A última Assembleia Municipal viveu, de momentos, em que os casos da Covid-19 foram servidos no jantar parlamentar, como prato principal. Uma questão de saúde pública abordada por políticos domésticos e locais.
Num gesto institucional, que coloca a partidarite de lado, e num sinal de reconhecimento a “um dos nossos”, José Bastos (PS) evocou Francisca Abreu (ver intervenção no final deste texto), o que levou Emídio Guerreiro e Rui Barreira a subscreverem a homenagem do órgão de que fazia parte à que foi vereadora da Cultura do Município. E que Paula Damião (PSD) defendeu dever repetir-se na próxima reunião presencial, pós pandemia.
A partir daí, foram mais oito intervenções, num desfile já habitual, em que os partidos escolhem os seus para preencherem a agenda e o tempo do parlamento local. Nem sempre com a melhor estratégia.
Seria, então, no período antes da ordem do dia, que a questão da incidência da pandemia em Guimarães, suscitaria mais intervenções e mais tempo de discussão.
“A Câmara tem estado no terreno, sem holofotes, sobe a minha liderança e coordenação, para dar respostas mais inovadoras…”
Acutilante, como sempre Paula Damião, foi a primeira a intervir para considerar como uma “verdadeira lástima” a situação da pandemia em Guimarães, nos últimos dias, que colocou o concelho no “top 3” dos locais com mais “novos” casos. A deputada perguntou “onde anda a voz, o corpo e o comando do presidente da Protecção Civil”, o que levou Domingos Bragança a defender-se: “a Câmara tem estado no terreno, sem holofotes, sobe a minha liderança e coordenação, para dar respostas mais inovadoras”.
A deputada sustentou não ver tomadas medidas excepcionais, acusou a Câmara de reagir como o faz em qualquer situação do dia-a-dia e de “não gastar o que é preciso”.
O presidente da Câmara esclareceu que o papel da autarquia “é apoiar” as entidades de Saúde que “são quem cabe liderar este combate”, justificando que tem instado a Ministra da Saúde a constituir “uma equipa multidisciplinar para dar as respostas mais adequadas aos surtos de infecção que vão surgindo”.
Paula Damião insistiu ao dizer ao presidente da Câmara que “as suas respostas corroboram as nossas afirmações”, acusando a gestão municipal de ter a mesma actuação de sempre. “É tudo reactivo – disse – nada é activo, a actuação é a mesma de sempre, o presidente diz que é tudo excelente mas não é”.
Já este duelo verbal entre a deputada do PSD e o presidente da Câmara tinha ocorrido quando António Meireles, deputado independente, fez a sua intervenção, defendendo que “uma crise sanitária deveria ser combatida por técnicos de saúde, verdadeiros cientistas, que utilizando o critério científico preconizassem medidas de saúde pública entendíveis e executáveis pela população ao invés de se colocarem ao lado do governo numa deriva de intimidação diária da população”.
No entanto, os políticos locais continuaram a meter a colherada política numa situação de saúde pública – que sendo política não devia ser partidária – debitando palpites, julgando entender como fazer o combate à propagação do vírus – com regras básicas para ser controlado – misturando medidas de política sanitária com acções de protecção civil e apoios de acção social, num verdadeiro cocktail de “remédios” que chegam a ser um desperdício de dinheiro público, por que as compras andam a ser feitos ao jeito do grito de medo do “aí vem lobo”… da velha fábula de “Pedro e o Lobo”. E do impulso gastador de dar máscaras para todos, desinfectar não sabe bem o quê, com a ajuda de tractores – que ainda há pouco se viam no Facebook, como autênticos carros de combate a coisa nenhuma e desconhecida.
Sem números, sem perspectiva, sem conhecer onde e quando o vírus ataca, as próprias medidas adoptadas pela comunidade política são elas próprias alarmantes, com excepção das acções tomadas a nível social, onde se percebe claramente uma estratégia, com sucesso junto das populações. E porque das consequências da infecção e das implicações na vida social e na economia, resultam em perdas a que é preciso acorrer.
