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Domingo, Abril 28, 2024

Nelson Xize: “A minha missão é alegrar através da cor”

Economia

  • Em entrevista ao Guimarães, agora!, Xize contou um pouco do behind the scenes do mural de Creixomil, a sua perspectiva enquanto artista versátil e aquilo que o move.

Como surgiu a iniciativa de criar um mural?

No momento em que estava a fazer o Mural das Vespas, fui contactado pelo presidente da Junta de Creixomil que gostou muito do trabalho e, a partir daí, começou-se a pensar em fazer o Mural neste viaduto que carecia de vida. Tendo em conta que era um viaduto aqui na rua dos Cutileiros, um viaduto muito sombrio, decidimos ter uma conversa e falar no hipotético tema a abordar no mural e depois, basicamente, marcamos uma reunião, falámos sobre a temática a abordar mais concretamente e o passo seguinte foi maturar a ideia, fazer maquete, aprovar o projecto e concretizar o projecto.

Em que é que se inspirou para a criação da obra?

É o contar da história, a génesis, o início do nosso Condado, hoje em dia, do nosso país, ou seja, os limites independentes da Galiza. Como a mãe de D. Afonso Henriques andava com o Fernão Peres de Trava, galego, a ideia era ficar com o nosso Condado para a Galiza e, então, D. Afonso Henriques, que não estava muito de acordo, decidiu enfrentar a mãe. Isso foi um dos principais motes para essa independência, ou seja, o que eu abordo é a vitória e depois a lenda à volta da Nossa Senhora da Luz. Há uma lenda que diz que D. Afonso Henriques precisava de um bocado de luz para poder vencer o inimigo e evocou a Nossa Senhora da Luz e foi-lhe concedido o pedido. Então, o mural aborda, basicamente, ganhar a batalha e daí uma ovação à Nossa Senhora da Luz. E depois também tem, no século XIX, os labores que antigamente se faziam, desde a lavadeira do rio, a leiteira, as vindimas, os cutileiros, principalmente, foi muito forte a indústria cutileira aqui. Depois, também faço essa ponte da antiga indústria e refiro o Laboratório da Paisagem, que é a modernidade, ou seja, a preocupação com o futuro, um pensamento mais verde. Portanto, basicamente fazendo um pequeno resumo, foi o início da história de Creixomil e de Guimarães.

GA!

“Tudo que vocês vêem em linha é tudo feito a pincel, é muito exigente mas dá uma plasticidade diferente do spray.”

Como definiria este estilo de arte urbana?

Temos muitos estilos e, como eu costumo dizer nas entrevistas, eu não me classifico especificamente como meramente só um artista de arte urbana. Só há cerca de meia dúzia de anos é que tenho feito mais projectos neste âmbito e tem sido muito prazeroso porque já andei em formato de galeria, artista de galeria, não é com o que mais me identifico, tendo em conta que é um núcleo muito fechado, muito elitista, e então decidi trazer um bocado a minha arte mais para a rua e acho que tenho um feedback muito mais positivo. O definir o estilo, é um bocado o estilo cómico, cartoon, onde estilizo um bocado as formas, as cores são muito específicas, é uma espécie de influenciar o infantil com o maturado, não é? Maturado, ou seja, com mais cor, pensado, é o jogar com o cartoon mas depois maturar para formas fortes, com contornos pretos. Eu não uso sprays, é tudo à base de rolo, trincha e pincel, ou seja, tudo que vocês vêem em linha é tudo feito a pincel, é muito exigente mas dá uma plasticidade diferente do spray, não menos importante, mas dá uma plasticidade interessante.

O que é que este mural traz à cidade?

