O têxtil corre-lhe no sangue, conquistou o seu coração, ganhou lugar na sua memória e está, em permanência, no álbum das suas recordações. Mas há, ainda, um capítulo mais para escrever… porque a paixão que começou acidentalmente tornou-se numa amor verdadeiro pelo têxtil.
António Leite, de signo leão, tem um percurso profissional de 43 anos, no sector têxtil. Fez carreira na área de exportação, ponto vital de qualquer empresa, que exporta e se internacionaliza.
Percorreu o mundo, a falar quase sempre inglês, conheceu pessoas, fez amigos, seleccionou clientes, viajou ao lado de amostras, foi a feiras, fez contas e viveu com números, em cada venda que fazia durante as mais de quatro décadas de dedicação à profissão.
“O produto português tem qualidade e design, conquistou um lugar a pulso, na Europa e noutros continentes…”
O balanço da sua prestação profissional não é de números mas de experiências e alguns afectos porque os clientes também se tornam amigos, que se cumprimentam, se acompanham, se visitam, com quem se pode almoçar ou jantar.
Fala do têxtil-lar como ninguém: “o produto português tem qualidade e design, conquistou um lugar a pulso, na Europa e noutros continentes, agrada a vários nichos de mercado, pois, é feito com muita dedicação por homens e mulheres que são verdadeiros artistas, das toalhas de mesa, de lençóis, jogos de banho, e outras peças do nosso quotidiano, no lar” – revela António Leite na sua forma bem peculiar de descrever algo que conhece bem e reconhece quase perfeito.
O têxtil-lar, em especial, português e vimaranense inunda toda a Europa, depois da abertura de Portugal ao Mundo e já no período pós-revolução de Abril. Nada tem a ver com o que se exportava para África, no período anterior.
António Leite fala dos segredos de vender bem que não se confinam só à qualidade do produto, mas também à qualidade do serviço, sobretudo no respeito pelo prazo de entrega.
No seu dia-a-dia, aprendeu a conjugar os factores que condicionam a expedição de uma encomenda, logo após o comprador aceitar o negócio. Este acompanhamento da encomenda, fê-lo descer à estrutura produtiva, à tinturaria, à confecção e acabamentos, quiçá fazendo prova de qualidade do que vai ser expedido, falando com operários dedicados, homens e mulheres, que também querem muito ao têxtil.
Acredita no futuro e na expansão e internacionalização das empresas portuguesas. “Ainda temos tradição em fazer bem, conhecemos como ninguém o têxtil, em toda a verticalidade do processo produtivo. Os nossos trabalhadores são capazes de satisfazer os clientes mais exigentes, apresentando soluções de produto que nem eles próprios acreditam”.
António Leite mostra alguma mágoa por sentir que “parte da nossa experiência industrial possa estar a perder-se, pelo desinteresse dos mais jovens”. De facto, a arte de tecelões, debuxadores, costureiras, tintureiros não está a passar para novas gerações, “um conhecimento profundo, de uma centena de anos, que humildes trabalhadores sustentaram e aperfeiçoaram ao longo de gerações”. É claro que há, também, algum “medo” dos mais antigos, de transmitir esse conhecimento para as novas gerações. E “segredos” que podem ser perdidos para sempre, em prejuízo do nosso modo de fazer o têxtil.
A perda deste conhecimento, pode deixar marcas maiores na indústria que “a falta de matérias primas – algodão e linho – importados de países que são nossos concorrentes, sobretudo da Turquia, um excelente produtor de algodão de qualidade, com mão de obra mais barata e cujo parque tecnológico foi enriquecido pelos alemães” – sustenta.
Também, a não cuidada entrada da “família do dono” no processo de gestão das empresas, pode causar alguns conflitos, “sobretudo se não acrescentarem nada à empresa”.
Ao longo destes 43 anos, António Leite, desenvolveu a sua experiência de vendedor, tendo como regra principal, na sua relação com os clientes “a transmissão de confiança”, um valor que não tem só a ver com o trato pessoal – estreitando laços de amizade -, mas também assegurando “a garantia do produto” que se vende, e com o “cumprimento do prazo de entrega”.
