Há dias, alguém ligado ao MEM fazia uma pergunta muito pertinente:
O que é uma escola pública exigente?
Atirei-me à resposta da seguinte forma (tendo por convicção o ‘pode’ em vez do ‘deve’):
É uma escola que defende e respeita a individualidade de cada um dos seus alunos e que tenta fazer com que os mesmos, a partir das suas especificidades, se encaixem, ou se venham a encaixar, num puzzle que visa o bem comum, visando o bem de cada um deles.
Aproveitando o ensejo, porque havia uma série de perguntas do género, segui com o raciocínio, em formato texto:
A validação das aprendizagens através de testes ou exames apenas avalia a capacidade de memorização e sacrifício de cada um. Só. Transformar isto numa noção de capacidades e/ou sinal de inteligência superior é uma enorme falácia. Um voto de louvor aos Professores que vêem além ou muito além deste facilitismo;
A aprendizagem nunca é um acto individual: o que é individual é a conjugação das circunstâncias temporal, social/familiar, anímica e até motivacional em contraponto ao que é pedido/exigido. Um professor não tem o direito, ou melhor, o sistema não tem o direito de exigir a um professor que decida sobre quem tem ou deixa de ter, o que quer que seja, ignorando todos estes aspectos;
O aluno tábua-rasa não existe. Um aluno não tem de se adaptar a coisa nenhuma. Se a escola é compulsória, então que seja a escola, primeiramente, a cativar os alunos. Que se pare com o facilitismo de que é um sacrifício necessário ou um “tem de ser” só porque sim. É muito fácil atirar a responsabilidade para quem tem, compulsivamente, de se encaixar/engavetar;
O mérito defendido por esta noção da meritocracia é um sucedâneo da monarquia: visa legitimar desigualdades. Não existe mérito individual de coisa nenhuma, de nenhuma ordem: o mérito que existe é a soma de muitas partes, de uma roda que trabalha para um bem maior. Cooperação, entreajuda, solidariedade. Os cursos alternativos são tão válidos como qualquer curso: não há direito em tentar apoucar alunos, professores e cursos desta forma. Não é democrático;
Quando as empresas tentam influenciar currículos, estão a reforçar a ideia da criação deste modelo de educação, de índole industrial, criado no século XIX. O que mudou, afinal?
Os rankings, além de uma falácia completa, não têm ponta por onde se pegue, são a negação da democracia. A escola, e refiro-me à escola de todas as formas, não pode ser isto;
A escola não reprova quem não sabe: há muitas formas de saber. São essas formas que têm de ser valorizadas. A escola reprova quem não tem motivação (e que não tem de ter, a verdade é essa) para o seu currículo truncado. A reprovação é um retrocesso civilizacional;
Ora, chegamos ao ponto fulcral: pode a memorização substituir todo um rol de capacidades numa suposta gradação de importância? Fica a questão.
Uma escola que apela ao acatamento, é mais isso. Uma escola que nega o verdadeiro âmago do progresso: o erro, o risco e o questionamento.
Não me parece que a escola envie a aprendizagem para fora dela: a escola coloca refém todo um modelo de sociedade, que a tem num altar incontestado. A escola-sombra existe porque este modelo, com todas as falácias aqui elencadas, subsiste;
O currículo é uma forma de elitizar a escola, confundido sacríficio com foco, capacidade com memorização (ou afunilando capacidades até à peneira da memorização): uma peneira, um coador social replicador de desigualdades.
É isto, a meu ver, mais coisa, menos coisa.
Acabei por ser emparedado por alguém ligado ao ensino privado (eu não tenho nada contra o ensino privado), etiquetando-me, sem me conhecer, de maneira alguma, entre duas hipóteses: ou era sou um “tremendo fascista” ou um “tremendo preguiçoso”.
Isto, senhoras e senhores, num texto que apela ao poder da sugestão e que evoca a solidariedade, a cooperação e a entreajuda. Maravilhoso!
Como diria o saudoso António Variações, “é o que temos”.
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