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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Rafael Oliveira: “Vejo a arte como o reflexo da alma do artista”

Economia

O jovem pintor vimaranense que colecciona inúmeras distinções nacionais, fala-nos do que o levou à arte, o que o inspira, perspectivas futuras e o que é ainda necessário fazer pela Cultura no país e em Guimarães.

Rafael Oliveira nasceu em Guimarães em 1996, cidade onde vive e trabalha. É licenciado em Belas Artes, na área da Pintura, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. As suas obras integram inúmeras exposições e concursos nas mais diversas instituições e galerias de arte. 

Congrega inúmeras distinções, entre elas o Grande Prémio Tapeçarias Ferreira de Sá, no 5º. Bienal Internacional de Arte de Espinho de 2019 e o VI Prémio de Pintura D. Fernando II de 2020. Também tem participação em projectos colectivos como Mon(s)tra e “Quarteto de pincéis para uma única tela”, em 2020.


A arte sempre fez parte da tua vida? O que é que te levou a te interessares pela pintura?

De certa forma fez parte da minha vida, sim, desde que me lembro e serviu como uma forma de escape, de algum apaziguamento em momentos de crise na minha vida. Eu acho que foi o desenho principalmente, a pintura acho que foi numa fase posterior da minha vida, mas o desenho serviu de apaziguamento desses momentos mais frágeis. Claro que depois isso tomou outras proporções a partir do momento que fui estudando mais arte e realmente ingressei no curso de artes visuais no secundário e a partir daí fui fermentando esse gosto pelas artes plásticas até chegar à vertente mais profissional.

De que é que falam as tuas obras? O que é que pretendes transmitir através delas?

Acima de tudo, e já o disse muitas vezes e continuarei a dizer, eu vejo a arte como o reflexo da alma do artista, eu acho que, acima de tudo, a arte deve mostrar honestidade, mostrar alguma genuinidade do próprio artista, eu acho que é isso que vai realmente ter impacto na vida das pessoas. Posso falar abertamente da base conceptual do meu trabalho, neste momento, a nova colecção aborda questões relacionadas com aquilo que me envolve, não só como artista, mas enquanto ser humano. Questões da sociedade, desavenças políticas, sociais e económicas que existem actualmente e daí esta colecção mostrar cenas de destruição, incêndios juntamente com figuras a aparecer em poses quase de submissão. E isto acaba por ser uma ponte, também, para aquilo que foram algumas das minhas vivências, nomeadamente na infância e na adolescência e daí ser mesmo o espelho daquilo que eu sou. 

Achas que isso que procuras passar é o que o público interpreta?

Eu tento sempre que haja uma interpretação própria, eu enquanto artista estou a ser honesto comigo próprio e o espectador, usando os mecanismos de observação que tenha disponíveis, seja honesto nessa observação. Acho que aí é curioso que realmente haja várias narrativas criadas de pessoa para pessoa, ou seja, nenhuma delas consegue, ou deve, criar uma ideia fechada do que é uma das minhas obras. Eu quero mesmo que haja esse leque de possibilidades que podem ainda acrescentar mais à obra e que pode não ter nada que ver com a ideia inicial que eu criei para a obra, mas é mesmo isso que eu quero. Porque a obra acaba sempre por ter ligações muito próprias com as nossas vivências passadas, claro que tem com as minhas, mas outra pessoa que vê a cena que eu tinha idealizado para um x tema, ainda que tenha uma vivência totalmente diferente, revê-se naquela cena que eu trabalhei.

📸 GA!

O que é que te inspira? Quais são as tuas fontes de ideias?

As minhas fontes acho que são o meu dia-a-dia, posso pegar nesta ideia do passado, da memória, a questão da nostalgia, acho que é algo que partilho aqui no espaço, mas, acima de tudo, aquilo que me rodeia actualmente. Eu acho que nós, enquanto artistas contemporâneos, devemos também pensar naquilo que é a nossa actualidade, não só emocionalmente, ou seja, nós próprios, mas também de um modo global e acho que é isso que me deixa com motivação para continuar. 

A tua irmã, Soraia, também é artista plástica. Como é a vossa relação enquanto artistas? Partilham opiniões, ajudam-se mutuamente?

