- Sónia Ribeiro, coordenadora da Comissão Coordenadora Concelhia de Guimarães do Bloco de Esquerda, faz uma análise da governação do executivo municipal do PS, da actuação política local do BE e do futuro do seu papel na política.
Que avaliação faz do actual executivo da Câmara Municipal?
Todos os partidos atravessam fases melhores e piores. O PS em Guimarães, e porque está no poder há muito tempo e com maioria absoluta, entrou numa fase que se pode chamar de manutenção. E digo manutenção, porque o executivo já não consegue inovar. Vão-se inaugurando uns relvados sintéticos aqui e ali, dão-se mais uns subsídios para isto e para aquilo, assinam-se uns protocolos com cidades europeias, como se isso resolvesse os problemas do concelho. É, portanto, um executivo que vai conduzindo o barco, mas sem alcançar outras águas, quer na fixação das pessoas quer nas mudanças estruturais de que Guimarães precisa para se afirmar perante os municípios vizinhos.
Que balanço faz da actuação do BE na Assembleia Municipal e na política local, no geral?
O Bloco de Esquerda propôs-se defender Guimarães e os vimaranenses nas suas intervenções. Na Assembleia Municipal assumimos o compromisso de debater os assuntos que consideramos mais importantes, tendo em conta o tempo para as intervenções, e isso impõem uma escolha dos temas. Quanto às iniciativas fora do âmbito da Assembleia Municipal, tentamos estar presentes e intervir sempre que possível, tendo em conta a dimensão da estrutura concelhia. Ainda assim, parece-me justo considerar a nossa actuação positiva.
Candidatou-se às eleições legislativas pelo círculo eleitoral de Braga para as legislativas de 2022. A Assembleia da República é uma meta a conquistar para si?
Sinceramente não penso nisso. Sempre que aceitei integrar as listas do Bloco, quer para as legislativas como para as autárquicas, foi sempre no sentido de contribuir para cenários, mas quando aceitei não foi com esse propósito. Aquilo que me move é outra coisa, que está cá dentro, e que nos leva a defender ideias e princípios para uma sociedade que queremos diferente.
Recentemente foi reeleita coordenadora da Comissão Coordenadora Concelhia de Guimarães do BE. O que é que esta reeleição significa e quais são os planos para o biénio 2023-2025?
Para já, significa uma grande responsabilidade, para tentar corresponder ao que esperam de mim os militantes e os simpatizantes do Bloco em Guimarães, isso por um lado, por outro, essa mesma responsabilidade perante os camaradas que aceitaram fazer parte da Coordenadora Concelhia. Para este mandato, e de acordo com o nosso manifesto eleitoral sob o lema Reforçar a Militância, Responder aos Desafios, pretendemos isso mesmo e que se reflecte nos eixos programáticos do combate à crise habitacional, à mobilidade sustentável, à neutralidade climática, no acesso de todos à cultura, na exigência de maior abertura, transparência e participação na governação local, a par com acções e iniciativas a realizar fora da zona urbana com vista ao fortalecimento do Bloco.
“O Bloco, os seus deputados e os seus militantes estão habituados a contextos adversos.”
Tendo em conta que o BE passou de 19 para cinco deputados na Assembleia da República nas últimas legislativas, que balanço é que faz da posição do partido na política nacional?
É evidente que estamos numa posição diferente. É natural que a intervenção sobre os vários temas seja condicionada pela redução do número de deputados no Parlamento, mas o Bloco já esteve representado em menor número do que actualmente e nunca deixou de responder aos problemas do país. Soubemo-lo fazer na altura e estamos a fazê-lo agora. Provavelmente, trabalham mais intensamente no acompanhamento necessário para responder às questões específicas de cada distrito e das que são nacionais. O Bloco, os seus deputados e os seus militantes estão habituados a contextos adversos. Actualmente a nossa prestação é positiva e em crescimento, pois assistimos à concretização das nossas previsões acerca da postura de soberba que a maioria absoluta trouxe ao PS.
Em que áreas é que Guimarães se tem desenvolvido mais? E menos?
