Há muitos vimaranenses retidos nas suas residências num gozo de férias e feriados forçado e fastidioso. Sobrevivem e tentam viver para além da ameaça e chantagem que o vírus provoca nas nossas vidas.
Texto de: José Eduardo Guimarães
É um descanso que ninguém deseja porque aborrece. Não é uma paragem a seguir a um período maior de exercício profissional. São folgas forçadas que empurram os cidadãos para o conforto do lar, vivido em sobressalto porque ninguém sabe quando e onde o vírus ataca.
Por isso, é um desconsolo esta quarentena e este descanso igual a preocupação e temor. Todos estão na sua trincheira, sem saber quando começa a guerra – a da infecção – contra o inimigo, numa guerra biológica, para a qual não temos todas as armas necessárias, para lhe fazer frente.
Acantonados, confinados, quais presos em liberdade, os cidadãos pouco se movem, apesar de se notar que alguns ainda fazem umas caminhadas, vão ao café da periferia ou da aldeia e ao supermercado, desconfiados, uns atentos à distância que devem manter para com o seu concidadão, outros, sempre com pressa – mesmo neste cenário de vírus à solta – dispostos a passar à frente, sem respeitar ordem de entrada nos locais onde há comida, bebida e… papel higiénico!
O único escape, é mesmo o Facebook, onde casais se exibem ao jeito de participantes num campeonato de cerveja, ao lado dos filhos. “Mais uma, ainda há ali stock…!” Outros – cidadãos políticos – passam o tempo, a verter informação em catadupa, em editais digitais, com “ordenações” administrativas, determinações do presidente, não da Junta, de coisas banais, algumas postas em execução pelo governo ou pelas câmaras municipais, convencidos que o “povo” vai ler tanta informação debitada sem critério, repetitiva, copiada, a esmo, e cansativa, embrulhada em campanhas de marketing, sem qualquer efeito. E com um sentimento de preocupação a merecer avaliação. Há quem se entretenha, ainda, a duplicar informação falsa, a partilhar generalidades, banalidades e mentiras, não aproveitando o que de melhor tem a internet: a de permitir absorver a muita informação que bem pode servir para educar e formar, esclarecer.
Por fim, as “bocas” e “tiradas” – algumas de mau gosto, outras criativas – também as há – que se juntam a grupos de indignados e inconformados com a posição do governo, do parlamento e da Câmara, num jogo de devia “fazer assim e assado”. Tal como se fez ali e acolá.
Cá fora, na cidade, de manhã ou à tarde, a mesma calma porque à noite o cenário é mesmo de silêncio absoluto, apesar da luz que ilumina praças e ruas. Uns autocarros de transportes públicos a serpentear as ruas sem passageiros, alguns a transportar dois passageiros em 50 lugares, outros em carros ligeiros para fazer algo, e os que trabalham, obrigando-se àquele percurso nas suas deslocações.
Guimarães – cidade e arredores – padece do efeito da bomba de neutrões: os edifícios estão no ar e as pessoas que andam na rua mais se assemelham a sobreviventes, os únicos a aguentarem com a deflagração da bomba.
É um cenário triste e frio, tal como se vê no centro histórico, sem animação, com cafés e restaurantes fechados, lojas de comércio envergonhadas – porque sem clientes – serviços acantonados – como bancos ou seguros – onde o atendimento se faz mais pelo telefone e email do que pela presença do cidadão comum.
Um bancário amigo, revela que “o atendimento virtual, por um dia, aguenta-se mas depois torna-se banal e muito aborrecido porque todos acabamos por vestir a albarda do fantasma” – confessa. Na farmácia, a compra de medicamentos, só não é feita por senha porque o abastecimento está regulado e só não se permite aglomerações de pessoas. No supermercado, também não faltam produtos essenciais – menos o papel higiénico – mas o acto de comprar, não tem o encanto de outrora, é feito à pressa, de luvas nas mãos, máscara a cobrir a boca, e o cumprimento não tem afecto, é curto e rápido. No comércio tradicional, o cenário é de vergonha porque os estabelecimentos estão fechados e de cortinas corridas. Não é a mesma coisa como se fosse Domingo ou feriado.
Todos vivemos “uma vida que não é a nossa”. Até os robots seriam mais felizes neste cenário, dantesco, desumano…
Todos vivemos “uma vida que não é a nossa”. Até os robots seriam mais felizes neste cenário, dantesco, desumano.
Paulo, faz uma pequena viagem comigo, pelo centro histórico, separado em pelo menos dois metros, procuramos um café, para uma conversa trivial mas humana e própria de amigos. Andamos com uma passada mais larga que a habitual, sem saudar ninguém. Ele ainda aproveitou para ir à costureira buscar uma peça de roupa. E no retorno da nossa viagem, ao ponto de encontro, o mesmo cenário, com o frio do tempo a bater-nos na cara, a conversa a tagarelar, a pressa instintiva a empurrar-nos para um lugar de solidão, porque “viver” na cidade, àquela hora, não tinha o sabor de outros tempos. O vazio da paisagem parecia empurrar-nos para um lugar qualquer, desconhecido, só para esquecer que, afinal, também, nós éramos dois solitários, numa cidade grande, mas sem gente e actividade.
Durante, os cerca de dez minutos, que estivemos juntos, filosofamos sobre o efeito viral na nossa vida do “Corona”. E da sua influência no que é mais básico no nosso habitat de ser humano. Ele, dizia, com estranheza e alguma mágoa: “Ontem fui visitar a minha mãe e nem um abraço lhe pude dar, influenciado que estou com tudo o que se diz sobre a força de um inimigo comum, local e global”.
Ainda tivemos, mais uns minutos, para falar sobre o efeito Corona, nos nossos afectos, nos nossos sentimentos e no amor, coisas de que todos dependemos para ser humanos. E que exercitados nos torna gente feliz.
“Até à próxima” – dissemos ambos com a incerteza que estes tempos provocam, não indiferentes à ameaça e à chantagem que o vírus Corona coloca sobre as nossas vidas como uma espada de Dâmocles.
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