- Isabel Maria Fernandes vai completar um quarto de século servindo no Paço dos Duques de Bragança. Quando completar o tempo legal de serviço para se aposentar, em 2024, parte sem hesitar…
O adeus não é para hoje e quando acontecer não será anunciado. Será definitivo quando o tempo legal de aposentação chegar.
Entretanto, o Paço dos Duques, o Castelo de Guimarães, o Museu Alberto Sampaio e o Palacete da Praça de Santiago – os espaços de uma unidade orgânica dependente do Ministério da Cultura e da Direcção Regional da Cultura Norte terão em breve alterações que os colocam na alçada de um Instituto Público da área da cultura, não entrando nas competências que o Governo aceitou descentralizar parcialmente para os municípios.
Interrogada sobre o adeus – que não é para hoje, nem para amanhã – Isabel Maria Fernandes não esconde que espera pelo corte natural da relação com os museus, vai para 41 anos, tal como há pouco, com a família, dizia que “nunca mais chegava a hora de ir de férias para o Algarve”.
Os passos para a sucessão começaram, no entanto, a ser dados internamente. “Vou passando algumas coisas que estava a fazer para os colegas” que consigo trabalham no Paço Ducal.
É uma espécie de pré-despedida em que “o desejo enorme de passar para reforma” a deixa ansiosa porque quer viver outra vida, “com os cinco netos – e o sexto vem a caminho –”, esperando depois que um pouco mais tarde, o marido lhe siga os passos da aposentação.
Cheia de projectos pessoais, com o desejo de continuar a viajar pelo mundo – tem um filho fora de Portugal – e a gozar de boa saúde, a mulher que em 1999 chegou a Guimarães para trabalhar no monumento nacional que a Norte de Lisboa mais é visitado por crianças em idade escolar, admite ir “ter saudades, destes espaços” que hoje dirige.
Esta faceta de estar de partida mas não de saída, de ir desatando os nós que a ligam a unidade orgânica com dois monumentos nacionais para dirigir, ainda não lhe tolhe os movimentos mas quase lhe faz contar os dias, até Fevereiro ou Março.
Não enjeita fazer o balanço de um quarto de século de vida em Guimarães e trabalhando nos seus espaços culturais emblemáticos. Isabel Maria Fernandes sabe que “outros podem fazer o balanço, olhando de fora”. Mas diz sem hesitar que “é positivo”.
Nasceu no Porto mas o quarto de século em que viveu em Guimarães não a deixam a deixam mudar de ares. A ela e à sua família, todos com forte raízes a este pequeno condado portucalense.
“Sou do Porto, andei por várias terras, mas é em Guimarães cá que vivemos e esperamos ficar.”
Não esconde de o afirmar: “Adorei vir para Guimarães, sou uma vimaranense de coração. Sou do Porto, andei por várias terras, mas é em Guimarães cá que vivemos e esperamos ficar”.
Ou seja, a directora do Paço dos Duques quer reformar-se do trabalho mas não tem intenções de reformar-se da cidade. Mesmo saindo de directora dos monumentos do Monte Latito, Isabel Maria Fernandes sustenta que “eu vou sair do Paço mas vou andar por aí…”
Não tem intenção de ficar fora das comemorações dos 900 anos, comissão a que pertence, para já, numa dupla qualidade: a de directora do Paço dos Duques e a de Isabel Maria Fernandes, cidadã e mulher da cultura.
E então estar em Guimarães, dirigir estes monumentos tanto conhecidos como adorados foi um desafio, em 25 anos de actividade? Isabel responde sem hesitar: “Foi e ainda é… Ainda esta manhã comentava com as as colegas sobre as alterações profundas que estão para chegar e com a mudança de tutela.” E antevendo o frenesim que resultará dessas mudanças, confessa que “até fico com saudades de não estar por aqui porque vão ser tempos fáceis e difíceis e eu gosto disso. Não gosto do dia a dia rotineiro. Mas não vou continuar até lá porque para a reforma vou, não haja dúvida!”
“Neste museu há sempre muito que fazer… é a investigação, são os visitantes, é o inventário, é a liderança de equipas.”
Isabel Maria Fernandes não sabe dizer qual foi o desafio mais difícil na gestão do Paço Ducal e espaços da mesma unidade orgânica. Mas não tem dúvidas de que “neste museu há sempre muito que fazer… é a investigação, são os visitantes, é o inventário, é a liderança de equipas. Tive vários desafios e é disso que eu gosto”.