É uma relação muito curiosa porque acaba por ser uma relação mais sensível àquilo que nos rodeia, e é bom, por um lado às vezes é difícil lidar porque, por ambos sermos sensíveis, podemos ter alguns desequilíbrios emocionais que podem criar algum conflito. Mas no bolo todo é uma experiência muito bonita porque nos leva a pensar de forma aberta das coisas e a discutir sobre o nosso trabalho de forma colectiva ou individual. Portanto, eu acho que é super importante e eu conto com ela sempre para me dar feedback aqui no estúdio e ela comigo quando tem os projectos dela. Eu acho que isso é uma relação muito bonita entre irmãos, é claro que, lá está, dois artistas são sempre difíceis de lidar, mas é curioso nesse aspecto, na questão da sensibilidade. 

É importante nós, enquanto artistas, termos essa coragem e essa vontade de ir mais além e testar os limites da arte.

Publicaste, recentemente, a versão final do teu auto-retrato de 2022, numa outra publicação mencionaste que tens assumido um ritual de todos os anos, fazeres um auto-retrato. Porquê? O que retiras disso?

Acaba por ser um ritual, sim, e uma provocação a mim mesmo. Venho a fazer desde 2015, no mínimo um auto-retrato por ano, houve anos em que fiz mais, e serve mesmo como uma auto provocação. Não estou a falar só na questão plástica ou técnica da pintura em si, mas sim uma provocação a mim próprio para me auto conhecer e ver as minhas mudanças não só físicas, mas também psicológicas com o passar dos anos. Eu acho isso um ato muito curioso e, às vezes, é um ato de coragem, posso dizer. Mas no final das contas a parte plástica tem muito peso porque permite-me abrir horizontes, lá está, o auto-retrato deste ano é totalmente diferente de todos que eu já venho a fazer há anos. E acho curioso isso que é permitir arriscar, e é importante nós, enquanto artistas, termos essa coragem e essa vontade de ir mais além e testar os limites da arte, neste caso na pintura é crucial para crescer. 

Para além da pintura, há alguma outra área das belas-artes ou artes plásticas na qual tens interesse ou te pretendas envolver?

Sim, eu trabalho maioritariamente desenho e pintura, mas, futuramente, espero este ano ainda ou no próximo voltar à escultura porque realmente é algo que sempre me intrigou bastante e tenho de voltar rapidamente porque a forma de expressão é totalmente diferente, aliás todas as áreas são diferentes umas das outras, podem ter algumas semelhanças entre elas, mas acabam por assumir uma diferença muito grande. Eu tenho a certeza que tenho de voltar porque recordo-me dos tempos em que eu esculpia deixava-me em paz, deixava-me livre e eu quero voltar a sentir isso na escultura novamente. 

O que é que significa para ti, como jovem artista, as distinções que tens vindo a acumular? O que é que representam?

Acho que é o fruto da dedicação e do compromisso, do sacrifício e da coragem, da perseverança e da resiliência que se tem de ter sendo artista emergente, artista jovem na altura. Eu acho que é literalmente isso, é o fruto de uma caminhada, por vezes, muito solitária, mas com foco e com uma visão muito grande. Eu acho que é importante, e isto é também uma dica para quem está a começar, para artistas mais novos que estejam a sair da formação, que é nunca desistir, ser mesmo resiliente e acreditar que o caminho é para a frente e não para trás, que há dias maus, há dias bons, mas o foco tem que estar lá. Eu digo isto a toda a gente com quem me encontro, mesmo alunos, porque hoje em dia temos tantas distracções e estímulos visuais fora do nosso contexto de trabalho, ou seja, pelas redes sociais, a internet e afins, que eu acho que temos que realmente nos focar naquilo que é a nossa paixão, naquilo que queremos, qual é o nosso propósito, nem digo objectivos, falo mesmo em propósito e eu acho que isso é algo que devemos colocar em cima da mesa para realmente encontrar a dita felicidade ou algo assim do género. 

📸 GA!

A Cultura passou por um momento difícil em contexto de pandemia, desde então tens visto melhorias? Achas que há mais ou menos apreciação pela Cultura depois de tantos meses quase sem ela?

