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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

“A Cultura é um direito inalienável dos cidadãos, com dignidade constitucional e que afirma a cidadania autónoma”

Economia

  • Ricardo Araújo, vereador do PSD na Câmara Municipal, lamenta que a recuperação do Teatro Jordão tenha chegado com 10 anos de atraso, que falhou o rumo depois de 2012 e entende necessário fortalecer a independência cívica do movimento associativo.

Como definiria o estado da Cultura em Guimarães?

Espero que em fase de retoma de actividade. A pandemia teve um especial impacto negativo em alguns sectores, um dos principais foi precisamente o da Cultura, onde a redução drástica e até mesmo paragem de actividade, a que assistimos durante um longo período, criou grandes dificuldades aos diferentes operadores, agentes culturais e particularmente aos artistas. O Estado não apoiou como devia este sector durante o período da pandemia, espero que agora sejam criados mecanismos de incentivo e aceleração da retoma progressiva de actividade, incluindo naturalmente apoios ao associativismo cultural. 

10 anos depois da CEC 2012 houve progressão ou regressão?

Houve progressão, ainda que não aquela que acho seria possível, desejável e expectável. Aliás, muito mal estaríamos se 100 milhões de euros depois (orçamento CEC 2012), tivéssemos ficado pior. Mas acho que poderíamos estar melhor, com excepção do período e impacto da pandemia, se tivesse existido vontade e determinação política da Câmara e do Estado central em prosseguir alguns projectos de 2012 e o investimento financeiro necessário. Bem sabíamos que os recursos financeiros em 2012 eram excepcionais, mas o Município devia ter acautelado a necessidade de alocar verbas nos anos subsequentes. A aposta na afirmação cultural de uma cidade necessita de tempo e sustentabilidade. Por outro lado, é inadmissível por exemplo que o Governo central continue sem apoiar financeiramente Guimarães no pós CEC, ao contrário do que faz com Porto e Lisboa que também foram Capitais Europeias da Cultura. Mas não vemos o Município com voz firme nesta reivindicação. 

O que nota de especial depois de 2012?

Depois da reabilitação urbana operada e do ano excepcional que foi 2012 em termos de programação cultural, Guimarães acrescentou a marca Cultura ao seu posicionamento enquanto Cidade Histórica e Industrial. Permitiu projectar Guimarães como uma cidade de cultura, trouxe centralidade deste sector para a agenda política e qualquer estratégia presente e futura para o desenvolvimento do concelho tem de considerar a dimensão cultural como um pilar obrigatório.

Apesar das transformações nas infraestruturas e nos equipamentos, a dinâmica cultural na cidade e no concelho de agentes beliscam o estatuto adquirido com a CEC?

Pelo contrário, Guimarães tem há muitos anos uma dinâmica cultural relevante através essencialmente de A Oficina e de diversos artistas e associações culturais nas áreas da música, do teatro, das artes plásticas, da etnografia e folclore, que são condição fundamental para esta afirmação de cidade de cultura. Ao nível das infraestruturas lamento que a reabilitação do Teatro Jordão tenha chegado com pelo menos 10 anos de atraso. A reabilitação do Teatro Jordão devia ter sido um projecto âncora de 2012, tal como a Escola Superior de Teatro e Artes da UM ou o Museu Afonso Henriques, projectando nacional e internacionalmente ainda mais a ligação de Guimarães à Fundação da Nacionalidade.

📸 Direitos Reservados

A programação desceu de nível e de ambição?

Não, considero que Guimarães tem mantido um nível de programação cultural aceitável e consistente ao longo dos anos, destacando-se naturalmente o papel de A Oficina, mas também de operadores privados como o CAA, o São Mamede CAE e as variadas associações espelhadas pelo território. Temos um conjunto de eventos âncora afirmados no calendário anual e uma oferta regular de iniciativas culturais que considero de boa qualidade. Mas claro, é possível sempre melhorar. Por exemplo, continuo a considerar que nos falta uma Feira do Livro anual, que promova a leitura, a literacia, os escritores e as editoras, um Centro de Estudos Vicentino que promova Guimarães e a ligação a Gil Vicente, uma maior afirmação e cooperação de Guimarães no seio da Lusofonia.

