É um dos “gurus” do pensamento moderno ligado à inovação, a quem alguém apelidou de Steve Jobs da sustentabilidade. Passou por Guimarães, a caminho de Lisboa, para participar no maior evento da inovação sustentável. No Avepark participou numa mini-conferência com António Vasconcelos da Planetiers e Ricardo Costa, vereador do desenvolvimento económico da Câmara Municipal.
“Uma cidade com felicidade é aquela onde todos devemos ser úteis” – defendeu, num encontro com as empresas “Guimarães Marca”, no Avepark, na véspera da conferência da Meo e do Crédito Agrícola, sobre inovação sustentável. Gunter Pauli, um cidadão belga, natural de Antuérpia, fundador da organização Zero Emissions Research and Initiatives sustentou, que, pelo nosso exemplo, também “devemos inspirar os jovens”.
Deu vários exemplos, de organizações com sucesso na adopção de princípios e práticas de sustentabilidade e de inovação. Organizações simples, como uma cooperativa produtora de uvas, até a um grupo pesqueiro artesanal, de pesca à linha, que transformou uma reserva piscícola de 5% numa concentração de peixe 100 vezes maior.
O método para tal êxito foi simples: a captura de peixe, pelo sistema de pesca à linha permitia aos pescadores decidir se peixes fêmeas, eram mais úteis em reprodução do que para consumo ou transformação. A partir daí passaram a devolver ao mar, todas as fêmeas grávidas, cheias de óvulos, garantindo um aumento de produção de peixe que foi crescendo à medida em que controlavam as suas capturas.
Este exemplo ganhou força na comunidade piscatória e serviu para os mais jovens que adoptando este sistema acabaram por dedicar apenas cerca de quatro horas do seu dia na sua tarefa de pescar o que precisavam para a sua alimentação deixando o restante peixe no mar.
Foi, quiçá, com esta ética de uma captura artesanal, inovadora e sustentável, e não industrial que souberam passar a mensagem para os mais jovens que a comunidade teve sucesso. “Os mais jovens – explica- são mais destemidos e decididos” a mudar o mundo, onde todos se sentem úteis.
Estes dois exemplos serviram para uma coisa simples: “temos de falar mais com as crianças e os mais jovens”, mesmo sobre qualquer projecto económico, porque todas as crianças motivam e são, mais tarde “eles que nos podem proporcionar uma vida mais simples”.
Num português, algo espanholado, Gunter Pauli expressava-se de uma forma clara, com um pensamento limpo, nas áreas onde se tornou referência mundial: a inovação, a sustentabilidade e a economia azul.
“Não é por acaso que é um dos pais da economia circular e um dos 10 nomes mais sonantes da circularidade, na forma business (negócio)” – atalhava Ricardo Costa, sentado ao lado de quem dá prazer de ouvir. Dando muitos exemplos da ilha da Cornualha, no norte de Inglaterra, pelas suas práticas neste sistema de vida, mais amigo do ambiente e noutras cidades e regiões.
Neste percurso de vida, na defesa de um mundo mais verde, citou mais exemplos. Um deles é aproveitar “os activos” que temos guardados e dados como perdidos, reutilizando-os ou reconvertendo-os.
“A circularidade começa na circulação do dinheiro” – afirmou para que se possam criar interdependências na actividade económica. É por aí que começa “a circularidade disruptiva, criando valor, pois, não podemos ser apenas os tipos que fabricamos e não valorizamos o que produzimos”.
Para os que “pensam fora da caixa” e sobretudo pensam localmente, alcançando todas as potencialidades do meio onde se insere, nomeadamente os investidores locais, defendeu que “o futuro para Portugal não são apenas os serviços e o turismo, a indústria tem um papel importante a desempenhar” como se viu nestes tempos de pandemia.
Deu o exemplo, da indústria petroquímica que esgotada numa determinada região deu lugar à industria de bioplásticos, nascida, precisamente, numa antiga fábrica do sector.
“A infra-estrutura existente produzia calor e pressão mas com ela podíamos transformar ácidos com óleo e fazer bioplásticos”. Foi isso que aconteceu e com esta nova indústria nasceu uma nova unidade que hoje dá emprego a 855 trabalhadores.
Nos exemplos que conhece de utilização de energia renovável, capaz de permitir a transformação “da realidade da economia local”, Pauli nunca esqueceu como a velha fábrica de petroquímica morreria sem utilidade, se não houvesse quem pensasse “fora da caixa”. E quisesse tornar-se empreendedor e investidor na sua região. Por isso, constata que “quando pensamos que não tem futuro… tem futuro!”
