O estado do comércio debatido em noite de chuva
Quando foi projectada num ecrã uma apresentação com exemplos de cidades europeias que tinham fechado ruas aos automóveis, alguns comerciantes viram ali uma janela de oportunidade para a Câmara liderar um processo de transformação da cidade comercial, uma medida estruturante e de forte impacto na cidade.
Porém, a expectativa gorou-se e alguns comerciantes confessaram e expressaram a sua desilusão por terem percebido que Domingos Bragança apenas queria ouvir os comerciantes e não confrontá-los com ideias, projectos ou planos que pudessem entrar na solução da modernização do comércio tradicional.
O fecho de artérias ao trânsito automóvel que o presidente da Câmara havia anunciado, no final de uma reunião da Câmara (31 de Outubro), uns dias antes, era apenas uma intenção que não tinha passado da fase do desabafo.
“Vou daqui um pouco desiludido porque vim na expectativa, de que a Câmara trouxesse uma solução…“
Domingos Bragança desfez a expectativa logo no início da sua conversa: “não imporei o fecho das ruas aos automóveis”. E acrescentou que o fará só com “o vosso apoio”. Uns aplaudiram outros não. O anúncio deixou a presidente da Associação de Comércio Tradicional de Guimarães (ACTG) a sorrir e os admiradores de Domingos Bragança, a morder o lábio.
Abel Fernandes, do restaurante “Oriental”, confesso admirador do presidente da Câmara manifestou depois que “vou daqui um pouco desiludido porque vim na expectativa, de que a Câmara trouxesse uma solução…”. Virado para o presidente, Abel Fernandes foi mais claro: “aprecio que nos tenha ouvido…mas a Câmara tem de assumir a liderança neste processo de mudança…” em que se enquadrava o fecho ao trânsito automóvel da Srª da Guia à antiga estação dos CTT, no que seria a maior avenida pedonal e comercial de Guimarães.
A audição dos comerciantes pelo presidente da Câmara virou então um diálogo entre o autarca e alguns homens e mulheres que vivem do comércio, numa noite de generalidades, medidas avulsas, de pensamentos micro porque o seu impacto era medido até à soleira da porta de cada loja comercial. E não passavam de palpites ou de simples opiniões que podiam constar de um plano qualquer de modernização do comércio mas nunca serem a chave desse plano.
Em cada cabeça fervilhavam apenas ideias de curto prazo, algumas directamente ligadas ao Natal, de acções que a Câmara devia impulsionar para a época festiva. E pagá-las.
Neste concurso de ideias, em que o presidente da Câmara aceitou participar ao defender que “a digitalização do comércio” seria foco em que os comerciantes deviam apostar e para a qual a Câmara estava disposta a investir, ninguém ficou a perceber o que era urgente ou supérfluo, o que era imediato ou para o longo prazo, o que se deveria fazer e quem o deveria fazer, deixando tudo, de forma leve, no ar, sem qualquer estrutura informal a constituir, para além “dos grupos de trabalho”, numa organização mais de base popular, pretensamente democrática, mas pouco eficaz do ponto de vista de resultados que se pudessem obter.
O “remédio” ou a “mezinha” que qualquer bruxo “expert” em comércio tradicional pudesse ter, iria vincar que, afinal, os problemas do comércio são fáceis de resolver, se se optar por ir concretizando o que cada um vai propondo ou desejando.
Domingos Bragança, foi sempre mais cauteloso do que impulsionador, não querendo assumir qualquer liderança neste processo, a menos que seja empurrado, tal como na questão do fecho das ruas aos automóveis. Percebeu os interesses instalados entre os comerciantes – quase tão velhos como a cidade – não abanou com os conceitos e as ideias feitas, no movimento das lojas tradicionais – para quem a solução é simplista e passa apenas por fazer regressar os CTT e uma loja do cidadão ao centro da cidade, ao jeito de um golpe de mágica, de que tudo resolve, também, por impulso, deixando o verdadeiro plano de transformação, desenvolvimento e animação da cidade, para os teóricos e amantes de estudos.
Ninguém defendeu, nem o contexto, nem a marca desse desenvolvimento. E muito menos os contornos de uma estratégia, ficando no ar a ideia de que com “barulho e uma banda de música e palhaços na cidade”, os consumidores vão chegar de todo o lado, para encher lojas e comprar o que há lá dentro. Agitando, sempre, o slogan de que “Guimarães é uma cidade bonita”… e que por esse estatuto consegue captar compradores.
Nas duas horas e pouco de conversa, entre comerciantes e presidente da Câmara e seus acompanhantes, o que se passou foi “mais democrático” do que conclusivo, apesar de se perceber que vai tudo ficar na mesma, sem soluções e apenas com propostas simples para cada estação do ano. Tudo para figurar num caderno de apontamentos sem nada a reter porque os queriam “ver mais e melhor” vão continuar ver defraudadas as suas expectativas. E ninguém está a ver – pelo que se notou na Plataforma de Artes – alguém vir a acossar o presidente da Câmara, pedindo-lhe o fecho de artérias aos carros, invertendo papéis e funções, como nunca se viu. Até porque, a presidente da ACTG diz que “os meus associados” não defendem esta solução e como a cidade fosse também “propriedade” corporativa, de interesses instalados ou de donos de lojas de uma certa rua…
Divididos – já entre sectores de actividade, o comércio tradicional e a hotelaria – os comerciantes mostraram não caminhar para um estado de associativismo forte e dinâmico e moderno, seguindo até os melhores exemplos de organização sectorial do país ou da região.
Os “seus interesses” vão continuar a ser defendidos por terceiros, tal como a ACIG fez ao longo de muitos anos, deixando que os seus representantes fossem tudo, menos comerciantes de gema.
E deixaram claro que “aceitam” que o Municipio lhes vá pagando a “despesa corrente”, derivada das iluminações de Natal, e até a “animação” da cidade por uns “gigantones ou zés pereiras” ou que alguém possa “dar música” em épocas festivas, ou se encarregue de “números circenses” que tragam mais gente para as ruas, sem a convicção de que isso possa levar mais consumidores para dentro das lojas.
O que todos aceitam é que se faça o “trivial”, numa cidade desajeitada para o comércio, sempre a chorar pelo êxito dos concorrentes vizinhos, como se o acto de comprar ou viver na cidade fosse desgarrado de uma “vivência mais urbana” de qualidade.
Apesar de o presidente da Câmara ter chegado à Plataforma das Artes, com o Reitor da Universidade do Minho, da presidente do IPCA, da representante da Universidade das Nações Unidas e de alguns vereadores, o certo é que naquela “noite” apenas se ouviram as vozes de Domingos Bragança e dos comerciantes, num diálogo que não se sabe será prenúncio de alguma coisa.
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