Filipa Guimarães, inspirada por Le Corbusieur
Para a arquitecta, o “foco” do seu atelier está na reabilitação. A intervenção na sede da Polopique já valeu um segundo lugar nos Urban Design & Architecture Design Awards do ano passado.
Há uma ilustração do arquitecto Le Corbusieur numa das paredes do escritório – e não é por acaso. O francês é uma das “maiores inspirações” de Filipa Guimarães, 35 anos, também ela arquitecta, que bebe ainda do legado deixado pelo finlandês Alvar Aalto e pelos portugueses Siza Vieira e Fernando Távora. Recebe o Guimarães, agora! no seu pequeno atelier, na Rua da Caldeirôa, onde uma estante recheada de livros tapa a vista para as secretárias em que os projectos ganham vida. A sua carreira, como a própria considera, é “verde”, mas já há um foco: “a reabilitação de edifícios”.
Um desses exemplos é a sede da empresa têxtil Polopique, em Vizela. “O negócio da minha família está em Vizela. O edifício é do meu pai e ele colocou-me o desafio”, começa por explicar. “Tem três mil metros quadrados e foi o meu primeiro grande projecto.” O esforço compensou: a obra está disponível para consulta no ArchDaily, um site exclusivamente dedicado à arquitectura e no qual “nem toda a gente é publicada”. A empresa conquistou ainda o 2º lugar na categoria “Edifícios de Escritórios” da Architecture Press Release — Urban Design & Architecture Design Awards em 2018.
Hoje, Filipa reúne no seu portefólio “muitos projectos para Vizela”, outros no Porto, “de reabilitações de apartamentos e outros edifícios” e, futuramente, um “grande projecto no concelho de Caminha”. “Com isto, espero sair um pouco dos limites do concelho”, refere.
Foi por Guimarães que calcorreou as ruas que a levariam a outros destinos. Mudou-se para a cidade vimaranense aos 12; antes, vivia em Vizela, de onde é natural. “Desde criança que me lembro de dizer que queria ser arquitecta. Mesmo sem saber muito bem o que isso queria dizer”, recorda Filipa. E estava certa: em 2009 formou-se em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura do Porto, cidade onde pôde, pela primeira vez, trabalhar na área. Em 2015, a “vontade” de ter o seu próprio atelier falou mais alto. Os trabalhos foram surgindo e hoje partilha o espaço com outros dois arquitectos: José Miguel Reis e Ana Ferreira. O primeiro conheceu-o nos tempos de faculdade. “E também é cá do concelho”, diz. “O terceiro elemento [Ana Ferreira] formou-se na Universidade do Minho e é de Chaves.”
© João Morgado – Fotografia de Arquitectura
Há “espólio perdido” em edifícios industriais do concelho
Mas não só de Portugal se faz o caminho da arquitecta. Já passou por Luanda, Angola, onde acompanhou durante “muito tempo” uma obra. “Lá é tudo diferente e mais complicado, mas foi gratificante”, recorda. Ou então dentro da Europa, onde realizou “um dos primeiros projectos no Sul de França”, que estará disponível para consulta no site do atelier, a ser lançado em Abril. Esse é o mês apontado para a mudança de instalações do escritório na Rua da Caldeirôa para a Avenida Dom João IV. “Estamos numa sala fechada para a rua e a intenção é a transparência: mostrar o nosso trabalho a quem quer que passe”, explica.
O vidro é, realmente, um dos pontos característicos da reabilitação da Polopique. “Os edifícios existentes são fechados, em pedra. Os elementos novos dão transparência e interligam os volumes existentes”, começa por explicar. “Não queríamos entrar em conflito com o que já estava feito. Daí o vidro, a transparência, porque não se impõe perante os volumes”, acrescenta. Nas reabilitações, é importante “olhar para o existente e manter o que de importante tem”. Por isso, “foi reutilizada a madeira de eucalipto já existente” no edifício da Polopique. Como Filipa refere, é importante marcar “a contemporaneidade e ter-se também a memória de um elemento ou material do passado”. E o trabalho do atelier passa muito por aí: “É o que gostamos de fazer, essencialmente.”
Por Guimarães, diz, “há muito para fazer”. “Dá-se muita ênfase ao centro histórico e também devia dar-se atenção ao espólio perdido nos edifícios industriais”, observa. Por isso, acredita que a cidade pode “dar outro uso ou outra função a zonas da cidade devolutas”. Mesmo nos limites do centro histórico, o processo de reabilitação é, como a arquitecta considera, “complicado”: “Muitas vezes, o proprietário prefere vender”, aponta. “Já tivemos dois processos de reabilitação no centro histórico que não chegaram ao fim. Isto inviabiliza o investimento económico”, completa.
Na sua opinião, sente-se “alguma intransigência” a este nível em Guimarães. Para além disso, a arquitecta considera que o centro está a ficar “cheio de alojamentos locais” que podem afastar a população. “Não queremos parques temáticos no centro, mas sim centros habitados. Vê-se essa zona como um lugar para feiras afonsinas, DJ’s e festas, por exemplo.”
Mas essas não são as únicas dificuldades que diz sentir como arquitecta. “Desde que montei este negócio, sinto que as pessoas não entendem o nosso papel”, comenta. “As pessoas dispõem-se a gastar um certo valor na obra e entendem o montante que têm para construção, mas não o valor de honorários de um arquitecto.”
Em jeito de desabafo, confessa sentir que o seu trabalho “é um pouco ingrato e fantasma”, porque há um “acompanhamento desde a concepção do projecto até à obra estar completa”. Contudo, Filipa não se dá “por vencida”. Quer continuar a estender o seu trabalho para lá da cidade e contornar as dificuldades – e nota-se-lhe a coragem.
© 2019 Guimarães, agora!