“Temos de criar condições para que Guimarães se projecte como uma cidade criadora de cultura, atractiva para os artistas se instalarem, viverem e produzirem.”

Quais os desafios da Cultura em Guimarães?

Infelizmente aos olhos de muitos a cultura é algo de supérfluo e dispendioso. A esses costumo responder que a falta de cultura custa normalmente muito mais, basta aprender com a História. Considero uma premissa fundamental a circunstância de a cultura ser um direito inalienável dos cidadãos, com dignidade constitucional e que integra a concepção de cidadania autónoma, do indivíduo emancipado enquanto cidadão. O desenvolvimento da nossa comunidade só pode ser conseguido se forem ponderadas as componentes económicas, sociais e culturais. Dito isto, posso destacar dois ou três desafios que temos pela frente. Primeiro, valorizar verdadeiramente um sistema misto, onde a dinâmica e oferta cultural de Guimarães resulta de um palco onde actuam entidades públicas (Município, Oficina), associativas e privadas, essencialmente em regime de complementaridade, capaz de assegurar uma programação cultural diversificada, acessível e descentralizada no território vimaranense. Isso implica por exemplo, capacitar e promover as nossas associações culturais, fortalecendo as suas competências. Isto faz-se com apoio financeiro público, mas também técnico. Há muito tempo que defendo que o Município devia criar um gabinete especializado de apoio às associações que ajude por exemplo em candidaturas, projectos e procura de novas fontes de financiamento. As associações culturais vimaranense, quando têm recursos financeiros disponíveis já demonstraram a sua capacidade de organizar e produzir eventos com o mesmo nível de profissionalismo que outras entidades públicas e privadas, muitas vezes de uma forma mais eficiente, porque estão habituadas a “fazer muito com pouco”. Segundo, o desafio da criação. Além da programação cultural de qualidade, temos de criar condições para que Guimarães se projecte como uma cidade criadora de cultura, atractiva para os artistas se instalarem, viverem e produzirem. Temos de começar por valorizar e apoiar mais os artistas locais, promove-los e atrair, captar talento artístico externo. Incentivar verdadeiramente as indústrias criativas, dinamizar bolsas de apoio, residências artísticas, espaços de co-produção são fundamentais para este efeito. Pensar de que forma vamos criar condições para, por exemplo, fixar os alunos de artes visuais e performativas da UM no final da licenciatura, para que aqui possam encontrar condições de se profissionalizarem e desenvolverem a sua actividade. Terceiro, o antigo e permanente desafio de continuar a formar mais e novos públicos. Por último, a gestão eficiente dos equipamentos públicos e assegurar uma programação cultural diversa, multidisciplinar de qualidade, capaz de atrair diferentes públicos e visitantes.

📸 Direitos Reservados

Não sente que se anda em busca de um rumo novo em vez de continuar a herança de 2012?

Acho que nalguns casos faltou rumo, claramente. Considero que infelizmente houve projectos de 2012 que não soubemos dar continuidade e outros onde o rumo foi ziguezagueante, como a Plataforma das Artes, onde em 2019 o presidente de Câmara ainda andava com reflexões estratégicas sobre o futuro deste equipamento e o número de visitantes andava longe do esperado.

“Guimarães tem no associativismo uma das suas forças mais importantes na afirmação e promoção cultural.”

Como avalia a cultura no seio de associações e a dinâmica dos agentes culturais?

