Uma das perguntas que todos fazemos é se no final da pandemia vamos voltar a relacionar-nos sem barreiras? A história diz-nos que, em princípio, sim. Mas, como estarão as nossas sequelas não pulmonares?
José S., de 54 anos, lançou-se do sexto andar do apartamento que partilhava com o pai e a irmã, próximo do centro da cidade. O óbito foi declarado no local. “Cure”, como era carinhosamente tratado pelos amigos ficou desempregado no decurso da pandemia. O confinamento agravou a solidão em que já vivia.
Sozinho, sem companheira, nem descendência, o álcool e o consumo de estupefacientes, foram durante muito tempo um refúgio. Os amigos com quem o Guimarães, agora! conversou que preferem manter o anonimato garantem que “estava limpo há muito tempo”. O corpo parecia preservado, mas aquela dor que se sente não se sabe bem onde continuava a atormentá-lo.
“Tinha muitos amigos, mas não era uma pessoa feliz, muito pelo contrário, era triste e negativo, vivia numa depressão silenciosa”. O confinamento impediu-o de deambular pelos bares do centro histórico onde entre um cigarro, um gole de fino e duas de treta espantava, momentaneamente, a dor.
No dia em que alegadamente cometeu suicídio entrou no mesmo estabelecimento cinco vezes. Estranhou quem o viu, mas como o discurso era o de sempre não levantou qualquer suspeita. “Cure” até prometeu que no dia seguinte voltava para devolver o guarda chuva que levou emprestado. Não cumpriu. Nesse mesmo dia, pouco antes da hora do jantar e aos olhos do pai, o apartamento cuja porta estava fechada há demasiado tempo, fez-se pequeno. José S. não encontrou opção que não fosse aquela para parar a dor que sentia.
Semanas antes, Bárbara P., de 27 anos, residente em Azurém, também pôs termo à vida ao lançar-se da ponte da circular urbana, junto ao Monte Largo. Não foi a primeira vez que o viaduto foi usado como trampolim para a morte.
Estima-se que 20% da população portuguesa sofra ou venha a sofrer de uma doença mental
A pandemia trouxe o confinamento, o distanciamento físico, o medo da infecção, a crise económica e a incerteza do futuro. Os planos foram adiados, os hábitos reajustados. A vida nunca mais foi a mesma desde que, há um ano, Marta Temido, a ministra da saúde anunciou os primeiros casos de covid-19 no país: dois homens, de 60 e 33 anos. Trocaram-se as visitas à família e aos amigos por vídeo chamadas, os abraços e os beijos por cotoveladas. Nunca mais saímos de casa sem o novo acessório, que se tornou velho, que nos cobre o rosto e esconde as emoções.
Começamos a desconfinar na última segunda-feira, mas os portugueses continuam com ordem de recolhimento. Conversamos menos cara a cara, viajamos menos, não vamos ao teatro ou ao cinema, a concertos e ver futebol nos estádios tornou-se uma miragem. A pandemia trouxe o medo de tudo e mais alguma coisa.
É ainda cedo para sabermos o verdadeiro impacto da covid-19 na saúde mental dos portugueses. Um estudo realizado pela Mind – Instituto de Psicologia Clínica e Forense concluiu que numa fase inicial da pandemia quase metade dos portugueses sentiu um impacto psicológico “moderado a severo”. Sentiram depressão, ansiedade e stress.
As mulheres, os desempregados, as pessoas com menos escolaridade, com sintomas de gripe ou com doenças crónicas e ainda os habitantes de zonas rurais são os mais propícios a sentirem o impacto da pandemia. Estima-se que 20% da população portuguesa sofra ou venha a sofrer de uma doença mental. O aconselhamento psicológico na linha SNS24 veio melhorar a resposta ao impacto da pandemia, no entanto, é limitada. Não há psicólogos suficientes para responder em tempo útil no público.
