Começo por referir que este texto, embora com boas intenções, nasceu da minha irritação para com a obra “Diário da Peste”, de Gonçalo M. Tavares. A irritação é um dos sinais mais latentes da presença depressiva. Mas a minha irritação não explica tudo em relação à obra e ao autor: acho mesmo que uma e outro são duas metades do mesmo. Não chegam, não movem, não afectam.
A peste é a depressão. A minha. Eu não conheço a dos outros. A minha eu já a sei: oiço-a furar. Ou a tentar. Aquela toada miudinha, insistente e incessante é inconfundível. Oiço os seus braços translúcidos puxando os meus. Oiço-a a querer entrar na sala. A dar-me ordens, dizendo-me para não fazer, para não me importar, para desistir. Procuro não lhe dar importância. É difícil. A sua voz é dolente, porém sedutora. E enleia.
Ela canta: é a sirene dos danados que procuram adiamento. Tento afastá-la com pensamentos amarelos e laranja. Enfio a cabeça numa dúzia de empreitadas. Há-de estar bem, durante uma fatia de tarefas, mas ela toca à campainha, fazendo-se anunciar como lhe aprouver. Retoma a disputa. Sem aparelho de som, sem microfone, declama as cantigas que lhe atropelam a garganta e que eu já conheço de trás para a frente. Ela volta sempre para o encore, pregando-o à exaustão.
Ela olha-me nos olhos e tenta beijar-me, a troco de nada. Porque é nada, indefinidamente, que ela deseja.
Eu tapo-lhe a boca. Com as duas mãos, até me cansar.
A ladainha voltará enquanto por cá estiver, eu sei. Resta-me, de uma forma ou de outra, resistir-lhe. E ir ganhando, dia após dia. Até deixar de haver dias e morrer de velho.
Sem livros do Gonçalo M. Tavares, de preferência.
Escrevo cartas ao Paulo César que apenas existirá, à partida, depois de uma série de noites mal dormidas. Na verdade, são papéis cheios de projectos, de ideias esqueléticas, para que se cumpram. Mesmo que o não consiga, a perspectiva anima. Ou engana algo, pelo menos.
Quando se está no fundo do poço, há 3 opções: ficar, cavar mais fundo (ou esgadanhar) e olhar para cima, sendo que esta última opção implicará o tentar. Foi o que fiz.
Mudei grande parte das minhas percepções, até porque certezas não tenho, ou rareiam. Não tenho nada por garantido, tento não esperar grande coisa de nada ou ninguém e abdiquei, tanto quanto me foi possível, de razões ou pressupostos egotísticos.
Não tenho orgulho de nada do que faço. Faço porque quero, porque gosto, porque tenho foco, ou, se se preferir, por paixão (fui resgatar esta expressão a um comentário do meu amigo Pedro).
A depressão é, de uma forma muito resumida, trocar a pergunta “porque não?” pela questão “para quê?”. A ansiedade é substituir “quando?” por “agora!”, a todo o custo. Não há volta a dar.
Padecer de ambas será como usar, ao mesmo tempo, sapatos muito folgados e apertados: um desconforto sonolento que se poderá tornar, como na canção dos Pink Floyd (do disco “The Wall”), confortável.
Aprendi e aprendo muito com a depressão (e com a ansiedade), sobretudo sobre mim. É tão importante olhar para dentro, antes mesmo de espetar os sentidos e o raciocínio no exterior.
Ninguém cai sozinho e ninguém se levanta sozinho: essa é a maior das lições. E a vida continua (felizmente). E assim sucessivamente.
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