O Guimarães Jazz… é o Guimarães Jazz. E pronto! Ivo Martins sorri, quando começamos a nossa conversa, desta maneira. “É uma boa frase” – exclama, sorrindo. De facto, 28 anos depois poucos esperariam que o festival de Jazz da cidade, fosse tão resiliente. E tão constante, com projecção nacional e internacional. E que resistisse a ventos e tempestades, a vaidades, e se tornasse num projecto de Guimarães sucessivamente assumido e adquirido por dirigentes políticos e associativos, com uma linha comum, uma linha recta que oscila mas não quebra ou se transforma numa curva. Ao fim destes – tantos – anos o Guimarães Jazz (GJ) teve muita coisa que o tornou estável, ao longo de décadas: o director artístico, a equipa organizadora (mais do lado da Câmara), o financiamento, um estilo e um repertório jazzístico quão imutável quanto dinâmico, uma escola e, por fim, um sítio – que apear de ter mudado – nunca colocou em causa o fiel da balança – o de fazer sempre cada vez melhor em função de circunstâncias objectivas.
O GJ tornou-se escola, de aprendizagem, também. “Aprendemos muito ao longo do tempo e porque o tempo é importante na vida e noutras coisas, aprendemos a fazer, organizar, planear” – revela o director artístico. Foi assim que o GJ se firmou e afirmou, traçou rumos – que o ajudaram a evoluir – e que Ivo Martins reconhece terem levado sempre o festival para o “bom caminho”. Olhando para trás e para a sua génese, identifica o momento em que começou “de forma hesitante, a partir do nada, com a força de um conjunto de pessoas que lhe deram vida”. Depois, sofreu a crise da sua evolução, mudando de sítio… para o auditório da Universidade do Minho – o primeiro grande salto – e mais tarde para o palco de hoje – o Centro Cultural Vila Flor – onde ganhou expressão e fama internacional. Os espaços e palcos onde, em cada ano, o GJ foi mostrando que estava vivo, foram com os anos, sementes que criaram raízes. “O espaço e o palco do GJ assumiu, assim, uma importância enorme na consolidação do festival, cujo impacto só agora se começa a medir ou a quantificar” – sustenta Ivo Martins.
Foi como que um passo de gigante, na conquista de público – para além dos seus eternos e fiéis adeptos, desde o seu início – que se tornou também na sua auréola e na sua marca. Hoje, o GJ já não é, nem mais um, nem um festival qualquer de Jazz. Ivo Martins destaca que quando o GJ se despediu do auditório da UM e se mudou para o Vila Flor “foi um salto enorme, incrível mesmo, em todos os aspectos, em termos técnicos, de audiência e tipo de público, nas facilidades de acesso e nas condições técnicas das instalações”. Apesar de comportar alguns riscos, esta mudança – porque um auditório da UMinho cheio com 500 pessoas não é a mesma coisa que o CCVF com as mesmas 500 pessoas. Porém, as clareiras que se supunha ficassem vazias, acabaram por se tornar úteis para que o GJ se constituísse também numa comunidade de amigos ou amantes do Jazz, ou mesmo de curiosos deste tipo de música. E até de fans! Vincando um ar de satisfação por perceber que, afinal, levar o GJ para um espaço maior, acabaria por lhe dar uma imagem de marca que o torna ainda mais apetecível, Ivo Martins lembra que também por aí, o “GJ se tornou numa máquina complexa, numa equipa que lhe dá permanente estabilidade, apesar de saltos de qualidade que possa ter, de edição para edição”.
“Tem sido sempre a crescer, é estranho como evolui ao longo de 28 anos, há uma certa estabilidade na equipa de base, criamos novos pontos de interesse”
Desta forma, o Guimarães Jazz foi sempre evoluindo, sem perder as suas marcas identitárias, ao fim de 28 anos. E sem perdas. “Tem sido sempre a crescer, – regozija-se naturalmente – é estranho como evolui ao longo de 28 anos, há uma certa estabilidade na equipa de base, criamos novos pontos de interesse”. E lembra-se que tudo começou com uma ideia simples: “Começamos por apresentar Jazz português com músicos portugueses, depois Jazz internacional e o festival internacionalizou-se; criamos uma Big Band com músicos portugueses e estrangeiros, num trabalho conjunto, que precisava sempre de mais tempo para se aprimorar, não havia nada de igual em Portugal”. Ivo relembra que a construção da Big Band “era um processo complexo para nós, sofria-se muito, mas também era extremamente duro para os músicos”. Mas nunca se perdeu nem a ideia nem o objectivo de ter uma banda a trabalhar para o festival em si. “Optamos por trabalhar com a ESMAE que tinha aberto recentemente um curso superior de Jazz e a partir daí a Big Band passou a ser composta por jovens estudantes de Jazz que tinham como colegas de orquestra músicos internacionais, reconhecidos e de qualidade”. E todos se integraram perfeitamente nas Jam Sessions, animavam a cidade. A instituição da Big Band do Guimarães Jazz, era em si também um projecto educativo e pedagógico, de ensino da música. E de experimentação.