Traz muito. Os vimaranenses realmente têm muito orgulho de sermos o berço da nação mas há muita sub-história da qual não estão a par, isto nomeadamente nas freguesias que definem a cidade, não estão muito a par das curiosidades e o que é que eu acho que este mural traz? Traz mesmo essa ideia de que nós vencemos a batalha de São Mamede, nós tornamo-nos independentes, foi aqui que as nossas fronteiras começaram realmente a ser delimitadas e foi aqui que realmente nos vincámos como Portucale, na altura, o Condado Portucalense. E acho que é isso, traz a história, traz os inícios, os primórdios da história de Guimarães, Portugal, e acho que para os vimaranenses e para os visitantes entenderem isso, as lides que antigamente havia em Guimarães, os trabalhos, o trabalho do campo, a agricultura, o milho, tudo mais, acho que é importante, essencialmente, para os vimaranenses entenderem de onde é que vimos para saber para onde é que vamos.

Na sua experiência, como é que o público costuma receber a arte urbana? Acredita que ainda há alguma reticência por parte da população?

Ainda há, acredito que ainda há e é preciso trabalhar essa mentalidade e acho que está a mudar nesse sentido, no sentido que muita gente, e às vezes magoa um bocado, ainda pergunta: “Você está a ser pago? Isto é pro bono? Está a fazer por carolice?”. Ou seja, o que é que eu noto também na sociedade portuguesa? Nós não fomos muito educados a considerar a cultura ou o manifesto cultural como profissão. Hoje em dia, claro que as coisas já estão a mudar e acho que aqui em Guimarães já se sente uma mudança, se compararmos com há 20 anos. E essa mudança até se notou mais a partir da Capital Europeia da Cultura, o paradigma mudou positivamente, as pessoas também começaram a abrir um bocado mais a cabeça e a forma de pensar a arte. Mas eu acho que ainda é preciso trabalhar e, lá está, esse preciso trabalhar é educar através da arte, e eu acho que através do meu trabalho também educo o público a perceber que isto é trabalho, é possível viver de artes, temos de trabalhar para ter qualidade, não falhar com os clientes, não falhar com prazos e sermos estritamente profissionais, porque só assim é que conseguimos viver de artes.

O presidente da Junta de Creixomil destacou a “forte componente turística da arte urbana”, concorda com esta análise?

Claro que sim, eu acho que podíamos, por exemplo, fazer um corredor de arte urbana, ou os turistas virem à nossa cidade e saberem que temos um percurso específico de arte urbana. Porque o turista normalmente dá muito valor e nas suas cidades, em várias cidades da Europa e do mundo, têm manifestos no âmbito da arte urbana, querem ver também o que é que se faz nesta cidade, que é muito importante a nível nacional, só somos o berço, e se pudermos também afirmarmo-nos com manifestos de arte urbana e com qualidade, acho que só joga positivamente a nosso favor.

E essa ideia do percurso de arte urbana é algo que já tem falado com alguma entidade?

Não especificamente, eu meramente tenho sido convidado para fazer, ou seja, confio no meu trabalho e faço questão de que seja a minha linguagem a contar a história que querem, mas nunca foi falado no sentido de fazer um projecto como um corredor de arte urbana ou um percurso de arte urbana. Acho que há outros trabalhos de outros artistas em Guimarães, não é só o meu, mas acho que se forem todos enquadrados e se esse tal percurso e esse projecto for pensado futuramente com mais afinco, acho que só temos a ganhar se isso se concretizar nesse sentido.

“O feedback tem sido muito positivo e temos que pegar realmente no feedback positivo para andarmos para a frente.”

Tem recebido algum tipo de feedback sobre o mural? Positivo ou negativo?

Sim, muito positivo, claro que há uns muito positivos e outros, se calhar, pessoas mais melindradas e que arranjam sempre um defeitinho, mas isso é o normal da vida, não se pode agradar a gregos e a troianos. Mas, no global, o feedback tem sido muito positivo e temos que pegar realmente no feedback positivo para andarmos para a frente, isso é que é o meu combustível, mas têm sido muito boas, muitas mensagens, principalmente. Eu, normalmente, quando divulgo tento trabalhar bem as redes, isto é, não bombardear logo com posts seguidos com o trabalho, porque hoje em dia a informação é tanta que as pessoas também se cansam. As redes sociais, se soubermos usar bem, podem ser um veículo de publicidade do nosso trabalho, e então eu tento sempre dar um bocadinho e, depois, passado outros cinco dias, dar mais outro bocadinho para as pessoas também terem vontade de ver ao vivo noutra dimensão.

