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Sábado, Abril 27, 2024

Soraia Oliveira: explora “fragilidade e identidade” através de auto-retratos

Economia

Soraia Oliveira, de 22 anos e natural de Guimarães, cria composições que questionam o corpo humano e, sobretudo, a fragilidade do Ser, inspirando-se no encontro entre a vida interior e a ferocidade social.

A jovem artista vimaranense frequentou a licenciatura de Artes Plásticas na Escola Superior de Artes e Design, das Caldas da Rainha, e realizou dois programas de Erasmus, um na Free University of Bolzano em Itália, e outro na Accademia di Belle Arti-L’Aquila, Itália.

Apaixonada por pintura, fotografia e desenho, apresenta um percurso construído maioritariamente através de auto-retratos, realizados em diversos recursos artísticos.

📸 GA!

Licenciaste-te em Artes Plásticas na Escola Superior de Artes e Design, das Caldas da Rainha e ao longo do curso realizaste dois Erasmus em Itália. Como é que descreverias o teu percurso académico e a experiência num país tão associado à arte?

Comecei a interessar-me pela arte desde muito nova, era algo que despertava um sentido em mim. Sabia que era esse o meu caminho. Inicialmente escolhi este curso muito por influência do meu irmão mais velho, ele tirou o mesmo curso na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e eu decidi que gostaria de ir para as Caldas da Rainha começar o mesmo curso e, de um certo modo, ir pelo mesmo percurso que o meu irmão foi. Quando fui para as Caldas da Rainha comecei a explorar realmente o que era a prática artística, porque anteriormente sempre o fiz de forma muito vaga e muito simples, mas depois começando o curso de artes plásticas percebi mesmo o que é que queria fazer para o resto da minha vida, porque é mesmo isto. Desenvolvi uma paixão muito grande pelas artes e tudo que as envolvia, a minha escolha foi muito assertiva. Ao desenvolver várias práticas artísticas ao longo de dois anos, que foi o período que passei nas Caldas da Rainha, eu decidi que queria explorar outras culturas, que queria abrir portas para outros ramos, e foi nesse momento que decidi fazer Erasmus. A escolha de Itália não foi uma decisão propriamente minha, acho que foi muito uma questão do destino, prefiro pensar dessa forma. O que aconteceu foi que eu queria ir para a Noruega, a minha escolha era entre Noruega, Bélgica e França, mas depois com a covid muitas das escolas fecharam os programas de Erasmus, a partir daí foram sempre fechando portas e acabei por ficar em Itália no primeiro semestre. No segundo semestre, foi mais ou menos a mesma coisa, eu queria explorar outro país e não deu, fiquei na Itália outra vez. Foi muito importante realizar estes Erasmus porque senti-me muito livre, também tive professores excepcionais, que me guiaram para uma fase mais experimental e que me deram a parte profissional do que é a arte após o ensino de faculdade.

O teu tipo de arte e modo de exposição são bastante particulares, conjugas uma série de elementos. Que elementos são esses e o que é que te leva a expressares-te deste modo?

Fazendo auto-retratos, e trabalhando maioritariamente com isso, eu comecei com a fotografia, mas, de um certo modo, eu queria explorar outras vertentes artísticas e a que se adequou mais à minha filosofia foi o desenho, não só por questões de minuciosidade, no desenho consigo ter outro controle que na fotografia não consigo ter. Ao querer explorar os auto-retratos em várias formas, optei por fazer fotografia e desenho e combiná-los nas exposições.

Exploro muito as dualidades do humano, do ser, acho que é uma pesquisa interior muito grande.

De que é que falam as tuas obras? O que é que pretendes transmitir através delas?

Nas minhas obras eu falo muito sobre questões de identidade, de fragilidade, é um trabalho sobre a emoção e sobre o ser humano no seu essencial e na sua base. Exploro muito as dualidades do humano, do ser, acho que é uma pesquisa interior muito grande, muito relacionado também, de certo modo, com Fernando Pessoa, com a criação de vários heterónimos, ter muitas pessoas dentro de nós e explorar e mostrar isso. Ou seja, é um trabalho de pesquisa constante e de estar diversas vezes em travessia no desconhecido. O meu trabalho também fala muito sobre essa questão da do corpo humano, do nu, da agressividade, da sexualidade, da fragilidade do ser e dos corpos.