O caso do lar do Centro Social da Irmandade de S. Torcato, veio à baila, por ser o mais recente e ter proporções alarmantes. Serviu, também, para se perceber como neste generalizar de investimentos em “instrumentos” para combater a pandemia, faltava, afinal, o da especialização, ou seja, o de que era preciso um segundo exército – as chamadas equipas multi-disciplinares – neste combate, constituído a montante, e capaz de dar respostas a todas as situações de excepção que se estão a verificar nesta chamada segunda vaga. Uma equipa de emergência para suprir a falta de pessoal – uma vez que também os soldados que participam nesta guerra se abatem.
No restante, a sessão da Assembleia foi mais uma “sessão de perguntas ao presidente da Câmara”, com a emergência das questões avulsas, abordadas pela rama, e a toque de caixa, porque os deputados gostam de falar muito, de tudo… e de coisa nenhuma!
Apontamentos (de bolso):
– Memórias…
Já lá vão os tempos, em que o parlamento local era rico em intervenções de qualidade literária, de fôlego político, também de improviso, de pensamento rápido, de interpelação consistente, de deputados eleitos não para agradar aos chefes mas para exaltar Guimarães e o seu desenvolvimento, e defender um certo bairrismo, comum a várias forças políticas. Santos Simões (CDU) era uma figura desses debates que versavam menos tricas e mais ideias, para além, da ideologia ou representação partidária. A banalidade discursiva, hoje, é tão comum que se torna também num factor de distanciamento entre eleitos e eleitores, que sem capacidade de sedução, colocam a Assembleia Municipal, num “ilustre” desconhecido palco político, cuja vida e existência poucos acompanham.
– Inventários
Talvez por isso, as Assembleias Municipais sejam agora mais assembleias de freguesia, do que verdadeiros parlamentos locais onde a política se exalte e se afirme. E o desenvolvimento de Guimarães se projecte, com ambição. Muitos deputados preferem perguntar mais do que confrontar, outros adoptam a estratégia do louva-minhas, tornam-se explicadores da práxis política e do faz bem ou faz mal do executivo, a quem deveria competir defender as suas opções, as suas políticas, as suas decisões, e não as deixar compactadas num relatório ou para deputados que não deviam ser “encarregados” do executivo, confundindo funções, desvirtuando o parlamento do seu papel. E tudo com o intuito de agradar ao “chefe” um vício letal no estatuto de deputado que o torna numa espécie de “encarregado” de mostrar as belezas e as beldades de quem manda e faz no que é municipal. Qualidade precisa-se, pois, em novos e velhos “políticos locais” que devem soltar as amarras da subserviência a bem de Guimarães. E não do partido.
A Voz do Deputado (José Bastos):
Seria fastidioso, principalmente nesta câmara, elencar as funções, cargos, projetos, concretizações, sonhos e utopias de quem deveria estar hoje e aqui connosco. E não está! Outros o fizeram, e bem, destacando e valorizando o seu percurso político, profissional e pessoal. Hoje e aqui permito-me evocar a Drª Francisca Abreu e permito-me fazê-lo em dois momentos distintos. O primeiro utilizando as suas palavras para falar de Guimarães, da cultura e da forma como entendia esta relação num artigo escrito na revista “Guimarães: O Que Nos Fica no Coração”.
