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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

Guimarães Jazz: uma mulher à frente do Convívio lança o primeiro festival

Economia

Rosa Maria Vaz da Costa, foi presidente do Convívio, em 1992, esteve sentada nas cadeiras do auditório Francisca Abreu, como simples espectadora. Não era uma estrela da música mas tão só a mulher que presidia à associação Convívio que ousou abrir os caminhos do jazz em Guimarães. Olhando para trás, Rosa Maria, engenheira de profissão, recorda-se que na altura, “organizar o Guimarães Jazz foi uma aventura”. Ela e os directores, como Jorge Correia, professor, ou Pita da Costa, advogado, entre outros, “queríamos fazer coisas”, já com o Convívio a ter a experiência de organizar os ‘Encontros da Primavera’, de música clássica.

A presidente entusiasmou-se depois de ter presenciado um espectáculo do género, no Paço dos Duques, do Hot Clube de Portugal. É daí que nasce a ideia de fazer um festival, iniciativa que cria uma dinâmica associativa forte no Convívio – local onde o associativismo chora, canta e ri – e resiste às fugas para uma vida mais em jeito individual do que em grupo. A direcção do Convívio ‘animou-se’ com o que viu pelos olhos dos seus dirigentes e o que projectou nas mentes mais criativas de quem leva a sério a actividade cultural, recreativa e grupal.

Mas faltava o essencial, da organização de eventos: o dinheiro. A associação vivia das quotas dos sócios, da receita do bar e nada mais. A falta de recursos estimulou o pensamento. Rosa Maria, então a mulher que dirigia o DOM – Departamento de Obras Municipais, lembrou-se que um festival de jazz ou coisa parecida só ia lá… com uma parceria forte e estável. Com Pita da Costa, a presidente do Convívio vai à presidência da Câmara falar com António Magalhães. O Município cumpria as bases essenciais de uma boa parceira. A ideia foi apresentada e António Magalhães encaminhou os dirigentes do Convívio para o vereador da Cultura, Francisco Teixeira à época.

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A resposta foi positiva, criou-se a comissão organizadora, com ambas as partes, e a partir daí o Convívio animou-se com reuniões sucessivas tendo em vista a forma de levar avante o Guimarães Jazz – nome inicial que nunca se alterou para além do grafismo, que identifica as várias edições. Olhando para trás, o que pensa agora a presidente do Convívio, que em 1992, passou a liderar um festival que se consolidou em Guimarães? Rosa Maria Vaz da Costa, então com 33 anos, riu-se da ‘aventura’ em que se meteu. E que valeu a pena.

Ainda se lembra das ‘manobras’ para comprar um piano, um custo assumido pelas partes parceiras do evento, de cerca de cinco mil contos. E do reconhecimento de que naquele tempo, o piano era coisa rara em Guimarães.

Rosa Maria Vaz da Costa, gostava de jazz ou daquele tipo de música que tinha outros adeptos no Convívio, uma associação típica que aglutinava os criadores culturais, os homens que liam jornais, discutiam todo o tipo de assuntos, e que davam expressão ao verdadeiro movimento associativo. E ao forte cariz de vivência urbana numa cidade.

O jazz adaptava-se ao estilo do Convívio como lugar de pertença dos vimaranenses, culturalmente mais atreitos a descobrir coisas novas, a ter um estilo de vida em que a amizade era a pedra de toque para se fazer algo de atractivo na sede ou no espaço público. Era ali que todas as Sextas-feiras, havia animação, e grupos informais que gostavam de conversa, mesmo sobre os títulos ou as notícias dos jornais. “O Convívio assinava os jornais todos” – conta a ex-presidente, evidenciando que ali também se podia ler. É claro que alguns gostavam de ter um copo na mão, coisa natural e até ferramenta de uma boa conversa.

Ao tempo, Guimarães era ainda uma cidade fechada, pouco atreita a movimentos culturais fortes, apesar da dinâmica que o Convívio apresentava já no contexto associativo e cultural. E dos festivais de cinema que também organizou.

Mas, ter uma mulher à frente de uma associação, seria algo que poucos pensariam possível. Rosa Maria contraria a tese de que a sua condição de mulher tivesse afectado o seu modo de dirigir a associação. Mesmo sendo a mulher que dirigia o Convívio quando o Guimarães Jazz começou, não era contudo a mulher que foi a primeira a ser presidente do Convívio. Maria José Laranjeiro já tinha ocupado esse cargo.

“Nunca me senti desconsiderada pela minha condição de mulher.”

Contudo, lembra-se de que a sua condição não a afectava até porque aos 33 anos também era a mulher que dirigia o Departamento de Obras da Câmara, uma divisão com cerca de 200 homens. “Nunca me senti desconsiderada pela minha condição de mulher. Pelo contrário, acho que senti algum apoio, também por ser a mais nova dos presidentes anteriores” – revela.