O famoso empreendedor belga, não se ficou por aqui. Falou de como é importante “pensar fora da caixa”. Lembrou que a energia renovável, primeiro era eólica, agora é solar… “Todos compreenderam que o interessante da energia eólica não estava no seu armazenamento… mas no vento que a produzia. E na direcção com que se movia”.
Pauli explica que foi assim que nasceu o “sky sals water” uma tecnologia eólica que foi ajudando a perceber a direcção do vento e o modo como ele poderia ser aproveitado na produção de energia.
“O petróleo não tem futuro contra este tecnologia” – avisa. Com a energia gerada por este sistema, faz-se a conversão para hidrogénio, em cerca de 40%, dando exemplos já consolidados na Alemanha (Hamburgo) e no Japão. O que Gunter Pauli quis evidenciar é que “toda a indústria tem futuro… se os industriais pensarem que tem futuro”.
Durante a sua palestra vestiu, uma capa feita com redes de pescadores, que custa 100 euros e é feita com nylon que custa 5 euros. Lembrou exemplos de empresas espanholas a produzir estes produtos têxteis… o que eles fazem “é entender o mercado e saber o que o consumidor quer”.
Não se coibiu de dizer que “a Zara é passado, o cliente jovem é mais sensível a produtos reciclados, com nylon ou outros produtos, porque comunga do princípio de que o planeta tem de ser defendido” – sustentou com um leve sorriso. Já mais como empreendedor que também o é, Pauli incitou as empresas a pesquisar sobre nichos de mercados para os seus produtos. E a criarem “histórias… que motivem, com o coração, a explicar os seus artigos, porque assim vendem-se melhor”.
Deixou claro que todas as empresas “têm histórias únicas, extraordinárias e são essas que têm de ser aproveitadas” nas estratégias de marketing.
Sobre o têxtil, deu mais exemplos de matérias primas sustentáveis. Falou da utilização de algas marinhas em cortinas. As algas podem dar um fio especial, as suas células podem ser aproveitadas enquanto produto biológico, permitem que se façam produtos confortáveis para o corpo, com temperaturas adequadas e que não agridem a pele.
“Isto é uma revolução”
A questão da energia também entrou nesta conferência de cerca de duas horas, organizada pela Planetires. António Vasconcelos, interrogou Pauli sobre esta questão, fazendo notar que “nem tudo é digital” e a questão base é mesmo “sobre a densidade energética que precisamos em todos os modelos económicos para garantir a rentabilidade”.
Já sobre o papel dos investidores locais, o autor do livro “Economy Blue” – onde expressou o seu pensamento e filosofia sobre a sustentabilidade aliada à inovação e apela a uma maior acção do movimento verde, o que se regista é que Gunter Pauli acredita neles “como uma nova geração que quer mudar a economia da sua região”. Reconhece-lhes a preocupação com a sua terra e com a circularidade da economia e do dinheiro.
“Se um banco está a ganhar muito dinheiro é porque a economia está mal” – afirmou.
Sobre o papel das universidades e dos seus investigadores, Pauli acredita que “não podemos convencê-los sobre uma certa ideia porque eles têm a sua, estão fechados. Veja-se o caso dos plásticos no mar. Nenhum engenheiro produziu até hoje, uma molécula, que degrade o plástico e não cause estragos no mar”. E todos sabem como degradar no mar é diferente de degradar no solo.
Enquanto o conhecimento científico não for partilhado “e se tornar aberto e sistémico” a academia vai continuar a ser fundamental mas não pode ditar todas as leis. Citou bons exemplos, de integração da academia na sociedade, como em Itália, no desenho de sistemas industriais integrados. “É ali que existe este curso, único no mundo” – informou.
“Não podemos continuar a pedir às universidades que apresentem ideias para mudar o mundo. As ideias têm de vir dos empreendedores…”
Na mesma conferência, António Vasconcelos, voltou a intervir dizendo que Portugal tem de ter acesso ao melhor conhecimento do mundo. E que o país tem de estar na primeira linha da procura desse conhecimento. “Não podemos continuar a pedir às universidades que apresentem ideias para mudar o mundo. As ideias têm de vir dos empreendedores e a academia deve trabalhar com eles”.
O país andará mais para a frente quanto mais “o empreendedor for livre, mas a nossa burocracia não deixa que quem empreende seja livre”, o que levou Ricardo Costa a acrescentar que “as universidades não podem viver de forma isolada, têm de ser os políticos e as empresas a desafiar os universitários, para enfrentar os problemas do mundo”.
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