A arquitectura imita a vida (cliché) elevando-se ao capitel da Arte ou agachando-se ao plinto da sobrevivência. Na sua materialidade abriga pobres, acomoda ricos, é casulo, casa, palácio, sala de espectáculos; é a Opera de Sydney, a Tate Modern, a Casa Milá ou o quartel, o centro-social, a “moradia”. A arquitectura é o gaudio da exibição, o primor da razão, o sofrido exercício da humildade ou o Kitsch – o Cliché.
Arquitecturas – prédios, armazéns, casas!
Casas, há-as “de Sonho” – cheias, gordas, a abarrotar de coisas, com a língua de fora, como os gulosos (cliché); são os salões (de-não-estar), as mega televisões, os quartos e quartos, os escritórios, banheiras-jacúzi, sanitas, lavatórios e bidés-concha, arrumos, despensas e frigoríficos fartos, gordos, até não faltar nada…ah, e as sacadas, porches, varandas enormes; e as escadarias, fartas de caracolar, o salão do piano parado, a piscina dos 10 dias por ano, o jardim imaculado, o relvado bem regado…e os carros. Ah, que inveja..! E pronto!
É isto?
A Arquitectura difere das demais Artes pelo cumprimento de regulamentos e finalidades práticas – o suporte da vida humana (e animal, e vegetal, o abrigo mecanizado. A pedido, veicula o autor com o cliente condicionando-se naturalmente a expressão das emoções, conceitos de beleza e funcionalidade restando, no final, uma certeza: a obra, interactiva, ficará por um longo tempo exposta ao deleite, à indiferença ou ao escárnio. Esta é a maldição e, paradoxalmente, a riqueza de uma profissão que se obriga a saber dosear ingredientes e processo de cozedura sem deixar perder o sabor (ou o apetite) na edificação do sonho. E que pratos gourmet se tem conseguido (cliché)!
A casa de sonho não deve ser (apenas) um hino à primazia térmica, ao baixo consumo energético, ao exercício da reciclagem, à redução de emissões nocivas, à boa formulação de espaços, à mestria do controle da luz doseada com os mais belos cerâmicos; não será, sequer, a Shangri-la do Plexiglas, objecto ultramoderno, inédita e fascinantemente pendente de uma falésia ou a sobrevoar um ribeiro em boa-forma aerodinâmica; ou sequer, será a Iemanjá da singela cabana junto à praia, entre as dunas e os canaviais (cliché). Na verdade como saber, sequer, se a Casa de Sonho é um lugar, um ritual ou um tempo? Ou a harmonia entre pessoas que aprenderam a harmonizar-se com o mundo ou, ainda, a serenidade enamorada de alguém a contemplar uma simples parede que, aquecida pelos últimos raios do sol, num contraste de sombras e brilhos, odores e surpresas tímidas, simples, musicais, se vai fundindo pouco a pouco no mar até para lá do horizonte (cliché)? Como saber se poesia sólida se faz de betão, madeiras, ferro e vidro?
Mais nada?
Como dizia Heidegger, entre a Terra e o Céu (…) o homem habita mergulhado na estranheza de tal maneira que qualquer forma de familiaridade, ou do “sentir-se em casa” são apenas modos de encobrimento desta arraigada e inescapável estranheza. Cliché? Acho que não.
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