Últimos números relativos ao suicídio em Portugal remontam a 2016
Dados disponíveis em Portugal não apontam para o aumento dos suicídios em tempos de pandemia à semelhança do que aconteceu noutros períodos críticos da História. Nem em 1918 (gripe espanhola), nem em 1957 (gripe asiática) nem agora, comparado com a média dos últimos três anos. Em momentos de dificuldade, muitas vezes, acontece o contrário: resiliência comunitária. Chama-se a este fenómeno “coesão social”.
Mas, a verdade é que este tema continua a ser tabu. Muitos psiquiatras acreditam que entre 20% a 60% dos suicídios sejam ocultados e apresentados como acidentes ou morte de causa natural não especificada.
A morte do actor Pedro Lima, o ano passado, trouxe o assunto para a agenda mediática. Insistir na ideia de que Portugal é um país com baixa taxa de suicídio é errado e perigoso porque impede a resolução do problema. Esta é a convicção de Ricardo Gusmão, psiquiatra do “Magalhães Lemos”.
Também Mike deBoisblank, médico norte americano assumiu que durante a pandemia lidou com mais suicídios do que mortes directas por covid-19. O Japão, por exemplo, apresenta números alarmantes. No mês de Outubro foram mais as mortes por suicídio do que pelo corona vírus em todo o ano.
Segundo a OMS, o Japão tem das maiores taxas de suicídio do mundo só ultrapassado pela Coreia do Sul. Os japoneses são dos poucos a revelarem os dados relativos ao suicídio. Nos Estados Unidos, os números mais recentes remontam a 2018. Em Portugal a 2016 com 14 suicídios por 100 mil habitantes.
Os especialistas alertam que os dados referentes aos japoneses demonstram uma tendência sobre o impacto das medidas de restrição na saúde mental que pode ser idêntica, ou ainda mais grave, noutros países. Irrefutável é que nos últimos 45 anos o suicídio aumentou 65%.
Recomendações para uma boa saúde mental
A Ordem dos Psicólogos Portugueses em parceria com a Direcção Geral de Saúde publicou no seu site uma lista de recomendações para ajudar a ultrapassar o confinamento sem cair (ou recair) numa depressão. Para começar, é importante saber que é normal que se sinta mais triste do que o habitual. Note ainda que não há saúde física sem saúde mental. Procure ajude. Não se isole.
O exercício físico actua como um medicamento para a nossa mente. Aumenta e regula substâncias químicas protectoras e elimina as substâncias tóxicas. Podemos dizer o mesmo sobre a alimentação saudável. Mas, existem outras práticas como a meditação e o relaxamento. 10 minutos por dia de meditação ajudam a baixar os níveis de stress e ansiedade, a ser mais paciente e ter qualidade de vida. Privilegie bons hábitos de sono, beba água e aproveite o sol. Lembre-se ainda que o distanciamento social não significa necessariamente distanciamento emocional.
Curiosidades sobre o suicídio:
- Há 1 milhão de mortes por suicídio no mundo.
- Mais de metade dos suicídios ocorrem na primeira tentativa.
- Três em quatro suicídios são de homens.
- Suicídio mata mais do que o cancro da mama ou guerras (uma morte a cada 40 segundos).
- Na faixa etária entre os 15 e os 29 anos, o suicídio é a segunda causa de morte depois dos acidentes rodoviários.
- Cerca de 30% das pessoas com depressão pensa em suicídio. 10% chega a fazê-lo.
- Calcula-se que em Portugal ocorram cerca de 1000 suicídios e perto de 30 mil para-suicídios, casos em que uma pessoa expressa revolta ou desespero através de métodos não violentos como cortes e sobredosagens medicamentosas.
- 70% a 80% dos suicidas dizem que o vão fazer.
Retrato do suicida português
É um homem acima dos 45 anos, que vive ao sul de Santarém, deprimido, muitas vezes alcoólico, com vários internamentos anteriores, com falta de sentido para a vida, num processo de desesperança, isolado, por vezes não religioso, que comete suicídio por método violento, normalmente enforcamento, recurso de arma de fogo ou uso de pesticidas.
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