunca como hoje, percebemos que o espaço público, aquele chão que tanto pisamos quotidianamente, que é de todos e para todos, é a nossa casa comum. E não há vida estabilizada e alegre senão pudermos utilizar a nossa casa…
- Hoje, sentimos que, sozinhos, somos poucos. E pouco valemos. Afinal, é na percepção do outro, no bem que fazemos ao outro e na construção comum que encontramos a nossa plataforma de reconhecimento individual e colectivo.
- Hoje, sentimos falta de cidade, resultado de um vírus “sem rei nem roque” que obriga a que nos tirem o direito e a liberdade do usufruto da mesma cidade, que nos aprisionam e agrilhoam enquanto parte de um grupo.
Aos “olhos da cidade”, este vírus, chamado covid e que, indelevelmente, já marcou historicamente o tempo corrente, é a contradição maior: Desertifica o espaço público, reduz a expressão da cultura e da economia, cerceia os movimentos. É uma fatalidade; Expõe as debilidades da cidade ao nível da qualidade da habitação, da mobilidade, do serviço público e da resposta social. É um confronto; Impacta no nosso quotidiano, força-nos a ajustamentos, abdicação ou invenção, criatividade ou resiliência. É uma oportunidade.
E esta parece ser a grande lição e maior desafio deste vírus chamado covid, que ambiciona reescrever a palavra cidade, acrescentando o prefixo “covid” (covicidade) mas que, acredito, jamais vencerá: a cidade é perene e a casa de todos nós. E parafraseando Steve Jobs “em alguns dias, a vida vai-te bater com força na cabeça com um tijolo. Nunca percas a fé!”.
Por isso, olhemos para a cidade e reinventemos novas formas de apropriação e construção, de vivência e transformação, na certeza de que valerá sempre a pena lutar pela cidade. E nela onde me encontro com o outro e me transformo de ser humano em pessoa.
Neste processo de reinvenção já iniciado, emergem dois projectos que importa prestar atenção e atender à sua bondade: “a cidade dos 15 minutos” e o “programa dos bairros saudáveis”.
De diferentes escalas e dimensões, investimento e envolvimento, ambos traduzem a necessidade e vontade de aproximar os cidadãos do espaço público, incrementando qualidade de vida, ora reduzindo distância a serviços e equipamentos, fomentando maior conexão entre trabalho e residência, convidando as pessoas ao movimento pedonal, ciclável, reduzindo a dita “cidade grande” a escalas mais humanas e identificáveis. E dotando o “pequeno espaço urbano” feito bairro de maior qualidade e, dir-se-á, urbanidade.
São exemplos de como se poderá trabalhar em diferentes domínios e dimensões, com diferentes ferramentas e meios mas, sobretudo, do quanto é evidente de que a cidade faz-se e precisa de todos para ser melhor. “E assim tornar melhor a vida de todos”.
(** porque justificado e pertinente, porque merecedor de maior desenvolvimento, voltar-se-á a este tema…)
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