Penso que talvez no turismo. O executivo adoptou a estratégia de tornar Guimarães num belo postal turístico. Mas parece que fica por aí. Não vemos novas indústrias fixarem-se em Guimarães, pelo contrário, algumas até estão a sair para concelhos vizinhos. Temos o problema dos transportes que não está resolvido por se mostrar incompatível com as necessidades das pessoas. A habitação, que não há meio de se resolver, nem os preços são suportáveis, nem a oferta é suficiente. No geral, o executivo não demonstra ter visão estratégica de desenvolvimento integrado com as várias áreas, que façam com que Guimarães ofereça melhores condições para um crescimento sustentado, de futuro e com capacidade de resposta.
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A via do AvePark do modo que está a ser planeada e justificada faz sentido? Porquê?
Não. Não faz. O que faria mais sentido era que a rede de transporte ferroviário e rodoviário funcionasse. A ideia da chave no bolso, defendida por Domingos Bragança até há bem pouco tempo, juntamente com a falta de políticas de longo prazo, fizeram com que as pessoas, por falta de resposta, tivessem sido obrigadas a usar carro próprio até se convencerem de que isso era a 7ª maravilha do mundo. Quando falamos de mobilidade, esse é o princípio que devemos observar em primeiro lugar, ou seja, se as pessoas têm ao seu dispor os meios necessários para deixar o carro na garagem. O AvePark, enquanto pólo de dinamização tecnológica, económica e industrial para o qual foi criado e por via das supostas empresas e agências que lá se instalariam, não se concretizou. Então, o Município adopta uma nova narrativa. Aqui chegados, é preciso justificar a fraca capacidade de fixar tecido empresarial com a questão da acessibilidade, e vai daí que a construção de mais uma estrada, uma via dedicada, surge como a tábua de salvação para o elefante branco que ali se criou. E, como já nos vamos habituando a que o Sr. Presidente, quando pensa em alguma coisa dá-a como certa, vamos lá expropriar terrenos, definir trajectos mesmo sem projecto aprovado, verbas ou competência para tal. Mas o pior nem é isso. O pior (e é sobre isso que as pessoas devem reflectir) é a forma como o executivo decide, sem um debate aberto e claro nem com os fregueses das várias freguesias, nem com os proprietários dos terrenos maioritariamente agrícolas, nem com os presidentes das Juntas de Freguesia, nem com as diferentes forças políticas, nada. Para nós, a via do AvePark, se chegar a ser uma realidade, será um erro ambiental, vai rasgar literalmente ao meio as freguesias por onde passa, vai por em causa o sustento de muitas famílias, vai destruir a vida natural que lá se encontra, e não vai resolver os problemas existentes. Pelo contrário, vai potenciar os problemas que agora tenta resolver, criando condições para a circulação de mais carros. Para terminar, seria interessante saber se a via do AvePark consta na candidatura a Capital Verde Europeia.
“A solução que melhor responde à mobilidade, quer do ponto de vista da capacidade, quer da durabilidade, é a ferrovia.”
O Fundo Ambiental aprovou uma verba de um milhão de euros para o projecto de ligação por BRT entre Braga e Guimarães. Parece-lhe que esta é uma solução apropriada para a mobilidade interconcelhos?
A resposta a essa questão exige que reflictamos sobre alguns aspectos: em primeiro lugar, do nosso ponto de vista, o BRT não é a melhor solução. A solução que melhor responde à mobilidade, quer do ponto de vista da capacidade, quer da durabilidade, é a ferrovia. Em segundo lugar, equacionar uma solução só para Guimarães e Braga, isoladamente do quadrilátero, será um remendo e não uma solução duradoura. Em terceiro lugar, estamos a falar de 1 milhão de euros para um estudo. Ora, isto é surreal. Guimarães, ou melhor, Domingos Bragança deixou que Guimarães levasse uma rasteira, ou distraiu-se de tal maneira que perdeu o comboio, como se diz na gíria. Para Guimarães um estudo, para Braga, por exemplo, segue já para a execução propriamente dita. O Sr. Presidente não gosta que se façam comparações com os municípios vizinhos, mas não deixa grandes alternativas.
Após a discussão pública do Plano Ferroviário Nacional, que conclusão tira acerca das prioridades do Município, partidos da oposição e do governo central nesta matéria?
