‘Excentricidade’ é o guarda-chuva onde se abriga a actividade cultural nas vilas e freguesias. O Município de Guimarães destinou 100 mil euros do orçamento municipal para elaborar um conceito que ultrapasse o mero espectáculo de teatro, de música e outras valências afins.
O envolvimento das comunidades tornou-se âncora deste programa que tem sofrido inúmeras reflexões sobre a forma como o enquadrar nas salas de espectáculo das vilas e freguesias.
São Torcato, Barco, Ponte, Moreira de Cónegos, Selho São Jorge, Ronfe, Briteiros, Brito são as freguesias onde esta actividade já se desenvolveu.
‘Ondamarela’, ‘Happy and Famous’, ‘Thíria’ são alguns grupos vimaranenses que animam estas actividades nas freguesias.
O ‘Excentricidade’ é um programa próprio da Divisão da Cultura do Município que vai continuar a implementar-se no território fora da cidade.
Paulo Lopes Silva, vereador da Cultura, faz o balanço das actividades desenvolvidas nos anos pós-pandemia e dos anos 2022/23. E admite a introdução de novos conceitos pela experiência acumulada.
Balanço: criar públicos e aproximar a comunidade
“Temos vindo a repensar o ‘Excentricidade’, no início de cada ano, sempre numa perspectiva diferente e com uma continuidade natural” – justifica. E esclarece a razão da sua criação: “era uma forma de contribuir para a criação de públicos, com apresentação regular de espectáculos, nas áreas do cinema, teatro e música”.
Porém, mais do que criar hábitos de cultura, o vereador adianta que “juntamos-lhe a componente de aproximação à comunidade com residências artísticas, envolvendo os cidadãos na co-criação de cada actividade”.
Admite que este foi “um primeiro passo” na valorização de uma actividade estranha, ao princípio, mas que “tinha a intenção de aproximar o cidadãos dos artistas, estimulando um fazer próprio da cultura enquanto faceta de experimentação, de vivência, de participação”.
Os sinais decorrentes desta partilha e do acto de criar em função de uma proposta que não escondia a realidade local, teve efeitos positivos: “sentimos que a comunidade respondeu ao apelo de participar e ajudar na criação”. E afirma, um pouco entusiasmado, que sentiu “o efeito de contágio que teve nas restantes actividades culturais e sociais da freguesia”.
Foi esse impulso que “nos levou a intensificar ainda mais a presença do ‘Excentricidade’ em cada parcela do território, uma avaliação que projectou o que nos propomos fazer em 2024”.
Ou seja, o ‘Excentricidade’ deixará, em definitivo, de ser apenas mais um espectáculo de teatro, de cinema ou de dança, mas “um projecto de residência artística mais integrado, mais forte e robusto, de co-criação em que a comunidade terá de ter um papel principal”.
Esta transformação, não será a última porque o ‘Excentricidade’ é um projecto dinâmico e tem a comunidade como foco central e quase exclui o espectáculo em si para ser algo de novo criado em cada comunidade.
O vereador esclarece que assistiu a algumas destas produções e viu “momentos de satisfação das pessoas, que abordaram, de forma criativa, as suas tradições, aprenderem técnicas de oralidade, avivaram a sua história colectiva. Isto é algo que fica para a posteridade” – sustenta.
Como juntar as associações locais ao projecto
Satisfeito pela forma como “activamos o desenvolvimento da comunidade com estes processos”, o vereador da Cultura, admite que “o sucesso havido, por exemplo, em Ronfe, em que no final do espectáculo, já não se sabia quem estava no palco, se os artistas e autores se o público pois toda a gente estava envolvida neste manto de participação”.
Desde o público, os cidadãos, homens e mulheres, têm uma porta aberta para poder participar neste novo conceito do ‘Excentricidade’, Paulo Lopes Silva, questionado, sobre o papel das colectividades, esclarece que “ninguém fica de fora, pois continuamos a envolvê-las de formas diferentes”.
