Não será apenas uma feira agrícola com um concurso pecuário, quais ícones de um passado em que a agricultura era um sector forte, no cultivo de cereais, de vinho e de gado, alimentada por uma mão de obra familiar, intensa e intensiva, explorada na base de um contrato pessoal e acordo de cavalheiros e não num contrato de arrendamento entre caseiro-senhorio.
Era essa agricultura e esse regime de exploração que mantinha árvores serpenteadas de videiras que davam o vinho tinto e branco, o verde da região; deixavam solos agrícolas ocupados com culturas de sequeiro, onde milho, centeio e trigo abundavam e a horta era explorada – tais como os galináceos – ao pé da porta da quinta…
Porventura, mais remotamente, a feira de gado pode ser ainda um retrato de uma região agrícola rica e economicamente abastada onde em redor havia casas senhoriais habitadas pelos donos dos terrenos.
E mais recentemente até permitiu o ressurgimento de tradições agrícolas e culturais – das quais brotou o folclore e a etnografia com expressão de danças e cantares; e tornou-se fonte e inspiração de cortejos agrícolas que inundavam as cidades para evidenciar a ruralidade.
Hoje, a Feira dos 27 persiste e mais não é do que um rasto luminoso de um passado agrícola mais dinâmico; quiçá assemelha-se ao ‘contrail’ – material formado por poluentes que congelam no céu – o tal fumo branco que mais não é do que o rasto dos aviões que desaparece num instante.
Depois do concurso pecuário, o rasto da feira, hoje, menos local e mais regional, nota-se pela animação que decorre do barulho de vendedores ambulantes que apregoam as suas colchas e os guarda-chuvas como os melhores do mundo, do estridente som dos foguetes que são lançados num horário pré-definido e constante.
À Feira dos 27 associam-se a fé em São Torcato e as cerimónias religiosas, a benção dos animais; e uma tradição de cantares ao desafio e exibição de grupos folclóricos.
Mais recentemente, a garraiada – um pega popular e amadora de vacas minhotas que imitam as ribatejanas – que visa a participação de toureiros improvisados e amantes do perigo e das correrias para fugir à ‘cornada’ desses toiros simpáticos e menos agressivos.
São Torcato receberá, este ano, a presença de Augusto Santos Silva, o ainda presidente da Assembleia da República, numa visita mais nostálgica mas que não deixa de ser oficial. Recordemos que, durante a sua tese de doutoramento, nos anos 1980, então assistente na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, andou por aqui, onde se inspirou para construir a sua pesquisa de que resultou a tese de doutoramento ‘Tempos Cruzados’: um estudo interpretativo da cultura popular, que apresentou no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa em 1992.
São Torcato, foi, então, para a segunda figura do Estado português, de hoje, um “extraordinário laboratório” de “grande riqueza sociológica e religiosa”.
Escreveu, na sua tese, como São Torcato, uma vila que guarda o “corpo dum santo supostamente incorrupto que ninguém sabe exactamente quem é e em que houve recorrentemente resistência popular ao arcebispo de Braga”.
Sobre a relíquia, depositada no Santuário, hoje, Basílica, defendeu que “o santo é quase da família, há uma relação física próxima e uma enorme apropriação colectiva sobre os símbolos religiosos.”
Ali, os tempos cruzam-se: da pessoa mais velha à mais jovem, toda a gente “tem no espírito uma forma de reacção”, uma “memória” de resistência. É “em torno dos símbolos religiosos que acontece a aculturação das pessoas, dos jovens” e, seja pelo santo ou pelo padre, eles lutam, porque “a religião é um quadro de interpretação do mundo”.
Em tempo de eleições, a Feira dos 27, vai repetir o cenário, de uma parada política, onde os candidatos a deputados e a futuros autarcas se vão mostrar, misturando-se entre as figuras nobres e religiosas que se colocam num escadario presenciando a entrega dos prémios do concurso de gado; e como cristãos, não deixarão de ir à missa solene.
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