Este estudo português, coordenado no Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, mapeou as características e motivações de adultos mais propensos a se tornarem famílias de acolhimento, oferecendo novas orientações para a implementação de iniciativas de proteção na infância no contexto português. Com base numa amostra representativa da população, os resultados desta investigação têm o potencial de informar estratégias de recrutamento de potenciais famílias de acolhimento.
São 418 as crianças que atualmente vivem com famílias de acolhimento, mas de acordo com a campanha promovida em 2024 pelo Governo, mais de 6000 crianças em Portugal precisam de uma família de acolhimento. Neste cenário, informar as estratégias de recrutamento de potenciais famílias de acolhimento é essencial para garantir que mais crianças em perigo beneficiem do amor e do suporte de uma família de acolhimento.
Neste estudo, a equipa de investigação recorreu ao quadro conceptual denominado COM-B para compreender por que razão as pessoas ponderariam tornar-se famílias de acolhimento. Este modelo considera que o comportamento humano pode ser determinado por fatores a três níveis, aqui aplicados ao acolhimento familiar: Capacidade: se alguém tem as competências, os conhecimentos ou a capacidade física para acolher uma criança; Oportunidade: se o ambiente ou a situação em torno de uma pessoa torna o acolhimento possível, como ter o apoio da família ou acesso a recursos; e Motivação: se uma pessoa se sente inspirada ou motivada para se tornar pai ou mãe de acolhimento, e para cuidar de crianças em risco e perigo.
“Analisámos aspetos como a confiança das pessoas em relação à parentalidade, os seus traços de personalidade.”
A equipa de investigação auscultou uma amostra representativa da população portuguesa com mais de 25 anos (a idade legal para se ser família de acolhimento) sobre diferentes aspetos relacionados com o acolhimento familiar e, especificamente, com o modelo COM-B. De acordo com a autora principal Eunice Magalhães, investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte), “para compreender de que forma as pessoas se podem tornar família de acolhimento, analisámos aspetos como a confiança das pessoas em relação à parentalidade, os seus traços de personalidade e a sua saúde mental e física (capacidade)”, todos estes são fatores que influenciam a capacidade de alguém assumir responsabilidades de cuidado. Além disso, a equipa de investigação analisou o apoio social que as pessoas têm de amigos ou da família e o funcionamento da sua família (oportunidade) enquanto fatores que podem facilitar ou dificultar a disponibilidade para acolher e o processo de acolhimento. Para avaliar por que razão alguém pode querer acolher uma criança (motivação), consideraram razões comuns encontradas em estudos anteriores, como cuidar de crianças, querer apoiar a sua própria família ou razões pessoais. “Também analisámos o grau de familiaridade das pessoas com o acolhimento familiar, a sua disposição e intenção de se tornar família de acolhimento”, afirmou Eunice Magalhães. “Estes dados permitiram-nos identificar o grau de disponibilidade de alguém para dar esse passo”, explicou a investigadora.
Com base em todas estas informações, as pessoas foram agrupadas em três perfis diferentes, de acordo com a sua disponibilidade para se tornarem famílias de acolhimento. Joana Baptista (CIS-Iscte) esclarece que, em geral, “alguns participantes demonstraram elevada familiaridade, disposição e intenção de acolher, o que designámos como ‘Diligentes’; outros pareciam estar dispostos, apesar da sua reduzida familiaridade e intenção, o que designámos como ‘Disponíveis’; e as pessoas que apresentaram níveis baixos em todos os indicadores foram designadas como ‘Relutantes’”. Mas o que distingue estes perfis?
Os resultados revelaram que ter filhos/as e contacto com o sistema de proteção assim como níveis mais elevados de bem-estar social e de autoeficácia parental estão significativamente associados a maior probabilidade de uma pessoa se enquadrar nos perfis de maior diligência e disponibilidade. “Verificámos que os/as participantes estavam mais inclinados a considerar o acolhimento familiar, possivelmente devido a uma maior confiança no seu potencial papel parental ou a um sentido de bem-estar mais elevado”, afirmou Joana Baptista. Por outro lado, pessoas sem filhos ou sem contacto prévio com os serviços de proteção eram mais frequentemente classificados como relutantes.
“Garantir que as crianças em situação de vulnerabilidade encontrem as famílias alternativas de que precisam.”
O acolhimento familiar pode ser um ambiente familiar alternativo promotor de um bom desenvolvimento das crianças em perigo, potenciando as suas possibilidades de atingir o seu verdadeiro potencial. No entanto, a escassez de famílias de acolhimento continua a comprometer as possibilidades de crianças em perigo em Portugal e em todo o mundo se desenvolverem de forma mais adaptativa. Com base nos resultados deste estudo, a equipa de investigação enfatiza a importância de campanhas de divulgação direcionadas que promovam a sensibilização e destaquem motivações centradas na criança, tais como proporcionar amor e um ambiente seguro, assim como a perceção de auto-eficácia parental. Campanhas que recorram às atuais famílias de acolhimento como embaixadoras também foram recomendadas como uma estratégia promissora para acelerar o recrutamento de novas famílias de acolhimento. Idealmente, esses esforços devem ser adaptados a cada perfil. “Adaptando as estratégias de comunicação para se adequarem aos níveis de motivação e capacidade de diferentes grupos, podemos contribuir para minimizar a escassez de famílias de acolhimento de forma mais eficiente e garantir que as crianças em situação de vulnerabilidade encontrem as famílias alternativas de que precisam”, conclui Eunice Magalhães.
Este estudo foi publicado na revista científica Child Abuse & Neglect com a co-autoria de Patrício Costa (ICVS/3B’s; FPCEUP), Leonor d’Eça (Iscte), Mariana Matoso (Iscte), Vânia S. Pinto (Rees Centre, University of Oxford; Leeds Trinity University), Sofia Ferreira (CIS-Iscte) e João Graça (University of Groningen) e foi financiado pela Fundação “la Caixa” (Projeto: FP23-1B023).
Pedro Simão Mendes (Comunicação de Ciência – CIS-Iscte).

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