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Quarta-feira, Março 19, 2025
Florentino Cardoso
Florentino Cardoso
Licenciado em Direito, presidente da Grã Ordem Afonsina.

Um casamento político na génese de Portugal

Se o casamento assegurou a Henrique um parentesco com o rei, que lhe permitia aspirar a “grandes voos” na esfera da política peninsular, como era o seu desejo quando resolveu partir da Borgonha, também é verdade que proporcionou a Afonso VI o desígnio de contemplar uma filha morganática com o domínio (propriedade) de um território, a título de quinhão hereditário.

Em crónicas anteriores, procurámos demonstrar que a pesquisa pela data do surgimento de Portugal como Estado independente exige do investigador a destrinça entre os conceitos de Estado e Nação, e revelámos como alguns historiadores se têm deixado enredar nesta “armadilha”.

Agora vamos viajar até à época em que D. Afonso VI, rei de Leão, resolveu casar a sua filha Teresa com Henrique de Borgonha e conceder-lhe o domínio, “jure hereditario”, do condado portucalense, a partir do qual começaram a despontar os primeiros laivos de autonomia no território que mais tarde haveria de ser Portugal. 

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Não existe unanimidade entre os autores, mas a maioria aponta o ano de 1096 como o mais provável para o casamento entre Teresa e Henrique. Segundo Torquato de Sousa Soares, “considerando que Elvira, mais velha do que Teresa, tivesse nascido ainda em 1093, é possível que o nascimento da irmã ocorresse no ano seguinte, não tendo, portanto, ainda três anos quando casou com D. Henrique, talvez em fins de 1096”. Já Marsílio Cassotti entende que “o primeiro testemunho do seu casamento com a infanta data de 11 de fevereiro de 1095, quando confirmou uma doação do rei ao mosteiro de São Servando, junto de Toledo”.

Mas naquela época, era frequente o uso da promessa de casamento feita pelo pai da nubente.

Ora, se este casamento aconteceu em 1095 ou em 1096, a primeira observação a fazer é que, nesses anos, D. Teresa ainda não possuía a idade núbil, o que hoje pode parecer chocante, mas naquela época, era frequente o uso da promessa de casamento feita pelo pai da nubente, mesmo que ela fosse impúbere e não tivesse vontade, desde que a união fosse conveniente no plano familiar, social, económico ou político. 

Por que razões terá o rei Afonso VI dado a D. Henrique a mão de sua filha Teresa, numa situação de impuberdade? 

A resposta de Alexandre Herculano é esclarecedora: “a concessão de uma filha própria, bem que ilegítima, feita por Afonso VI a um simples cavaleiro, posto que ilustre, parece provar que ele merecera tal distinção pelos seus méritos pessoais e por serviços feitos na guerra”. E o ilustre historiador acrescenta mais uma razão: “o acolhimento que Raimundo e Henrique encontraram no rei espanhol viria em parte de serem ambos parentes de Hugo, (Abade de Cluny) a quem Afonso VI dava o título de pai e a cujo mosteiro desde o tempo de Fernando Magno a monarquia leonesa pagava um tributo voluntário a título de censo”.

A este respeito, Marsílio Cassotti observou também que “nas circunstâncias que o reino atravessava, as filhas de Jimena tinham-se tornado um bem muito apreciado, do qual um rei sempre necessitado de concertar alianças não poderia prescindir”. E por isso, a conclusão que o autor retira deste cenário é que “este casamento teria tido um sentido exclusivamente político, que não pode deixar de estar relacionado com a fundação do Condado Portucalense”.

Ora, todas estas circunstâncias, conjugadas, terão justificado o casamento entre aqueles que seriam os próceres de um Estado que mais tarde se tornaria independente do reino de Leão. 

E se o casamento assegurou a Henrique um parentesco com o rei, que lhe permitia aspirar a “grandes voos” na esfera da política peninsular, como era o seu desejo quando resolveu partir da Borgonha, também é verdade que proporcionou a Afonso VI o desígnio de contemplar uma filha morganática com o domínio (propriedade) de um território, a título de quinhão hereditário.

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