Reconhece que as associações também participam, consoante os espectáculos e residências artísticas e de formas diferentes: na organização do espectáculo em si, na venda de bilhetes, na acomodação das pessoas, na organização do espaço e na co-criação – no papel de produtor do espectáculo ou co-produtor porque os artistas que vão às freguesias, chegam lá ancorados nas associações.
Há já alguns exemplos do envolvimento das associações nestas produções. Cita o exemplo, de Rui Sousa, em Ponte, que juntou quase todos os grupos corais da freguesia, criando uma polifonia coral e o resultado final foi o de “termos visto um bom espectáculo em que a comunidade e associações se envolveram”.
Acentuar esta parte da organização das produções no espaço de co-criação do espectáculo desde a organização, à produção e até à participação, “é uma forma de incentivar as pessoas a não serem apenas espectadores passivos”.
Espectadores activos ou passivos?
Por norma, os espectadores aplaudem ou apupam. As palmas são mais usuais neste círculo restrito da produção cultural local.
Mas tornar os espectadores mais activos, nas diversas fases da produção e promoção do espectáculo, pode acentuar a característica do ‘Excentricidade’ de fazer mexer a comunidade.
O vereador da Cultura acredita que “o espectador se vai tornar parte do espectáculo e juntar-se a outros artistas do espectáculo em palco”. É isso que também este programa procura, deixando que o cidadão veja e ouça o que outros fazem para se tornar numa figura e protagonista do envolvimento da comunidade na criação das suas próprias actividades culturais.
O ‘Excentricidade’ tem limitações orçamentais. Como se pode fazer mais nas vilas e freguesias?
“Vamos fazer ligeiramente o inverso” – diz o vereador. E explica que “ao invés de uma regularidade permanente de espectáculos sucessivos, apostaremos em produções que deixem algo na comunidade, sejam mais consistentes do ponto de vista cultural e social e do envolvimento dos cidadãos, ainda que menos regulares”.
Apostar mais na “qualidade” do que na “quantidade” é o desígnio traçado para o ‘Excentricidade’, utilizando o conceito das residências artísticas com outra intensidade.
Oportunidade para produtores e criadores locais
Paulo Lopes Silva não tem dúvidas de que esta actividade “é uma grande oportunidade e um desafio que queremos lançar a toda a gente que tenha apetência para trabalhar com a população – e nem todos os artistas têm – com propostas concretas que motivem e sejam produções vivas em que o espírito da população local está muito presente”.
A temática dessa abordagens também tem deixado marcas de aprendizagem. “De residência para residência – afirma o vereador – temos vindo a aprender que por vezes é a própria comunidade que descobre o tema que quer abordar para o seu espectáculo”.
Volta a citar outro exemplo, de Ronfe, concebido pela ‘Ondamarela’: quando lá chegaram Ana Bragança e Ricardo Baptista tinham ideia do que fazer mas… levavam uma página em branco, onde foi escrito o contributo da população, que ajudou fortemente a conceber um produto de criação cultural da plateia para o palco.
Juntaram-se as memórias das pessoas, todos partilharam as suas competências e a temática para o espectáculo foi descoberta à medida que decorriam os ensaios.
“O espectáculo ainda pode ser mais rico – e nem sempre será assim – quando se envolve a comunidade” – salienta.
Neste desfilar de casos, cita-se o de Pevidém em que o Carnaval serviu de mote mas já antes a indústria têxtil serviu de pretexto para outra experiência cultural e social, em 2019.
“Cada uma das comunidades tem especificidades que vamos trabalhando ao longo do processo de criação” – reconhece o vereador.
Para além das virtudes do ‘Excentricidade’, qual tem sido a reacção da população e dos vários agentes envolvidos nesta dinamização cultural?
“É positivo e muito positivo ao nível dos que se envolvem nestas actividades” – sublinha Paulo Lopes Silva.
