Gunter Pauli não se escusou a um conjunto de perguntas sobre o tema que desenvolveu no Avepark. E que transportou para a sua conferência, em Lisboa. A sustentabilidade é algo que se explica com bons exemplos mas que se pratica com hábitos, novos hábitos. E todos nós somos tradicionalmente conservadores que não nos atrevemos sequer em pensar mudar.
Descreva-nos o que é para si a sustentabilidade e o que a justifica no mundo de hoje!
A sustentabilidade é a capacidade de poder responder a necessidades de todos os seres vivos na Terra, não apenas humanos. A Natureza tem direito de viver também. Com tudo o que cada cidade tem localmente. Isto justifica-se? Não, tal como não se justiça a pobreza, a fome, a falta de água.
O que é a “Blue Economy” (BE) e onde tem sido mais aplicada?
O país onde tem mais aplicação é na China. É um país com poucos recursos, tem uma população enorme e tem uma política de desenvolvimento que inova, cria novos conceitos e novas ideias. O conceito de BE é que fazemos tudo para responder a necessidades, fazendo-o com valor agregado. Não vamos responder às necessidades com um modelo económico de competitividade com preços muito baixos. A China está mudando essa lógica. Durante 13 anos fez tudo para produzir com preços muito baixos. Hoje a China deslocaliza a sua produção para a Indonésia, Cambodja, Bangladesh. E depois vende com valor acrescentado.
A Blue Economy poder-se-ia aplicar aos sectores económicos tradicionais de Guimarães: têxtil e vestuário, calçado e cutelarias?
É óbvio, pode aplicar-se em todas as actividades e sectores mas para poder aplicar este conceito, temos de ver para além do próprio sector têxtil, todos os outros recursos locais disponíveis. Há uma oportunidade de estudar o que esta localmente disponível se falamos de têxtil, um sector muito interessante. O que se está a fazer em termos de expansão de novos produtos, é a reciclagem de redes de pescador, o cultivo da alga para a transformar em fibra têxtil. A China já tem uma indústria muito importante para substituir o algodão por fibras de alga, com a vantagem de ser melhor para a nossa pele, é de boa qualidade, muito mais suave tem micronutrientes para a pele. O têxtil tem que pensar mais do que aquilo que foi enquanto indústria tradicional, tem de o fazer de uma maneira vertical e integrada, do têxtil do mar a um produto final. No calçado é o mesmo: já se produz calçado incorporando lixo de casulos de bichos da seda, um material de qualidade. O casulo tem uma propriedade que é contra cogumelos e isso é muito importante para a saúde do pé. Quando fazemos um novo calçado e tem esse produto de seda com benefícios para a saúde todo o consumidor vai querer. O consumidor não está disponível para pagar para a defesa do meio ambiente mas já está disponível para pagar para o seu bem-estar e para a sua saúde. Há muitos projectos novos de BE que têm a saúde no eixo das suas preocupações e um nicho de mercado. É uma questão central.
Isso implicaria apoiar-se mais na biotecnologia e na utilização de outras matérias primas, como as algas?
Tem a energia da transformação mas a tecnologia básica do têxtil serve para transformar as algas, não é preciso mudar muito, apenas a fibra é diferente, é mais uma oportunidade de fazer uma integração vertical que gera mais valor agregado, isso é a busca mais importante na transformação económica.
E nas cutelarias?
A Covid-19 proporcionou uma coisa interessante na sociedade: abriu a possibilidade e disponibilidade de todos nós pensarmos fora da caixa, há muito mais gente interessada em converter-se, em ser empreendedor, isso é uma novidade.
Em Portugal, nota alguns sinais de que a sustentabilidade e a Blue Economy estão a ser aplicadas?
Nos dois dias que passei em Portugal senti essa disponibilidade, é grande, os políticos e empreendedores têm fome, de poder ver novas oportunidades. Isto é um sinal de que a sustentabilidade vai ser adoptada e aplicada em Portugal.
A indústria têxtil-lar começa a incorporar produtos naturais nas suas fibras, canhâmo, frutas, bambu, é possível ir mais longe? Tem alguma ideia como?
Os produtos naturais são uma componente importante mas não são tudo. Incorporava nos meus detergentes um produto biodegradável mas não era sustentável ou simplesmente incorporar produtos naturais não é uma prova de sustentabilidade. A verdadeira prova de sustentabilidade é desenvolver um ecossistema de integração de várias indústrias, de vários sectores, de várias tecnologias, de multi-benefícios, isso é muito mais importante do que incorporar somente produtos naturais.
“Como vou pedir que a indústria ou a política seja sustentável se eu não aplico a sustentabilidade na minha vida…”
Como aplicaria o conceito de sustentabilidade no próprio ser humano?
Essa é uma pergunta muito importante. Como vou pedir que a indústria ou a política seja sustentável se eu não aplico a sustentabilidade na minha vida. O primeiro princípio da sustentabilidade é o positivismo, das pessoas e da sociedade. O que se nota é que as pessoas são pessimistas, são negativas, as pessoas não vêem as possibilidades na sua própria envolvente. A natureza sempre promoveu vida, os ecossistemas são feitos para promover vida. E a primeira coisa que temos de perguntar na nossa vida é se estamos promovendo a vida ou não. Em muitos produtos, em muitos hábitos não promovemos vida. O importante é falar com gente jovem, inspirar gente jovem, o mais importante para se implementar a sustentabilidade é assegurar que em cada dia falamos positivo com crianças e jovens, porque quando se fala positivo e com bons exemplos, vai inspirar uma nova geração de crianças, que vão pensar e actuar de maneira positiva para o meio ambiente.
“O problema é que a maior parte da população não tem vontade de mudar, somos muito tradicionais muito acomodados à vida de hoje…”
Há quanto tempo e de que modo introduziu a sustentabilidade nos seu hábitos de vida?
Podemos fazê-lo amanhã se tiver vontade. O problema é que a maior parte da população não tem vontade de mudar, somos muito tradicionais muito acomodados à vida de hoje. E o mais importante é fazer uma mudança de vida, dos nossos hábitos.
Que histórias poderíamos contar para mudar os hábitos das pessoas?
A aprendizagem do passado foi sempre feita com contos. Há muita informação que está em contos, não podemos fazer uma narração, de pergunta e resposta, temos de fazer uns contos. Umas histórias permitem que a gente imagine o próximo passo que é ser inspirado. Temos hoje a internet com a wikipédia, temos muita informação disponível mas não fazemos nada. Fazer implica saber como traduzir informação com o factor motivação, se não motivarmos não podemos fazer nada com a informação disponível.
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