Começo pelos partidos da oposição, e aqui tenho de fazer distinção entre os que são fiéis a uma linha de pensamento, nomeadamente o Bloco e a CDU, que sempre se bateram pela ferrovia como sendo o modelo que melhor responde às necessidades das pessoas, que melhor responde ao desenvolvimento enquanto garantia da diminuição da desertificação do interior e que melhor responde às preocupações ambientais. Para estes, a prioridade é a defesa do território tendo em conta os aspectos que referi. Depois, temos os partidos da oposição que não são fiéis a uma linha de pensamento, refiro-me à coligação PSD-CDS, e indo de encontro à nossa intervenção na Assembleia Municipal extraordinária, precisamente sobre o Plano Nacional Ferroviário, fizeram parte dos que apostaram no alcatrão e no consequente desinvestimento e privatização das principais componentes do transporte ferroviário. Para estes, a prioridade é alterar o discurso, adaptando-o ao momento num discurso eleitoralista. A prioridade para o governo central, parece ser por um lado economicista, sem resolver os problemas da mobilidade de forma estruturada e com visão de futuro. Quanto ao Município, perdeu a capacidade reivindicativa de soluções para Guimarães, aceitando pacatamente as decisões do governo central que prejudicam gravemente o concelho. Perdeu a oportunidade de, em conjunto com todas as forças políticas, pressionar o governo central para olhar para Guimarães como ela merece. É para isso que a política serve, para trabalhar em conjunto quando a causa é comum. Assim, a prioridade do Município torna-se para nós uma incógnita.
A sustentabilidade tem sido uma grande bandeira usada por este executivo. Parece-lhe justo tendo em conta o trabalho feito na área?
De facto, Guimarães tem concretizado muitas iniciativas sob a bandeira da sustentabilidade. Nos últimos tempos, quer nas comunicações na página do Município, nos órgãos de comunicação social e até no Relatório da Actividade da Câmara escrutinado a cada Assembleia Municipal, quer nas intervenções do Sr. Presidente, a sustentabilidade é abordada constantemente. Desde os vários protocolos assinados quer com cidades portuguesas, quer com cidades europeias, o executivo aposta no discurso verde, na reciclagem, na neutralidade carbónica, etc. Agora, se é justo ou não, depende das lentes que colocamos. E aqui, tenho de falar novamente na comissão de acompanhamento da candidatura de Guimarães a Capital Verde Europeia, é inevitável. E é inevitável porque, quer pelas declarações de algumas das entidades ouvidas, quer pelas perguntas que continuam sem resposta, mantenho algumas reservas. Além do que, quando se introduzem mudanças em áreas mais ou menos esquecidas, qualquer melhoria se afigura como espectacular. Sabemos que tem de se começar por algum lado e desbravar caminho, e isso tem sido feito, contudo, algumas empresas continuam a não fazer o tratamento dos seus resíduos, continuam a ser feitas descargas poluentes nos rios e o Sr. Presidente continua a dizer que não é nada com ele, quando sabemos perfeitamente que há um contrato com a empresa Águas do Norte e que se esse contrato não é cumprido o Município só tem que fazer aquilo que lhe compete, accionando os mecanismos ao dispor para que a empresa cumpra. É claro que a quem se pedem responsabilidades é ao executivo, porque não faz sentido fazer-se um esforço financeiro para uma frota de autocarros eléctricos e quando não interessa, dizer que não é nada connosco, sob pena de reiteradamente ser confrontado com isso e as pessoas não perceberem porque é que nada é feito.
Acredita que Guimarães será seleccionada como Capital Verde Europeia 2025? Porquê?
A resposta a essa pergunta é muito difícil. Por um lado, acho que todos gostaríamos muito que assim fosse, por outro lado, subsistem muitas dúvidas. Quanto à candidatura a Capital Verde Europeia, e até no âmbito da comissão de acompanhamento que foi criada, são mais as dúvidas que as certezas. Basta ver que a candidatura já foi submetida e ninguém sabe em concreto o que está diferente da primeira candidatura, de que forma foram corrigidos os indicadores que tiveram anteriormente nota negativa, que valores foram melhorados e como nos posicionamos nos novos indicadores introduzidos. A informação está no segredo dos deuses. Isso não é bom, e pode ter duas leituras: ou está tudo muito bem, e será a glória, ou o Município está ele próprio com tantas duvidas que, enquanto “o pau vai e vem, descansam as costas”.