Adianta que com esta metodologia se “cria lastro na comunidade porque as pessoas que se envolvem e participam activamente na criação da sua obra cultural começa a ter a percepção sobre o ‘Excentricidade’ e o interesse que pode ter em contribuir para fomentar a actividade cultural na sua freguesia. E como ela pode representar os valores da comunidade, pois, todas as pessoas saem com boa impressão destas sessões que se alastram no território já que todos tendem a comentar o facto com os amigos, com os colegas de trabalho, com os seus familiares. E no fundo em torno das freguesias do concelho de Guimarães”.
‘Excentricidade’ o programa que mais reflexões suscitou
É uma iniciativa de continuidade apenas no nome porque no seu conteúdo tem merecido transformações e sido repensado sobre várias formas.
Em cada ano, o ‘Excentricidade’ é reconvertido num caminho de evolução constante: desde a sua regularidade, ao território onde se expande, à profundidade da sua concepção.
Também, o tempo da sua apresentação como espectáculo, se à tarde ou à noite, à semana ao Domingo. “Temos feito abordagens diferentes e já tivemos casas cheias e bem compostas de público à noite e outras experiências num Domingo à tarde. E recolhemos sempre dados positivos” – justifica.
Mas o vereador entende que “é cada comunidade que deve propor o dia e a hora em função dos seus hábitos e actos criando os seus tempos culturais”.
Afirma ainda que, também, esta questão, tem sido abordado no âmbito do Centro Cultural Vila Flor e da possibilidade fazer espectáculos ao longo da semana – que não é habitual – depois de experiências feitas ao fim da tarde, com resultados diversos. E no fundo a preocupação é o hábito de ir ao teatro, ver cinema ou outro espectáculo tem de partir do seio da comunidade.
O que podem esperar as crianças do ‘Excentricidade’?
Haverá papel para as crianças neste programa, quer assistindo, quer participando? E os que podem fazer as escolas?
Paulo Lopes Silva admite que “dependendo da residência” o programa tem públicos e alvos distintos, nem sempre na lógica do envolvimento da comunidade como um todo.
Há já residências para públicos direccionados, uns mais do que outros. E até os idosos dessas freguesias podem beneficiar desta actividade.
Em relação às crianças, admite que “queremos muito chegar ao público infantil, numa lógica de que o trabalho de envolvimento da comunidade pode ainda ser mais rico na forma como o processo final de criação se pode desenvolver”.
As escolas não vão ficar à parte, podem “ser um dos agentes do território onde se podem desenvolver processos de co-criação. Mas não desejamos que esse envolvimento fosse circunscrito à escola. Seria melhor envolver as crianças no perímetro cultural através da sua participação em outras áreas de actividade”.
Para já, o ‘Excentricidade’ tem sido um projecto de freguesia ou de vila porque foi assim que foi criado, envolvendo um conjunto de cinco vilas, alargado numa lógica de alastramento a outros territórios. Não tem a lógica de ser uma actividade de uma Comissão Social Interfreguesia (CSIF).
Retomar a prática de antes da pandemia é o propósito traçado para o ‘Excentricidade’. Os pólos fixos onde se desenvolve serão alargados e o programa pode até ser itinerante, circulando por várias freguesias.
“Olhar para a dimensão das CSIF’s e saber onde há nessas pólos do programa permitirá fazer a extensão para novos territórios que é o que se pretende, conjugando vários factores, incluindo a existência de espaços que permitam espectáculos com alguma dimensão” – revela.
Quanto custa o ‘Excentricidade’? Passou a ser uma actividade regular, com verba inscrita no orçamento municipal. O seu custo é de cerca de 100 mil euros anuais.
Paulo Lopes Silva justifica que desenvolvendo-se em nove vilas, durante um ano inteiro, o programa tem um custo médio de 10 mil euros por pólo, “o que não é muito por aí além…”
E conclui: “se tivéssemos mais recursos poderíamos fazer mais nas diversas comunidades do concelho”.
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