Mencionaste já Fernando Pessoa, mas que mais é que te inspira? De onde surgem as tuas ideias?

Eu sempre gostei muito de pintura e sempre fui uma apaixonada máxima por pintura, completamente fanática e muito do que eu explorei desde o meu percurso nas Caldas da Rainha foi pintura. Eu ia para a biblioteca ler livros de pintura e o que me agradava em certo pintor eu ia buscar e trazia sempre para a fotografia. Então, há muito a questão da pintura e, por exemplo, David Hockney, gosto muito do Egon Schiele, de Klimt, toda essa vertente muito ligada à arte figurativa. Eu acho que a pintura foi um dos meus impulsionadores para a fotografia e, também, na pintura há muito auto-retrato e essa exploração. Depois, na parte da literatura, foram grandes poetas por quem me deixei influenciar, neste caso Fernando Pessoa, Samuel Beckett, que foi um professor de desenho que mostrou e depois eu trouxe para a minha prática artística. Na fotografia, a Francesca Woodman que é incrível, das melhores fotógrafas que existiram até hoje, Cindy Sherman ligada ao absurdo, da sociedade no modo ridículo, que é isso mesmo que ela gosta de abordar. Os artistas por quem me deixo influenciar estão quase todos ligados ao nu e à exploração do sentimento.

Recentemente expuseste Eye to Regret na XXII Bienal Internacional de Arte Jovem Vila Verde. O que podes dizer sobre esta obra em particular e o facto de expores pela segunda vez nesta bienal?

Comecei a preparar esta obra para expor cá em Guimarães, no palacete de Santiago, na exposição Sobre o que se ouve, uma colectiva com a Sofia Moço Novo para o Guimarães Project Room. Eu estava a criar uma ideia de positivo e negativo da fotografia, deste modo eu tinha uma fotografia chamada No Time to Regret que é uma fotografia a preto e branco de duas personagens nuas deitadas uma sobre a outra, e então quis converter essa fotografia para o desenho. Fiz o negativo da fotografia, foi um trabalho de exploração, de voltar à parte manual e neste desenho eu coloco espelhos em certas partes do desenho. Comecei a explorar a relação entre espelhos e espectadores este ano. Ao trabalhar com os auto-retratos trabalho muito sobre mim, não directamente, mas é a minha imagem que está lá presente. Então, eu quis trazer isso para o espectador, queria que o espectador se confrontasse consigo próprio da mesma forma que eu tenho que me confrontar comigo constantemente. Os espelhos estão partidos nessa obra, uma pessoa que que vai lá e que se aproxima da obra consegue ver imensos olhos dela própria, consoante a sua perspectiva vai tendo diferentes pormenores do seu corpo que se vão realçando e duplicando, multiplicado. Voltar a expor na bienal de Vila Verde teve um grande impacto porque foi a minha primeira exposição em 2019, foi onde eu expus uma das minhas fotografias, que era um projecto que eu estava a desenvolver na faculdade, e poder expor lá novamente, com uma maturidade completamente diferente fez todo sentido para mim e senti que era necessário voltar lá.

📸 GA!

Para além de expores também foste directora executiva da exposição Por um fio na Casa Dona Aninhas, em Maio. O que nos podes dizer sobre essa experiência?

Foi das melhores experiências que eu tive este ano, foi muito interessante porque o facto de ser directora executiva envolve muito trabalho de campo, isto é, temos de organizar a exposição toda, ver a parte do design, a parte dos textos, dos artistas, que obras é que os artistas vão expor… Eu e o Manuel Rodrigues acabamos por fazer muito trabalho de Curadoria, então o ser directora executiva e ter esses detalhes todos para trabalhar foi muito interessante. Acho que foi uma experiência muito enriquecedora, especialmente por estar em contacto directo com novos artistas e jovens artistas e dar aquela fé foi muito bom. E estou muito agradecida ao Carlos Fonseca por ter disponibilizado este espaço cheio de história.

Eye to Regret é muito sobre tirar esse inconsciente fora e deixar que ele tome o caminho que tiver a tomar.

Como descreverias este ano em termos de evolução da tua carreira e evolução pessoal enquanto artista?