“Criei muitos amigos, de vários países, aos quais me ligaram grandes amizades que ainda hoje lembro, um património pessoal e afectuoso inestimável e a quem não se oferece um calendário ou uma esferográfica, mas algo tipicamente português, como um bom vinho ou o tradicional vinho do Porto” – confessa quem sabe ser um dos mais experientes profissionais vimaranenses, na área do comércio tradicional.
“Não faço distinção de género mas nota-se que há mais mulheres do que homens nos negócios de exportação…”
Esse trunfo, leva António Leite, a sentir que “os clientes confiavam em mim”, algo que lhe enche o orgulho e brio profissional. Nunca teve limitações nas relações comerciais, dado falar fluentemente, o inglês, francês e espanhol. Esta capacidade de se exprimir em várias línguas, foi sempre uma ferramenta de trabalho, qual diamante com que lapidava os seus contactos de negócio. Nesta vida, de números, de moedas, de preços, também conseguiu perceber o holandês ainda que não o falasse.
Por questões culturais, estilos de vida, na sua vida comercial também encontrou clientes “difíceis”, como os nórdicos, onde por regra, os negócios se faziam através de agentes.
Neste universo de compra e venda, a mulher já conquistou uma posição forte. “Não faço distinção de género – revela – mas nota-se que há mais mulheres do que homens nos negócios de exportação”.
É nas feiras que todos se encontram, segundo o calendário anual. Mas é na Heimtextil, qual Meca do têxtil-lar, que todos querem estar. “Continua a ser o grande palco internacional do sector mas também já não é o que era”. A seguir, neste elenco de feiras com importância para o sector vêm a “Maison & Object”, a “Market Week” (New York) nas posições seguintes.
Reconhece que a Heimtextil tem especialidades que as outras feiras não têm, onde é possível aprender, confrontar, projectar e sentir de que modo o sector do têxtil-lar vai inovando na mudança. “É muito fácil copiar ali” – adianta.
Um profissional da área da exportação viaja muito mas nem sempre desfruta da viagem. Por isso, é mas férias que se podem concretizar as viagens com que sonhamos. “A minha – atalha António Leite – era ir ao Japão, e fi-lo ao serviço da Fateba, tal como aos Estados Unidos da América”. E remata: “sou um privilegiado pelo que conheci, trabalhando nesta indústria”.
“A desunião entre os empresários têxteis complica essa competitividade e não facilita negócios, nem estimula parcerias…”
A sua experiência de anos, o contacto com pessoas de diferentes países e continentes, permitem ser um observatório das tendências do comércio internacional. Os hábitos de consumo dos consumidores são muitas vezes avaliados e alteram-se. E dá um exemplo: “há quem não queira comprar uma toalha de mesa porque tem de se lavar. É uma tendência que se tem de contornar”.
Outra observação que se faz é a que se relaciona com a competitividade dos produtos portugueses. “Os produtos portugueses, são competitivos pelo preço, pelo design e pela sua qualidade, para além de outros atributos. Mas a desunião entre os empresários têxteis complica essa competitividade e não facilita negócios, nem estimula parcerias. Os nossos competidores são outros” – defende.
França, Espanha, Suécia, Alemanha sempre foram considerados, no sector do têxtil-lar, como mercados “nossos”. Mas agora não há certezas. As alterações no mundo, obrigam-nos a vender para mercados emergentes, mais distantes, também mais exigentes e com valor acrescentado. É importante que “o nosso parceiro de negócios, seja nosso conhecido e nosso amigo, para que a relação comercial perdure no tempo e possa influenciar a opção de compra”. António Leite, ainda se lembra de um americano que veio a Lisboa, no seu avião, para falar com os seus clientes, 95% dos quais eram de Guimarães. No seu discurso, prometeu consolidar as suas compras. “No ano seguinte – diz – deixou de comprar em Portugal”. Esta nota, confirma que “os clientes americanos não são tão fiéis quanto outros”.
Agora e perante este cenário do Covid-19, António Leite, reage dizendo que “não podemos perder a esperança”, reconhecendo que as empresas “vão ter de reconquistar aqueles que eram os seus clientes”, porque ninguém pode traçar cenários de curto ou médio prazo. “As dificuldades estão aí e a vida prosseguirá, vivendo um dia de cada vez” – vaticina.
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