Porém, não resiste em identificar o que estava desarrumado e passou a ter alguma ordem. Por exemplo, o inventário do Paço dos Duques, o estudo das suas colecções eram algo incipiente. Lembra que foram editados alguns livros sobre o Castelo e a Igreja e agora sobre A Música nas Colecções do Paço dos Duques que respondem a ao desejo de se saber o que “está cá dentro”.
Mesmo a investigação, a organização das colecções e gestão das reservas foi “algo” de diferente que foi concretizado. Também, por seu impulso, nasceu a Associação dos Amiguinhos do Paço dos Duques de Bragança e do Castelo de Guimarães.
“Foi um projecto excelente à sombra do qual conseguimos ter recursos para a publicação de livros, adquirir alguns equipamentos, ter materiais diversificados na loja, ter livros para ampliar biblioteca” – afirma.
Reconhece que dirigir quatro equipamentos, na mesma unidade orgânica, o Paço Duques, Castelo, Museu Alberto Sampaio, Igreja de São Miguel e Palacete da Praça de São Tiago, “é demais”.
Concorda que estes equipamentos sejam divididos por dois directores/as: um para o Museu Alberto Sampaio e Palacete, outro para Paço dos Duques, Castelo e Igreja de São Miguel. “É mais vantajoso – defende – dividir a gestão por duas pessoas”.
E o que será o Paço depois de Isabel Fernandes? A importância dos directores está para além de um modelo institucionalizado de governação. Sem se alongar em considerações responde que “a estrutura e os directores” são a alma destes monumentos que têm mais vida para lá dos orçamentos.
As novas direcções vão ser escolhidas por concurso público, “ainda bem” diz sabendo que lá para Março quando abrirem os concursos já não estará na lista dos potenciais directores.
“A descentralização era vista como…” e Isabel Fernandes atalha com o “sobre isso não vou falar”. A questão era mesmo ter a sua opinião sobre os efeitos da descentralização iniciada pelo Governo noutras áreas teria efeitos positivos ou negativos.
Insistimos e a resposta foi a mesma mas mais desenvolvida: “Sobre isso não vou falar… mesmo em traços genéricos, isto não é uma descentralização, vamos estar dependentes de um instituto, em Lisboa” – justifica. Clarifica que já deu a sua opinião a quem de direito.
Sobre as consequências de nova centralização, da gestão do património monumental nacional, a directora do Paço dos Duques de Bragança, espera para ver “se há benefícios” nesta transição, não fugindo de elogiar o actual modelo. “Com a Direcção Regional de Cultura do Norte, o relacionamento foi muito bom. Alguns colegas não aceitaram esta mudança. Eu não tenho dúvidas de que foi muito bom para a região, pois, passamos para uma tutela regional excelente”.
“A estrutura regional era capacitada, colaborativa e nestes últimos anos, notava-se até que a estrutura era melhor.”
E justifica: “pela primeira vez na vida – posso falar do presente – este museu com um orçamento superior a 200 mil euros, confere-me poderes de decisão sobre o que quero fazer com ele. A estrutura regional era capacitada, colaborativa e nestes últimos anos, notava-se até que a estrutura era melhor. Lamento que tenha deixado de ser assim. Vai ser melhor ou pior, não lhe sei dizer”.
Isabel Maria Fernandes sairá consciente de que “ficou imenso por fazer”, no âmbito da sua acção como directora. Lembrando que “estou aqui desde 2014”, lamenta ainda não ter sido feito um livro sobre o Paço dos Duques de Bragança, ilustrado com a sua história e com o seu interior. “É fundamental” – justifica.
Depois, continua a sentir-se que há obras necessárias e de fundo porque um dia a casa pode vir abaixo. “Há espaços nobres, como a ala em que o Duque de Bragança vivia que não é visto pelo público porque estão lá os serviços administrativos”.
Penitencia-se por não ter sabido ou conseguido “influenciar as chefias” sobre as obras que requalificariam o Paço Ducal e o deixariam a salvo de intempéries, por exemplo.
Lembra um ante-projecto, elaborado pelo arquitecto Miguel Melo, em 2015, em sede da Câmara Municipal, para a concretização do qual “nunca houve dinheiro para o levar avante”.
