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Guimarães
Quarta-feira, Fevereiro 5, 2025
Florentino Cardoso
Florentino Cardoso
Licenciado em Direito, presidente da Grã Ordem Afonsina.

24 de Junho de 1128 – Dia UM de Portugal

Hoje, não há dúvidas de que um dos principais ativos de Guimarães reside na sua história, tendo como um dos seus símbolos nucleares a figura de Afonso Henriques e os dizeres da legenda «Aqui nasceu Portugal», que traduzem, de forma marcante, a relação circunstancial (de lugar), entre esta cidade e a ação guerreira e política mais importante praticada pelo Rei Fundador – a vitória na Batalha de São Mamede. Esta circunstância revela-se absolutamente imprescindível para conferir, a Guimarães, o direito de se posicionar como o epicentro da futura comemoração nacional dos 900 anos da Batalha de São Mamede, no ano de 2028. Por isso, ao tomar sobre si esta tarefa, Guimarães não pode perder a oportunidade de contribuir para que seja definitivamente estabelecida, no âmbito da historiografia nacional, a origem do Estado Português, ou seja, a determinação do dia em que Portugal se tornou um Estado independente, e a respetiva causalidade. 

No folheto distribuído aos convidados, na sessão pública de apresentação do programa comemorativo dos 900 anos da Batalha de São Mamede, realizada no passado dia 7 de dezembro de 2024, referindo-se aos 900 anos da Batalha de São Mamede, a Câmara Municipal de Guimarães afirmou: “Por muito sedutora que nos possa parecer a ideia de uma fundação, ocorrida num tempo e num território concretos, este entendimento revela-se especialmente perigoso, quando observamos e tentamos interpretar e compreender as realidades de passados tão longínquos”. E mais adiante, prosseguiu: “diferentemente do que pensamos nos nossos dias e do que a nossa sensibilidade cultural quase sempre sugere, a criação de um Reino (e muito menos ainda de uma Nação) não acontecia em resultado de um único sucesso, ainda que determinante”. 

© Direitos Reservados

Trazemos estas frases à colação para mostrar que o folheto distribuído pela Câmara de Guimarães não distingue os conceitos de Nação e Estado, e deste modo coloca-se em posição de não pretender colaborar no reconhecimento da coincidência histórica e cronológica entre a Batalha de São Mamede e a independência de Portugal, que deveria ser um objetivo primordial das comemorações. Com efeito, por esta via fecha-se a porta (perde-se a oportunidade…) à investigação e ao debate de uma questão histórica que apaixona os portugueses e que se revela de grande importância para os interesses de Guimarães, onde reside um povo que se orgulha de invocar o epíteto de ‘Berço da Pátria’ e a frase lapidar «Aqui nasceu Portugal». E como é evidente, estes galardões dependem diretamente da correspondência entre a Batalha de São Mamede e a independência de Portugal. 

De facto, embora se confundam muitas vezes na comunicação corrente, os conceitos de Nação e Estado são distintos, e não se identificam, pois a criação de um reino não é comparável à formação de uma Nação. Contrariamente ao que acontece com as nações, os Estados, hoje, podem constituir-se de um dia para o outro, em resultado, ou como consequência, de um ato isolado. E por maioria de razão, assim era, na Idade Média, uma vez que, como diz José Mattoso, “a monarquia era exercida como uma propriedade pessoal; por isso, o rei podia dividir os seus Estados pelos herdeiros”. Por exemplo, o rei leonês, Fernando I (1016-1065), avô de D. Teresa (c. 1080-1130), dividiu o seu reino, à hora da morte, deixando ao primogénito, Sancho II (1036-1072), o reino de Castela, a Afonso VI (1047-1109), o reino de Leão, e a Garcia II (1042-1090), o reino da Galiza. Como se pode ver, de um reino nasceram três, num só dia, em 27 de dezembro de 1065 (data plausível do seu falecimento). Idêntica divisão aconteceu, por disposição de Afonso VII, que, após a sua morte, em 1157, deixou o reino de Castela ao primogénito Sancho III, e o reino de Leão ao filho Fernando II, genro de D. Afonso Henriques. 

Guimarães deverá alinhar a sua estratégia para celebrar a data dessa Batalha, honrando a memória do Rei Fundador.

