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Quinta-feira, Dezembro 12, 2024
Paulo Branco
Paulo Branco
Mergulhado mais de duas décadas no urbanismo e arquitectura, acostumou-se a reflectir sobre a organização humana e os seus efeitos em muitos sítios e cidades, alguns Países, e num único planeta que reclama uma mudança profunda de comportamentos. Amante da leitura e da música, acredita (ingenuamente) que o progresso assenta no desenvolvimento cultural e espiritual do indivíduo e das sociedades esperando que um dia o trabalho seja verdadeiramente libertador e a harmonização entre pessoas e o meio artificial e natural constituam a maior fonte de equilíbrio e felicidade.

BAZUCA

O Luca colou o nariz à janela pela quinta vez desde manhã. Farto do encarceramento, refugia-se no pequeno quarto fugindo às rotinas da salinha e cozinha onde os progenitores passam horas pasmacentas, por vezes tensas, entre vapores de portáteis e panelas a garantir o sustento. A escola apesar das chatices, e do professor de matemática, sempre tem pessoas da minha idade, pensa o Luca.

O pai, do Luca, depois de limpar a última garfada, olha de soslaio para a mesa onde brilha o monitor a convidar para mais uma tarde – bolas, a malta da empresa é chata com ó caraças mas ainda assim sempre se diz uns disparates desopilantes…

A mãe, farta de arrumar as coisas do Luca, e do pai, ainda tem que ligar a mais dez clientes – pelo menos no escritório sempre entra alguém diferente a lembrar que o mundo é maior do que esta prisão de quatro paredes.

No meio da nervoseira, Toni, o gato, leva um desopilante piparote.

Esta é uma qualquer família a teimar entre dias a seguir a dias, enfadada pelo beco sem saída dos últimos tempos. Possivelmente, na volta à “remediada normalidade”, não reencontrará tudo como estava – o professor de matemática perdeu-se num corredor de hospital, o colega menos chato foi dispensado e a redução de clientes fechou o escritório.

O país, meio fechado, permanecerá em larga parte encerrado pela onda de falências…

É da normalidade que aí vem que se receia um murro na boca! O país, meio fechado, permanecerá em larga parte encerrado pela onda de falências. Fábricas, restaurantes, comércios e serviços, sempre dependentes do mercado global e de um exacerbado turismo, podem retomar tarde demais ou exigir um reforço que só uma bazucada de obus multivitamínico pode permitir.

O que nos irá faltar? Somente tapar buracos com subsídios num ímpeto imediatista gerador de dívidas e dúvidas sobre a real eficácia?

Ou, por outro lado, integrar toda a sociedade (partidária ou não) e aproveitar o momento para lançar reformas estruturais – que não esqueçam as debilidades endógenas de ordenamento e coesão territorial – criando-se as fundações e as dinâmicas de valorização de cidadania, educação e cultura que nos tornem atentos, criativos, geradores de estratégias de fuga ao eternizado confinamento económico?

Estamos para ver se o Plano de Recuperação e Resiliência envolverá equitativamente um território heterogéneo ou se apenas destina o obus a duas ou três regiões esboçando tímidas pinceladas nas “periferias”.

Em Guimarães, onde vive a família do Luca, seria bom perspectivar sinergias acrescentando carga e massa-crítica promotoras de (mais) marca(s) de valor acrescentado a nível regional e inter-regional; um dia, o eixo Lisboa-Aveiro-Porto-Famalicão-Braga (…Galiza) vai trazer a Alta Velocidade a 20 km de distância e não chegaremos lá a pedalar ou sentados num metro de superfície!

É este o momento em que pensamos voltar à “normalidade” de um mundo que, viciosamente, vai rodar em desequilibrantes velocidades de lobbies, parcerias ou isolamentos.

E então? Desconfinamos ou perdemos o comboio?

Pensemos nisto. O Luca vai gostar… e o Toni também!

© 2021 Guimarães, agora!


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