O director artístico lembra-se como se passou do Jazz à introdução de músicos da “clássica”, numa associação que fundiu experiências e trouxe novos desenvolvimentos ao Festival. Aos “nomes” – do seu cartaz – escolhidos para cada edição, esta nuance – qual novidade – de juntar novos e velhos, experientes e caloiros, numa fusão (Big Band) dura até hoje, é o que torna o Guimarães Jazz especial. Esta forma de colaboração permitiu apontar para novas parcerias. O festival associa-se a grupos de músicos e não a um músico individualmente. “É por isto que eu digo que o Guimarães Jazz é um projecto, que não acaba, nem se esgota, consolida um estilo e uma abordagem que o torna vivo e dinâmico e se exponencia” – revela Ivo Martins ao jeito de quem sabe o que está a fazer. E que vai em frente contra ventos e marés. Foi esta filosofia de festival que permitiu que, hoje, anos depois, seja a Orquestra de Guimarães a beneficiar do estatuto de parceira do festival, há já três anos. “E sempre com um potencial enorme para desbravar”. É difícil dizer o que ainda falta ao Guimarães Jazz enquanto festival. Tem estilo, tem reconhecimento, tem longevidade, tem estatuto, tem qualidade, é pedagógico, anima a cidade, é um marco e uma marca cultural, abriu-se à internacionalização. Ivo Martins, destaca-o como “um tempo” em que “se fazem 13 concertos, em 10 dias, mas também são duas semanas em que para além dos 13 concertos, há ensaios, oficinas de Jazz, Jam Sessions. E em 15 dias, há um festival que movimenta 150 músicos – 90 deles portugueses – o que seria impensável há 20 anos atrás. E que evidencia como o festival deu um salto qualitativo importante”.
“O GJ tem quatro componentes que se soubermos continuar a gerir bem, podemos desenvolver infinitamente. Porque isto é um projecto e os projectos nunca se acabam… (e neste caso há a garantia de que a casa não vem abaixo): não queremos vínculos, para o ano podemos fazer outra coisa qualquer, não somos um festival temático, para um determinado tipo de Jazz, mas sim um festival aberto que quer transformar, mudar, alterar”. Sobre se esta filosofia de festival é uma ideia sua, Ivo Martins relembra os méritos da equipa organizativa e da sua massa crítica. Ano a ano – reforça – a experiência vai mudando tudo, pequenas ideias duram um ou dois anos e depois da aplicação prática dessa ideia, há um balanço. E aos fim de 28 anos, o que sentimos: “é que o GJ, também, é único”. Mais convictamente: “se quiséssemos fazer agora um festival igual era impossível, porque foi preciso um tempo para construir o festival, como ele é hoje”. Mas e comparar o GJ a outros festivais nacionais ou europeus? Não ajudaria a “testar” o seu padrão de qualidade, de referência? Sem hesitar, Ivo defende que “o GJ tem particularidades que não se vêm em qualquer festival na Europa ou em Portugal”. Nem no mundo. O testemunho dos músicos que todos os anos chegam a Guimarães para nele participarem é inequívoco. “Quase todos os músicos que passam por aqui e que conhecem o trabalho que se faz… incluindo o trabalho invisível que não se vê mas que se sente, é apreciado e louvado” – revela. A experiência de colocar em palco, a tocar, novos e velhos, portugueses e americanos, por exemplo, para além de único e inédito, revela que também há um lado “humano” – mais do que artístico – no festival que fomenta “um espírito de partilha” e que se torna numa boa experiência para os jovens músicos.
© Guimarães Jazz 2019, CCVF, Júlia Fernandes
“Não pedimos – defende – aos jovens músicos, coisas perfeitas, queremos que se divirtam apenas, que toquem por prazer e desfrutem da experiência e que gozem com ela. São valores que nada têm a ver com a vertente artística, mas com a sua felicidade que fazer parte de uma Big Band, ainda que por escassos dias, proporciona”. E sobre comparações com outros festivais? “Não estamos preocupados com os outros, não queremos esse tipo de competição, estamos a construir qualquer coisa, a fazer o nosso trajecto, o nosso caminho, a fazer coisas que podem ser boas”… Apesar do carácter experimental destas acções, o GJ não se desleixa. “Temos níveis e exigência alta, oferecemos muita coisa, como um concerto duplo e contribuímos para que o festival tenha uma massa crítica forte, feita ao longo dos tempos”. Sobre o público, Ivo Martins sabe que “o festival passa para fora, para a cidade, para o país, para a Galiza, para o mundo”. “Guimarães – afirma – é uma cidade associada ao Jazz. Este ano veio gente da Holanda, de Angola, para ver o festival e um ou outro músico em particular. E sabemos que quem vem ao festival são pessoas de outras paragens. Mais de 60% não é de Guimarães” – concluiu.
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