“A Cultura esteve no centro da política autárquica em Guimarães, durante todos os mandatos do Presidente da Câmara, Dr. António Magalhães. Primeiro, muito centrada na regeneração do Centro Histórico, com uma visão esclarecida e com uma capacidade de realização determinada e forte, que culminou com a inscrição do Centro Histórico na lista da UNESCO de sítios Património Cultural da Humanidade. Renovaram-se praças e vielas, regeneraram-se casas e palacetes, instalaram-se serviços públicos, devolveu-se o Centro Histórico à fruição dos cidadãos. Recuperaram-se manifestações culturais e o património imaterial, desde o incentivo ao artesanato às festas de cariz popular, religiosas e profanas. Em simultâneo, iniciou-se um processo de criação de uma agenda cultural contemporânea, recuperando iniciativas esquecidas e criando outras, em parceria com instituições locais, usando o cenário e os palcos que o Centro Histórico oferecia e, por essa via, chamando os Vimaranenses e os visitantes à ocupação e fruição do espaço público único e singular que Guimarães oferece. A abertura do Centro Cultural Vila Flor, em 2005, permitiu reforçar a agenda cultural, tornando-a permanente e continuada, mais diversificada e atrativa, para Guimarães e para a região. E, assim, Guimarães assumiu um lugar de destaque e de referência, a nível regional e nacional. Um lugar de cultura que reforçou a notoriedade e o prestígio de Guimarães e permitiu- nos ambicionar novos desígnios para a cidade e para todo o concelho. As expectativas que a escolha de Guimarães para Capital Europeia da Cultura suscitou eram elevadas, algumas demasiado elevadas, que sabia impossíveis de serem inteiramente saciadas. Logo se tornou claro que havia que saber gerir as expectativas e mantê-las em equilíbrio: nem demasiado elevadas, nem pouco ambiciosas. Equilíbrio difícil, que se tornou uma constante ao longo de todo o processo. Depois do anúncio e a novidade dada, Guimarães 2012 passou a ser notícia. E, logo a seguir, as perguntas sobre o programa, as realizações que aconteceriam em 2012, passaram a ser uma constante. Perguntas a que não sabia responder. Não podia responder. Não podia antecipar o futuro de um projeto que tinha de ser coletivo e partilhado, concebido e realizado neste território e pelas pessoas que nele habitam.”
O segundo momento, depois das palavras da Drª Francisca Abreu ditas por mim, com as minhas próprias palavras. E é imensamente difícil dizer muito daquilo que poderia e deveria ser dito. Por falta de tempo e de talento para traduzir de forma fiel e completa a ação e a intérprete dessa ação, principalmente pela circunstância de ter tido o privilégio de com ela ter trilhado caminho durante quase duas décadas. Mas vou tentar.
“Nós não nos fechamos dentro do castelo e atiramos a chave fora” Esta frase foi dita vezes sem conta pela Dra. Francisca Abreu nos mais diversos contextos. A diversidade dos contextos nunca se desviava do objetivo essencial: rejeitar os discursos redutores que ligavam Guimarães exclusivamente ao seu passado. Esta frase metafórica traduz bem o pensamento da Dra. Francisca Abreu: Guimarães orgulha-se do seu passado mas constrói o futuro alicerçado numa visão cosmopolita, contemporânea e transformadora. Essencialmente transformadora. Arriscando, ousando, inovando e cruzando. A Educação e a Cultura são duas pedras basilares da transformação. Esta é a matriz de pensamento da Dra. Francisca Abreu. Humanista, generosa, preocupada com o outro e incentivando sempre, mas sempre, ao desenvolvimento de novas competências. Individuais e coletivas. Suas e dos outros.
Se pedirmos a quem conhece a Dra. Francisca para indicar uma característica muita sua, a probabilidade do sorriso fácil , largo e desabrido aparecer no topo das indicações é muito mas muito grande. E é verdade. A Dra. Francisca tem um sorriso fácil, largo e desempoeirado. Mas este sorriso, à semelhança da chave do castelo, não passa de uma metáfora. O seu sorriso é apenas uma imagem da sua essência, apenas traduz de forma fiel a sua génese: visão ampla, permanente necessidade de conhecer mais, de conhecer diferente (quem não lhe conhece o seu enorme gosto por viajar, por conhecer mundo), enorme disponibilidade para ouvir ainda que discordando, enorme capacidade de abstração. Guimarães deve muito a Francisca Abreu. Eu devo muito a Francisca Abreu. Mas eu e Guimarães não lhe devemos nada. Parece um paradoxo mas não é. Eu, e penso que Guimarães, paguei a dívida com reconhecimento, admiração e gratidão. E ela sabe desse reconhecimento, admiração e gratidão. Sabe hoje como sabia antes de partir para esta viagem que não merecia. Esta viagem é injusta e a Dra. Francisca, lidando mal com injustiça, foi vítima dela. É por isso que falo no presente. A Francisca Abreu não partiu. A Francisca Abreu está e estará connosco através do reconhecimento, da admiração e da gratidão. Sejamos nós capazes de honrar a sua vida estando à altura de engrandecer o seu legado.
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