Pensei muito sobre as linhas que preencheriam este texto: sabia o tema, sabia o conteúdo. Conheço razoavelmente bem a temática. Por isso, resolvi, pela primeira vez, citar um texto inteiro, um texto que resume, de forma cabal, quase tudo o que penso sobre o modelo tradicional e instrucionista de escola:
“Eu dei aulas durante 26 anos, mas não posso mais. Durante muito tempo, pedi ao conselho da escola para que me deixasse ensinar um currículo que não prejudicasse as crianças. Não me deixaram. Acho que basta.
Cheguei, muito lentamente, à conclusão do que venho ensinando: um currículo de confusão, classista, de justiça arbitrária, de vulgaridade, de desrespeito à privacidade, de indiferença para com a qualidade e de absoluta dependência. Ensinei crianças a encaixarem-se num mundo no qual não quero viver.
Não posso mais, é tão simples quanto isto. Não consigo preparar crianças para esperarem, apenas, que lhes digam como e o que fazer; não consigo ensinar pessoas que deixam tudo o que estão a fazer quando soa uma campainha; não consigo persuadir as crianças a sentirem qualquer justiça quando a mesma não existe, e não consigo passar às crianças a ideia de que os professores têm segredos valiosos que podem adquirir, tornando-se nossos discípulos. Porquê? Porque não é verdade!
A educação governamental é a aventura mais radical da história. Isso mata a família, monopolizando os melhores momentos da infância, desrespeitando o lar e os pais.
Um exagero? Dificilmente. Os pais não são encorajados a participar na nossa forma de escolaridade, apesar da retórica oficial, em sentido oposto. As minhas ordens, enquanto professor, são as de fazer com que as crianças se adequem a um sistema baseado no amestramento, como animais, de forma a não ajudar cada um a encontrar o seu próprio caminho.
(…)
Sócrates previu que se o ensino se viesse a tornar numa profissão formal, algo assim aconteceria. O interesse profissional é melhor servido quando se apresenta algo fácil de fazer parecer difícil; subordinando os leigos ao sacerdócio. A escola tornou-se um projecto vital, doadora de contratos e protectora da ordem social. Tem aliados políticos.
É por isso que as reformas vão e vêm, sem mudar muito. Quase nada. Mesmo os reformadores não podem, não conseguem, imaginar a escola muito diferente.
David aprendeu a ler aos quatro anos; Rachel, aos nove anos: no desenvolvimento normal, quando ambos tiverem 13, não serei capaz de dizer qual deles aprendeu primeiro – o intervalo de cinco anos não significa nada. Mas na escola, terei de rotular Rachel como “incapacitada” e retardar a ‘pressa’ de David.
Por um salário, ajudo David a depender de mim para lhe dizer quando ir e quando parar. Ele não superará essa dependência. Identificarei Rachel como “utente com necessidade de educação especial”. Após alguns meses, ficará presa a esse rótulo para sempre.
Em 26 anos de ensino, de crianças ricas e pobres, raramente encontrei uma com deficiência de aprendizagem; raramente conheci uma “especialmente dotada ou talentosa”. Como todas as categorias escolares, são mitos sagrados criados pela imaginação humana. Derivam de valores questionáveis que nunca examinamos, pois preservam o templo da escolaridade.
É este o segredo por detrás dos testes de resposta curta e memorizada, campainhas, uniformes, agrupar por idades, padronização e toda a ‘religião da escola’ que pune a nossa nação.
Não há uma fórmula; há tantas maneiras quantas as das impressões digitais. Não precisamos de professores certificados pelo estado para fazer a educação acontecer – assim, é mais certo que a mesma não funcione.
Quantas mais evidências serão necessárias? As boas escolas não precisam de mais dinheiro ou de um ano mais longo: precisam, isso sim, de escolhas reais, de variedade que responda a todas as necessidades, de correr riscos. Não precisamos de um currículo nacional, nem de um teste nacional. Ambas as iniciativas são consequência da ignorância de como as pessoas aprendem.
Não posso mais. Se souberem de um trabalho em que não tenha de castigar crianças para ganhar a vida, avisem-me. Até lá, vou procurá-lo.”
John Taylor Gatto escreveu este artigo para o The Wall Street Journal, a 25 de julho de 1991.
Podemos fazer uma revolução pacífica, mas não é possível realizar uma revolução sem causar atrito.
Amanhã, em Guimarães, pelas 16 horas, no auditório da Universidade do Minho, será apresentada a Associação Nova Escola. Pela mudança positiva.
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