A segunda revisão da Estratégia Local de Habitação (ELH) foi, recentemente, aprovada em reunião de Câmara, sendo que a primeira foi aprovada pelo IHRU apenas em Fevereiro. Faz sentido revisionar a estratégia tendo em conta o tempo que levou à primeira ser aprovada?
Não, não faz. A não ser que se olhe para esta revisão como reveladora do amadorismo na elaboração e planeamento de estratégias por parte do executivo. E não vale a pena justificá-la da forma como foi justificado. Em 2019 já os preços eram elevados principalmente no arrendamento, já a oferta era claramente insuficiente, já os moradores dos bairros do IHRU tinham denunciado as condições das suas habitações e já a CASFIG, empresa municipal, sabia das necessidades que todos os dias lhe batiam à porta. Aquilo que o Município vem dizer nesta proposta de alteração é que prefere comprar as fracções ou prédios habitacionais do que ser ele a construir. O Bloco defende que, uma das medidas que contraria este ciclo, é que seja o Município, com apoios comunitários e/ou com apoios do Governo, a construir. Dessa forma controla os preços e protege as pessoas do garrote da especulação imobiliária. Nesta alteração, levanta-se também a questão da pressão para o cumprimento das metas para a execução, estabelecidas para 2026, relativamente aos fundos de financiamento comunitário. É uma corrida contra o tempo, que a correr mal, é o executivo o único responsável. Ainda mais porque nem sequer podem invocar dificuldade de aprovação uma vez que têm maioria, e talvez seja também por isso que actuam com a sobranceria que é evidente.
Quais são os principais problemas a resolver na área da habitação?
O Governo lançou, recentemente, um pacote de medidas para combater o problema da habitação, pacote esse que é considerado por vários quadrantes ineficaz. O que é preciso é maior oferta, inventariar os imóveis propriedade do Estado e dos municípios que possam ser convertidos para esse fim, para numa actuação articulada criar as respostas que são necessárias. Não basta alterar o PDM para aumentar a área de construção sem balizar os preços. A nossa região é de pessoas que maioritariamente ganham o salário mínimo e não podem pagar uma renda que absorve metade do rendimento dos agregados familiares. Para quem decide comprar casa tem de haver intervenção no sentido de garantir que, face a um aumento acentuado das taxas de juro, as pessoas não sejam sufocadas pelo aumento da prestação, empurrando-as para situações de incumprimento. O direito à habitação é um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa, mas que, como muitos outros, tarda em ser efectivado por culpa da voracidade das políticas capitalistas e liberais.
Acredita que as desigualdades sociais estão a ser combatidas no concelho? Porquê?
A cada orçamento, o executivo faz dos apoios sociais uma bandeira. Não podemos desvalorizar as verbas alocadas a esse fim, mas isso resolve necessidades pontuais dos cidadãos que recorrem a essa ajuda e por motivos vários. Mas como dizia, resolve uma pequena parte do problema, o combate às desigualdades faz-se com políticas que eliminem os motivos dessas desigualdades, e o Município pode promover algumas dessas medidas. Pode por exemplo, promover uma articulação entre o IEFP e as empresas, pode colocar premissas na atribuição de benefícios tributários. Pode parecer pouco, mas um caso conseguido significa menos uma pessoa fragilizada.
“Eu nunca senti que o facto de ser mulher me dificultou ou favoreceu a afirmação.”
O executivo camarário tem, actualmente, mais mulheres em funções do que homens. Parece-lhe que a mentalidade na política está a mudar? Que avaliação faz do papel das mesmas?
Não sei se é a mentalidade na política que está a mudar, ou se são as mulheres que se impõem perante a mentalidade da política, que é ainda, maioritariamente masculina. Nós no Bloco, desde sempre assumimos isso como uma não questão. A elaboração das listas para os vários órgãos respeita a paridade. Eu nunca senti que o facto de ser mulher me dificultou ou favoreceu a afirmação. Quanto ao executivo ser composto maioritariamente por mulheres, considero-o uma casualidade e considero que estão confortáveis com o cumprimento dos objectivos a que se propuseram.
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