Diria que já houve ciclos mais pujantes de dinâmica associativa. Vejo com preocupação o abrandamento de actividade de algumas das nossas principais associações e a perda de voz “escutada”, crítica e reivindicativa de alguns dirigentes. Recordo Santos Simões que dizia que a “dinâmica associativa livre e plural é a pedra angular da construção e do crescimento do regime democrático”. Talvez estejamos a precisar de um sobressalto associativo, comparável à mudança cultural que se verificou em Guimarães no final da década de 50 e na década de 60, depois de Santos Simões se mudar para Guimarães. Guimarães tem no associativismo uma das suas forças mais importantes na afirmação e promoção cultural, que precisa ser alavancada e apoiada. Augusto Santos Silva, numa conferência proferida em Guimarães há uns anos, identificou como pontos fortes do associativismo o enraizamento comunitário, o enraizamento no tempo, o voluntariado, a multifuncionalidade e a diversidade. Facilmente identificamos estes pontos fortes no movimento associativo vimaranense. No entanto, lamento por exemplo que projectos como o Tempos Cruzados (Programa Associativo da CEC 2012) e o modelo subjacente de financiamento, trabalho em rede, não tenha continuado, ainda que necessariamente de outra forma, com menos recursos. É necessário fortalecer a independência cívica do movimento associativo, dos seus dirigentes e dos agentes culturais. O financiamento regular público que sempre defendi e considero fundamental, complementar às fontes de receita próprias e privadas, não pode ser gerador de dependência do poder político, antes deve ser capaz de garantir a autonomia estratégica do mesmo. Para isso há muitos anos que defendo que os mecanismos de apoio devem ser públicos, regulares, transparentes, com critérios de atribuição claros, objectivos e com mecanismos de avaliação através de júris independentes.

📸 Direitos Reservados

Acha que o facto de as associações terem hoje sedes em quintos andares de prédios e caves, de a sede não ser lugar de encontro e troca de ideias prejudica a criação cultural?

A pergunta inclui do meu ponto de vista dois assuntos distintos. Muitas associações que hoje têm sedes, nasceram em espaços informais, em caves, garagens ou até espaços emprestados. Dou-lhe um exemplo concreto que conheço bem: o CAR, hoje uma instituição de referência em Guimarães, nasceu de um grupo musical – Ritmo Louco – formado a partir de um grupo de jovens que frequentava a então denominada “Escola Industrial e Comercial de Guimarães” e que dedicavam à musica os seus tempos de ócio, teve entre as suas primeiras sedes o antigo Café Mourão e mais tarde o Vitória Sport Clube, a troco da animação do espaço. As sedes são espaços importantes também para a criação cultural, são essencialmente espaços de encontro onde se constroem projectos colectivos. No entanto, o problema a que creio pretende referir-se é diferente e independente do espaço que serve de sede à associação. Tem que ver, julgo, com o surgimento de entidades que utilizam o instrumento jurídico associativo como personalidade jurídica, mas que verdadeiramente não têm o espírito colectivista, e que concorrem a apoios públicos municipais em igualdade de circunstância com associações com universo de associados muito maiores e histórico de intervenção comunitária incomparável. Não têm o tal enraizamento comunitário e temporal a que aludia Santos Silva. São antes projectos mais “individuais” ou de pequenos grupos, temporários, que muitas vezes não são voluntários, pelo contrário, visam obter forma de financiar os projectos e a remuneração dos próprios profissionais artísticos. Não vejo mal nisso, as realidades não são todas iguais, temos de criar instrumentos de incentivo que permitam outras formas de organização, temporárias e até mais informais, flexíveis. Considero, na linha do que referi anteriormente, que devemos incentivar as chamadas indústrias criativas. Quero ainda dizer claramente que, sendo eu defensor do incentivo à produção e criação cultural, sou também claramente defensor que os agentes culturais devem ser bem remunerados pelo seu trabalho. O que temos de fazer é tratar diferente o que é diferente e não colocar tudo no mesmo bolo de apoio. Temos de criar programas de apoio público distintos ou diferenciar através da ponderação dos critérios de avaliação.

“O problema em Guimarães muitas vezes é precisamente a ausência de estratégia, decide-se em função do momento.”

Acha necessária uma estratégia para se definir a política municipal? Se não houve estratégia para a CEC 2012 e ela aconteceu, tal como para a capital europeia do desporto, não teme que a estratégia para a cultura não seja como a do turismo que se fica por princípios e slogans e não tem aplicabilidade alguma?

Definitivamente, sim, considero fundamental a existência de uma estratégia. Uma má estratégia neste ou naquele sector, não justifica que não deva existir estratégia. Neste caso, área cultural, já vem é muito tarde. O problema em Guimarães muitas vezes é precisamente a ausência de estratégia, decide-se em função do momento. Organização de eventos pode fazer parte da estratégia, mas não é em si a estratégia. Talvez por essa ausência não tivéssemos aproveitado tão bem quanto devíamos a oportunidade da CEC 2012.

📸 GA!

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