Foi o melhor ano que eu tive até agora, a todos os níveis, foi um ano que explorei técnicas e materiais novos, alguns deles referidos anteriormente. Em 2022 tive de tomar muitas decisões importantes, que tomaram o rumo deste ano incrível. Isso deu-me caminhos para continuar a desenvolver fotografia e os desenhos, por exemplo, este Eye to Regret é muito sobre tirar esse inconsciente fora e deixar que ele tome o caminho que tiver a tomar. Este ano foi muito sobre apurar o meu lado profissional e o meu lado artístico, desenvolvendo sempre o máximo que posso. Tive muitas oportunidades de exposição, de experiências como ser directora executiva e isso era realmente o que eu precisava, especialmente depois de ter saído da faculdade o ano passado, ter um ano assim foi um auge.

O facto de teres um irmão mais velho nas artes e com uma carreira cimentada tão novo influenciou-te de alguma forma ou causou pressão?

Pressão de forma negativa não. A pressão tem de ser colocada em nós de uma boa forma e se for uma pressão de acreditar que consigo fazer o que ele fez, aí sim talvez sinta um bocado. Claro que ter um irmão mais velho que sempre me mostrou tudo das artes, que, digamos, me deu muito na cabeça, sempre me incentivou a tentar coisas novas e a ter atenção a cada detalhe, especialmente quando estou a desenvolver trabalhos novos. Influenciou-me muito e acho que isso é das coisas em que eu tenho mais sorte, é ter um irmão que já tivesse feito parte do caminho e que me fosse sempre aconselhando o melhor que podia para eu conseguir alcançar todos os meus sonhos.

📸 GA!

Daquilo que tens vivenciado nos últimos anos, o que tens a dizer relativamente ao estado da cultura em Guimarães e em Portugal? O que é que poderia ser feito mais pelos artistas?

Em Guimarães tenho sentido que está a desenvolver muito bem, eu lembro-me de há quatro anos eu e o meu irmão falarmos e dizermos que havia tão poucas exposições, às vezes não se passava nada. Nós queríamos apoiar a cultura, queríamos explorar novos artistas, queríamos ver coisas novas porque é muito importante para um artista ter estímulos constantes. Este ano, principalmente na era do pós-covid, acho que foi um ano muito bonito a nível cultural, senti que houve muitos projectos novos em que realmente contactaram artistas novos, em que exploraram e estão a explorar muito aqui em Guimarães. Claro que há sempre pormenores que podem ser melhorados, coisas novas que têm que ser feitas, mas Guimarães está a evoluir muito rápido e isso é muito bom para nós artistas. Mas claro que se nós formos comparar com outros países, principalmente em Itália que eu via que estava sempre tudo a acontecer, mesmo indo à Alemanha ou a outros países da Europa, ganhamos muita noção de que há muito mais a acontecer. Nós, cá em Portugal, precisamos mais disso, de explorar mesmo, acho que também não podemos ter medo de apostar e de arriscar nos artistas. O que pode ser feito pelos artistas é uma questão mais difícil porque há muita coisa que pode ser aprimorada e melhorada, isso também vai depender muito dos próprios artistas e do mundo em que se querem enquadrar. Mas eu acho que, por exemplo, estas open calls, os concursos serem mais abrangentes, haver diferentes concursos e correrem mais riscos nos próprios concursos, às vezes sinto que é um bocadinho fechado a certos média ou a certos padrões. Claro que não é só isso, acho que é preciso apostar noutros lugares de exposição e apostar nos jovens artistas, daí a exposição Por um Fio na casa da dona Aninhas em que participaram artistas muito novos, alguns deles ainda estavam na faculdade. Eu sinto que uma das principais coisas que falta é apostar nos jovens artistas.

Quais são as tuas perspectivas enquanto artista para o próximo ano, tens alguma exposição programada?

O próximo ano acho que vai ser um ano muito interessante e vai ser um ano que vai definir muitas coisas na minha vida. O que eu tenho planeado para o ano é apenas uma exposição definida para já, que é CAAA, uma exposição colectiva. Para o resto do ano ainda não tenho exposições fechadas. Vão surgir coisas novas e outras já estão a ser planeadas, mas ainda não estão finalizadas. Vai ser um ano para continuar a criar, para acabar projectos, para fechar portas e abrir novas.

📸 GA!

© 2023 Guimarães, agora!


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