O orçamento, de que se estimava, então, para a construção de um edifício do lado do jardim, frontal ao Tribunal, para instalar os serviços administrativos, era de cerca de dois a três milhões de euros. Mas o Paço precisa de outras obras que o requalifiquem, de coberturas que evitem entradas de água, de melhores acessibilidades.
“Isto não pode fazer esquecer as obras de fundo tão necessárias, de valor a rondar os 16 milhões de euros.”
Esclarece que o PRR vai contemplar uma parte dessas obras no sentido de melhorar a mobilidade interna dos visitantes, as condições do espaço com mais conforto. “Isto não pode fazer esquecer as obras de fundo tão necessárias, de valor a rondar os 16 milhões de euros” – defende Isabel Fernandes.
Uma dúvida persiste: e se as obras globais não forem feitas? “Ai isso, algum dia cai” – responde Isabel Fernandes.
A digitalização e o uso das novas tecnologias poderiam ajudar à capacitação da organização e ter um papel importante no estudo das colecções e no restauro das peças em exposição, no inventário. Mas falta dinheiro.
Situados no coração da cidade, é natural que todos os equipamentos se relacionem com a comunidade e as suas instituições. E mantenham um diálogo comum sobre a actividade cultural. Isabel Fernandes não tem dúvida de que todos estes equipas sempre estiveram ao serviço de Guimarães, das associações a escolas, numa interligação forte porque há espectáculos que se realizam tirando partido da envolvente monumental do Paço, por exemplo.
Por isso, o contributo de todos estes espaços para o desenvolvimento cultural é importante apesar da falta de mais pessoal, como vigilantes e técnicos superiores que servindo para as necessidades não é suficiente no seu todo.
Com a actividade das associações interligam-se as iniciativas do próprio Paço como “As Quintas-feiras à Noite” e outros que se realizam no Museu Alberto Sampaio. A directora não tem dúvidas de que todos os equipamentos “são uma casa de portas abertas” à comunidade e aos impulsos e actividades. A ‘Outra Voz’ tem ali regularmente um palco para as suas produções. E há mais exemplos.
Uma relação especial que o Paço dos Duques mantém é com as escolas, de todos os níveis de ensino. Quer sejam do país, da região ou mesmo locais. Isabel Fernandes destaca o papel do serviço educativo e dos seus colaboradores.
O Paço é hoje o movimento – para além de Lisboa – mais visitado por alunos das escolas. É uma relação em crescendo e de coração porque as crianças não estão isentas do pagamento da sua entrada no monumento.
Num passado recente – durante mais de três anos – os alunos até ao 5º ano, das escolas de Guimarães tiveram a possibilidade de ver por dentro o Paço. “Foi uma iniciativa interessante da Câmara Municipal e da vereadora da Educação” que contribuiu fortemente para acabar com a situação de que havia tantas crianças que não conheciam o que era seu por proximidade. Foi quebrado um tabu mas a iniciativa acabou interrompida.
“Nunca foi feita a estatística de quantos alunos visitaram o Paço e os monumentos da cidade neste ciclo. E era importante saber o número de alunos visitantes porque se é fácil aos da cidade chegarem aqui, a pé, já é mais difícil aos que residem nas freguesias, pois necessitam de transporte para aqui chegarem” – sustenta.
Isabel Fernandes lamenta que esta relação – escolas/Paço – tenha sido interrompida. E mostra a sua preocupação “por não se contar aos meninos do concelho as histórias que estes espaços culturais guardam para o seu conhecimento e aprendizagem”.
Diz que não por causa do número de visitantes – que cresce com este tipo de público – é pelo seu valor cultural. E pelo que não aproveita desta riqueza cultural, ao pé da porta. Deixa claro que as visitas das escolas a Conímbriga, por exemplo, têm o seu valor porque faz com que as crianças saiam do seu meio mas insiste que as crianças de hoje que visitam o Paço são os pais de manhã que podem trazer os seus filhos a algo que marca a nossa identidade. E dá até o exemplo da Citânia de Briteiros a merecer também mais frequência dos alunos.
O Paço dos Duques continua a ter um número de visitas interessante. O ano de 2019 é o comparativo porque então registaram-se 463 607 visitas; já 2022 foi uma espécie de ano recuperação com os 365 514 visitantes. Nos seis primeiros meses de 2023, o Paço já recebeu 174 447 visitantes o que faz com que se ultrapassem os números de 2023. O mesmo acontece com o Castelo, foram 374 513 visitantes em 2019, 302 757 em 2022 e em 2023 159 825.
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