GA!

Tem mais projectos a serem concretizados em Guimarães? Quais?

Sim, será surpresa, sim, noutros âmbitos, noutros contextos, mas sim, e eu fico contente. São relacionados com a arte urbana, mas não posso divulgar. Foi uma coisa que aos meus 37 anos a vida me ensinou, só falo quando já estou na parede a fazer o trabalho. É superstição, é uma questão de canalizar boas energias.

“O meu papel, a minha missão é mesmo essa, é alegrar através da cor, através do meu trabalho alegrar também o dia a dia das pessoas.”

E relativamente à arte urbana, acha que há alguma forma de incentivar mais os artistas, seja através da Câmara, através da população, através de entidades privadas?

Acho que sim, porque isto é o papel hoje em dia da arte urbana, porque a partir do momento que eu classifico como arte urbana é algo pensado, algo que vai embelezar, que vai acrescentar a determinado espaço. Porque as pessoas vêem aquelas pessoas que fazem as assinaturas na parede, em termos brasileiros isso é pixar. Se calhar no Brasil tem outro impacto, há mesmo artistas que só fazem as assinaturas em edifícios altos e ganham conotações ou mais prestígio por causa disso, mas eu acho que aqui, neste sentido, fazer uma assinatura na parede é de um tom egocêntrico, mas a nível estético e positivo não acrescenta nada. E eu acho que o papel da arte urbana e dos artistas urbanos é mesmo esse, hoje em dia a arte urbana já é classificada como um acrescento, ou para embelezar espaços devolutos, ou, neste caso, num viaduto sombrio, dar uma vida de cor também ao quotidiano do público, acho que o papel da arte urbana é mesmo esse. É também despertar as almas das pessoas, já disse isso noutra entrevista, despertar as almas, dar uma certa positividade, e eu noto que as pessoas, não sei se depois da pandemia, que também não foram tempos fáceis, e também pela situação de Portugal, mesmo política e tudo, acho que as pessoas estão tristes, estão deprimidas também por tudo isto. Eu sou uma pessoa muito atenta, não fico só preso ao trabalho, sou muito atento ao que me rodeia e noto que as pessoas estão um bocado em baixo, e então o meu papel, a minha missão é mesmo essa, é alegrar através da cor, através do meu trabalho alegrar também o dia a dia das pessoas, e acho que tem resultado.

Que inspirações é que tem no mundo da arte urbana?

Isto é assim, eu não conheço muito, vou ser sincero, eu era artista mais de cavalete, de estúdio, e eu não sigo muitos artistas de arte urbana. Já quando era em trabalho de cavalete, tinha o William Kentridge, que é um artista da África do Sul que eu admiro muito, trabalha o desenho, e eu sou licenciado em artes e desenho, trabalha muito o desenho, fazia animação, apaga, tira fotografia, fazia aquela ideia de time lapse muito bom. O Gaudí, o Salvador Dali, gosto muito também do surrealismo. Há também portugueses muito bons, a Paula Rego, o Pomar, temos vários. Agora, usar o trabalho deles como referência para o meu, eu costumo dizer, no sentido da idolatria, nós idolatramos muito os outros, e queremos ser muito como os outros. Eu não, eu acho que estou um bocado na descoberta do meu estilo, e realmente gosto de ver bons trabalhos, e quando digo que o artista é bom, tem aqui uma alma, transmite-me muito, isso sim é a minha referência. Agora, pegarem em referências do tipo de trabalho dele para canalizar para o meu e, para através daí, dar o meu toque, isso eu não faço muito. Tento ser mesmo eu, original, arranjar o meu estilo específico e não encontro muito parecido com o meu. E acho que é um bocado esse o caminho, temos que nos admirar acima de tudo. Isto não é egocentrismo, admirarmos acima de tudo, a nós mesmos como indivíduos, e não querer ser como os outros.

© 2023 Guimarães, agora!


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