Impõe-se acrescentar que, no contexto das comemorações dos 900 anos da Batalha de São Mamede, D. Afonso Henriques merece ser tratado como um ativo (asset) para Guimarães. Como sabemos, só depois da publicação da obra ‘História de Portugal’ (1846-1853), de Alexandre Herculano – em que foi posta em causa a tradição fundadora, baseada na lenda da aparição de Cristo, na véspera da Batalha de Ourique – é que a Batalha de São Mamede ganhou notoriedade, como facto histórico, e D. Afonso Henriques passou a figurar como marca identitária de Guimarães. Ora, considerando que o acontecimento histórico mais importante protagonizado por D. Afonso Henriques aconteceu no dia 24 de junho de 1128 em território vimaranense – a Batalha de São Mamede -, parece-nos que deverá ser à volta deste facto histórico, e das suas consequências (a Fundação de Portugal), que Guimarães deverá alinhar a sua estratégia para celebrar a data dessa Batalha, honrando a memória do Rei Fundador e aproveitando o valor que ela acrescenta. Infelizmente, o documento emitido pela Câmara Municipal retira a D. Afonso Henriques o papel de ator principal neste “filme” do nascimento de Portugal, quando diz que “nada aconteceu de um momento para o outro e nada se ficou a dever apenas a um único facto, ou ator, por mais importantes que tenham sido”. Ora, convém não esquecer que sem D. Afonso Henriques não teria acontecido São Mamede! 

Em jeito de conclusão, pretendemos dar o nosso despretensioso contributo para a concretização das comemorações da Batalha de São Mamede, agora anunciadas. Nesse sentido, gostaríamos de relevar o seguinte: 

  • 1. O foco das comemorações deverá ser alargado, além dos objetivos propostos pela Câmara Municipal, na apresentação referida, de 07.12.2024, abrindo-se a receber contributos ‘efetivos’ da comunidade e das instituições culturais de Guimarães, e até de fora. No mínimo, é a dimensão da figura de D. Afonso Henriques, com tudo o que ela representa, para Guimarães e para Portugal, que o suscitam e exigem. 
  • 2. Em especial, nestas comemorações, temos a ligação a Espanha. Como exemplo de temas para debate, será relevante pedir uma explicação (e fundamentação…) para o silêncio dos historiadores espanhóis sobre a constituição do reino de Portugal, convidando-os a assumir a realidade histórica e a contribuir para a sua clarificação, pois que daí poderá advir muita luz sobre a problemática de D. Afonso Henriques e da sua época, tomando como referência principal o relevantíssimo ato da celebração dos 900 anos da Batalha de São Mamede. Seria, a nosso ver, um “grande feito”, com consequências efetivas, para Portugal e Espanha, destas comemorações vimaranenses. 
  • 3. Como entidade organizadora do evento, Guimarães tem a responsabilidade de procurar envolver, nestas celebrações, com a maior abertura possível, localidades com quem mantenha especial ligação cultural e cívica, e outras que pretendam associar-se; localidades historicamente comprometidas com D. Afonso Henriques e o seu tempo, de Portugal e Espanha, interligadas numa rota transfronteiriça pelos caminhos da Fundação (Via Regis Alphonsi); associações culturais locais, nacionais e da vizinha Espanha. 
  • 4. Solicita-se o maior esforço para o conhecimento das realidades relacionadas com D. Afonso Henriques, não sendo excessivo pedir que, fundamentadamente, seja fixada uma referência precisa, relacionada com São Mamede, para o nascimento de Portugal. É o brio histórico nacional, com Guimarães à cabeça, que o exige. 
  • 5. Importa dilucidar o que fazer, em concreto, com as comemorações agora enunciadas, que releve, efetiva e substancialmente, de positivo, para Guimarães, e para Portugal, de modo a desencadear uma maior consciência das populações sobre as realidades da fundação de Portugal e da figura tutelar de D. Afonso Henriques, que, afinal, a par da procura do maior e melhor conhecimento histórico, é o que mais importa. 
  • 6. A nossa sugestão vai no sentido de se proceder, para isso, a um reforço dos programas educativos, de Guimarães, enquanto ‘cidade educadora’ assumida, suscitando a colaboração das instituições culturais vimaranenses (entre elas, a Biblioteca Raúl Brandão, o Arquivo Municipal Alfredo Pimenta e os Museus de Guimarães), e até instituições culturais de fora, e fomentando, em especial, o trabalho com as escolas (logo desde o primeiro ciclo, ou mesmo do pré-escolar, até à Universidade), de modo a melhorarmos na apreciação do que é nosso e no respeito pelos fatores de identidade nacional. 

© 2025 Guimarães, agora!


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