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Segunda-feira, Abril 29, 2024
Alcides Barbosa
Alcides Barbosa
Mestre em Habitação e Urbanismo pela Architectural Association, foi professor universitário e diretor do Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo. Ativista da ecologia política, é membro da AVE - Associação Vimaranense para a Ecologia e da Rede para o Decrescimento.

O Lítio ou a Vida

De 10 a 15 de Agosto acontecerá o 3º Acampamento em Defesa do Barroso. Organizado por pessoas de Covas do Barroso e cercanias, parece motivado por interesses locais. Afinal, para ali foi recentemente aprovada a construção da maior mina a céu aberto da Europa, algo em completa contradição com seu estatuto de Património Agrícola da Humanidade, galardão auferido pelas Nações Unidas para poucas regiões do mundo com práticas rurais exemplares. Também a resistência à Mina do Romano entende-se claramente, pois consumirá e contaminará a água da agricultura, porá em maior risco animais em vias de extinção e criará apenas cerca de 80 empregos, a maior parte de grande insalubridade. Provavelmente os bons salários serão para especialistas de fora e, pior, já está previsto o esgotamento da exploração do lítio em cerca de 13 anos. E isso é semelhante a todo sítio onde há um projeto mineiro.

Covas do Barroso, 2022. 📸 Direitos Reservados

Porém, juntam-se aos moradores e moradoras locais movimentos como a Extinction Rebellion, Rede para o Decrescimento, Rede 8 de Março e outros, de âmbito nacional. Por que? O lítio não é importante para combater a crise climática? Uma nova indústria não trará desenvolvimento e qualidade de vida? A resposta, que parece paradoxal, é que não. Isto pode se perceber mais facilmente se for avaliado a nível planetário por um período mais alargado de tempo, que é o que vêm fazendo estudiosos do sistema terrestre estável (que inclui o clima, a biodiversidade, a água potável e outros elementos imprescindíveis para a vida como a conhecemos no planeta).  

Já é sabido que todo o lítio do mundo não é suficiente sequer para se eletrificar todos os carros do mundo.

Estes estudos foram avaliados pelo Painel Intergovernamental para Mudanças do Clima (IPCC), das Nações Unidas, que acabou por apontar que a única forma de se regenerar um equilíbrio ecológico e minimizar o aquecimento global é pela redução das atividades de extração de recursos naturais e sua consequente deposição posterior no ambiente, na forma de resíduos e poluição. Tudo que se produz é a partir da natureza e tudo volta para ela. As linhas elétricas precisam de cobre, os carros precisam de ferro, as baterias precisam de lítio, todos materiais não renováveis, cuja produção é altamente poluente e que estão fadados a se esgotar. Aliás, já é sabido que todo o lítio do mundo não é suficiente sequer para se eletrificar todos os carros do mundo. É uma destruição hoje que só transfere o problema para amanhã.

Também é sabido que a atividade humana já ultrapassou a capacidade de reposição e absorção pela natureza há pelo menos 40 anos. Ou seja, se os recursos naturais são como um lago a ser enchido por um ribeirão, ele está a baixar de nível a cada ano. Com a diminuição da humidade, o próprio ribeirão perderá vazão. Isto significa que, previsivelmente, ficaremos sem o lago e sem o ribeirão, seja em breve ou em algumas décadas. Ora, quando isso acontecer será uma herança macabra para nossos descendentes. Então, para que o lago não seque totalmente e que o ribeirão não morra, é preciso que a atividade humana deixe de crescer enquanto há água.

Para que eles se regenerem e voltem a ser abundantes, é preciso que a atividade humana seja reduzida. Em termos das mudanças necessárias, não significa tomar banhos mais curtos. O que os números do Estudo de Impacte da Mina do Romano mostram é que essa mina consumirá mais águas que todas as pessoas do concelho de Montalegre (!) para produzir baterias para carros que, em poucos anos, serão lixo tóxico. Isto é que tem que mudar, não os banhos.

O que está em causa na luta anti-extrativista não é apenas a destruição de comunidades saudáveis do interior ou a extinção do lobo ibérico. O que está em causa é um sistema económico que está a destruir o planeta e que anuncia que a única forma de resolver os problemas que criou é pelo crescimento da troca de mercadorias, mesmo que sejam lixo. O que propõem esses movimentos de resistência é que a resolução dos problemas socioambientais pode se dar pelo simples cuidado. Não há necessidades de indústrias para esse fim.

Cuidar da natureza pode regenerar o clima, cuidar das pessoas pode regenerar a sociedade. Lembra-se do auge da pandemia? Deixando de lado por um minuto o cinismo, sabemos que há coisas que o dinheiro não pode fazer.

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