A história porque aceitou ser presidente contava-se de forma simples. Muitos dos amigos do seu pai, incentivaram-na para a função. Lembra-se que “o senhor Guimarães me reconheceu como uma pessoa responsável, lembrando o meu pai…”

Foi assim que aceitou a missão porque “como frequentador da Assembleia, falando-me no meu pai – muito considerado no meio – acabei por me convencer a aceitar o cargo”. Nesse tempo, Guimarães ainda estava longe da dinâmica cultural que tem hoje. Sem estruturas e com um movimento associativo mais débil. Recorda-se que no Convívio “vivíamos numa bolha”, em que todos falavam a mesma linguagem. “Íamos – descreve – ao Porto e a Lisboa ver concertos musicais e essa afinidade também fez com que os primórdios do Guimarães Jazz tivessem essa base”.

Esse entusiasmo fazia com que o Convívio fechasse mais tarde, local onde os músicos participantes no festival faziam alguns pequenos concertos, inesquecíveis, naquilo que se convencionou chamar de jam sessions.

Rosa Maria Vaz da Costa. © GA!

No tempo do festival, Rosa Maria deitava-se tarde com a missão de acompanhar os músicos mas levantava-se a tempo de entrar ao trabalho, na hora convencional. Outra memória é a do primeiro festival e do último concerto com a Maria João, no Paço dos Duques. A sala estava repleta, a presidente sentou-se no chão por já não haver lugares. “Isso foi o primeiro sinal que senti de que o Guimarães Jazz iria ter uma longevidade enorme”.

Lembra-se de no final desse concerto ter dito ao vereador da Cultura “está ganho” e que “tínhamos semente para os próximos festivais”, como veio a acontecer até hoje. A ex-presidente do Convívio vai seguindo o Guimarães Jazz após o seu primeiro impulso para o tornar possível. “Sim mas com menos regularidade ainda assisto a alguns concertos”. E mantém vivas as recordações que a entusiasmaram ao longo do tempo. “Nunca vou esquecer o concerto de Mal Waldron, no Teatro Jordão, a vivência construída ao executar as tarefas na organização porque não sendo profissionais, fazíamos de tudo, desde o instalar do piano a outras tarefas”.

Sobre o concerto de Mal Waldron conta a sensação sentida quando ele procurava embarcar no avião para o Porto, a partir de Bruxelas, e o voo foi adiado por causa da neve… “Já tínhamos combinado gravar o concerto. No dia, porém, já depois das 22 horas, Mal Waldron entra no Teatro Jordão e vai directamente para o palco. Foi um alívio e uma consolação por ver um homem, na casa dos 70 chegar e tocar durante hora e meia, sem interrupções…”

Rosa Maria revela “a emoção que sentiu naquela altura, até as lágrimas me vieram aos olhos pelo incrédulo de não poder contar com o artista e depois com a sua classe e profissionalismo tocando de uma forma tão exuberante que nos deixou agradados a todos”. Outros artistas vieram depois que deixaram a sua marca, nomes que por vezes se recordam e que são provas claras de que o Guimarães Jazz acabou a “evoluir nos artistas que convidou”.

“O Guimarães Jazz acabou por ser um filho muito melhor do que havíamos concebido.”

“Reconheço que não percebo nada de jazz mas gosto de ouvir essa música e pelo que vejo o público também o que evidencia uma correspondência entre o que a direcção artística propõe e os espectadores apoiam, mesmo para além de pequenas nuances, de edição para edição”. Sobre a importância do festival no contexto cultural de Guimarães, a ex-presidente do Convívio admite que “sem termos noção alguma, quando iniciamos o festival, do que fazíamos – sem outras intenções que não as de fazer e realizar, gostando de trabalhar como é o meu caso, o Guimarães Jazz acabou por ser um filho muito melhor do que havíamos concebido”.

Lembra que depois do Guimarães Jazz nasceram outros festivais, com vários tipos de música, mais actividades às quais o festival veio dizer que “tudo era possível”. Com alguma ironia, afirma que, afinal, “havia um grupo de maluquinhos no Convívio que trabalharam e conseguiram” – ri-se depois de satisfação.

A longevidade deste festival também se deve ao ‘acreditar’. Rosa Maria crê que as bases do sucesso alcançado pelo evento ao longo dos anos, mais de três décadas depois, reside na essência do jazz, no empenho da organização, na força da parceria Câmara/Convívio, na mobilização de gerações diferentes da associação do Largo de João Franco e no entrelaçar de pais e filhos até aos amigos que se sentiram mobilizados nesta ‘aventura’.

Não sendo Guimarães uma cidade de jazz, “não o é – regista – porque só há uma cidade associada ao jazz – Nova Orleans”. Mas no resto, há actividade cultural bastante na qual o jazz acaba por ter o seu lugar.

Agora, 32 edições depois, Rosa Maria Vaz da Costa não tem nenhuma dúvida de que a parceria com o Município se tornou fundamental na sobrevivência do festival. “Todos temos consciência de que a receita das quotas dos sócios do Convívio só dão para pagar a renda da sede a manutenção e pouco mais. Já tínhamos os ‘Encontros da Primavera’ que sem patrocínios não se podiam realizar. Nesta realidade, na altura em que fui presidente ouvir falar de um festival de jazz com as receitas que o Convívio angariava era matar a ideia logo à nascença”.

Daí que quando foi falar com o então presidente da Câmara António Magalhães, com Pita Costa, também da direcção, o Convívio deu o passo certo, para bem de Guimarães.

© 2023 Guimarães, agora!


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