Para mim a pandemia foi bastante benéfica no meu trabalho porque permitiu-me parar e pensar realmente quais seriam as próximas opções conceituais e no meu trabalho em geral, o que eu deveria seguir, também permitiu experimentar coisas novas, ou seja para mim foi bom nesse aspecto. Mas em termos culturais, fora do contexto de estúdio, não vejo ainda muita mudança, porque por vezes viajo para fora e sinto uma diferença abismal no tratamento da Cultura em relação ao nosso país. Claro que tem vindo a melhorar, mas ainda não é suficiente para que todos os artistas ou a maioria deles tenha subsistência para conseguir prosseguir os trabalhos. Eu acho que isso tem de partir também das entidades superiores para realmente permitir criar aqui um balanço e perceber o que é que será necessário e o que é que não será necessário. O orçamento de estado é um espelho daquilo que estou a falar, basta ver a posição da Cultura aí e uma sociedade sem Cultura é uma sociedade vazia, ponto final, é impossível uma sociedade crescer sem Cultura. Aliás, dá para ver pela pandemia, se as pessoas não tivessem livros, não tivessem séries, não tivessem filmes, se não tivessem música, se não tivessem exposições virtuais com é que iam reagir? Ia ser um colapso social literalmente. Quando paramos para pensar que todos esses realizadores e artistas estiveram lá a produzir para que as pessoas tivessem essa experiência artística, aí já olhamos com olhos de ver mesmo. 

É preciso tomar algumas atitudes mais agressivas para impulsionar a Cultura em Guimarães.

Parece-te que a pintura e as artes plásticas estão bem integradas no panorama/agenda cultural de Guimarães?

Não, não é suficiente ainda, estou a falar de forma transparente, não é suficiente porque acabo por assistir a outros contextos que me dão uma visão totalmente diferente daquilo que teria, talvez, há uns anos. Mas acho que o caminho ainda é muito longo para que Guimarães se torne um dos palcos das artes em Portugal, acho que é um caminho que ainda tem de ser traçado de forma muito calculada, mas que é preciso tomar algumas atitudes mais agressivas para impulsionar a Cultura em Guimarães, principalmente os artistas que estão cá e, claro, conheço alguns que já foram para fora por alguma razão, porque não é suficiente para realmente ter uma criação densa. É possível num período curto, mas eu falo sempre a longo prazo, estou a perspectivar isto para daqui a 5, 10, 15, o que é que será da Cultura aqui na cidade de Guimarães e eu estou a pensar dessa forma, pensar na coisa a longo prazo e colocar os artistas numa posição saudável no mercado e não em constante irregularidade. 

Tu foste um dos artistas, em conjunto com outros pintores, que beneficiou do programa IMPACTA. Seriam necessários programas ainda maiores ou ainda melhores para apoiar os artistas da mesma forma que esse programa apoia?

Sim, acho que sim. A minha participação nesse projecto veio do convite do Zé Teibão, não fui eu próprio que me candidatei, mas acho que é crucial para termos um desenvolvimento da área artística, mas não vejo que seja suficiente. Lá está, eu não vejo as coisas numa fatia pequena, tento sempre ver o bolo, e num ano inteiro, numa questão de anos, qual é o impacto que uma actividade, uma iniciativa dessas possa ter a longo prazo? Claro que é bom que haja essas iniciativas, mas ainda não é suficiente. Não é suficiente porque há excelentes artistas em Guimarães e ficaria triste se daqui a 5 anos um terço não estivesse cá, ficaria triste, mas realmente validaria aquilo que estou a dizer, mas espero que isso não aconteça, mas veremos, só o futuro dirá. 

Por falar em futuro, quais são as tuas perspectivas enquanto artista para o próximo ano, tens uma exposição a solo programada?

Vou fazer a apresentação da nova colecção que comecei em finais de 2021, será apresentada no próximo ano, no final do primeiro semestre ou inícios do segundo semestre, em Sintra. É para isso que estou a trabalhar agora, as projecções que estou a fazer é para aí e claro que as minhas intenções futuras, a longo prazo, daqui a uns anos, seria a internacionalização. Claro que gostaria de produzir em Portugal, mas a internacionalização acho que é importante para mim, para alavancar ainda mais o trabalho e mostrar a outro tipo de público, acho que isso também é importante porque a perspectiva que as pessoas possam ter sobre as minhas obras aqui será diferente em Espanha, será diferente em França, será diferente na China. Lá está, voltando ao início, o leque de narrativas possíveis seria totalmente diferente e eu acho que isso é muito curioso e é o testar, testar e ver no que vai dar. O meu foco é esse e estou curioso para ver qual será o resultado final da nova colecção. 

📸 GA!

© 2022 Guimarães, agora!


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