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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Cultura: pandemia afecta a alma do “g’noc noc”

O “g’noc noc” ressurgiu transformado, fora do seu sítio, afectado na sua alma, à 10ª edição.

Não foi o mesmo “g’noc noc”, de sempre, por muito que a associação “Ó da Casa!”, seu organizador o tentasse e desejasse.

O “g’noc noc” intimista, irreverente, espaço de diálogo cultural, de exposições, de obras quase secretas de alguns autores, diversificado, com várias propostas e muitas singularidades artísticas e culturais, com o cartaz que convocava para a fruição cultural fora das salas de espectáculo e abria outros espaços a este “gozo” da cultura, informal, aberto, não podia realizar-se por causa da pandemia que estilhaça o nosso modo de viver.

O que se viu foi pouco, nada excêntrico, talvez com a criatividade possível mas não a desejada, sem a irreverência de jovens autores limitados que ficaram à fotografia, pintura, artes plásticas e pouco mais.

Quase remetido para um modelo de “g’noc noc” de garagem, com limitações nos acessos, condicionamentos de mobilidade, a 10ª edição do maior acontecimento cultural livre que a cidade vem acolhendo, também se tornou vítima da Covid-19 porque se “engaiolou” em dois pisos do parque de Camões, uma solução contra o tempo – de chuva – nada favorável, às visitas andantes e sucessivas, a casas e equipamentos, sede de associações, onde se experimentava a cultura em doses diferentes.

Sim, o “g’noc noc” deixa-nos saudade, por se ter assumido, evento e espaço de liberdade, de cultura não massificada mas criativa, dinamizadora do talento mais jovem e mais artístico, oportunidade de afirmação para jovens artistas mostrarem e evidenciarem a sua ousadia e arrojo culturais, que representem impulsos individuais mas sejam também reflexo de trabalho associativo.

Em quantidade e qualidade, a 10ª edição do “g’noc noc” seria sempre limitada porque o estado, quase de sítio, a que a pandemia nos obriga, não motiva a irreverência nem estimula a criatividade. Reagimos, quase como protesto a um estilo de vida – que era o nosso – a uma vivência humana e de grupo em que a sociedade se funda e não agimos com naturalidade porque o medo nos assola, controla, limita e condiciona.

© GA!

O efeito da Covid-19 é mesmo anti-“g’noc noc” porque tende a destruir a sua essência e a abalar a sua alma.

Valha-nos a nossa memória, para ver o “g’noc noc” à luz das edições anteriores, com o mesmo espírito e irreverência quanto baste. Mas – convenhamos – não é a mesma coisa.

Nesta edição, comemorativa pela data e número redondo de anos de vida, quem passou pelo parque de Camões, fê-lo ao jeito de um transeunte que vagueia pela rua, passando o olhar pela montra, pelo carro que passa, pelas pessoas que deambulam. Não o fez como um consumidor cultural, aberto a coisas novas, capaz de apreciar o que o espírito criativo vimaranense produz, de avaliar e julgar. Não teve ensejo de subir e descer escadas, de andar de rua em rua, interessado na melhor proposta que o evento podia oferecer.

O “g’noc noc” 2020 não foi de visitação mas de contemplação passiva, protocolar, para ver mas não para sentir. O seu conceito conceptual de evento, em espaços diversos, capaz de surpreender e arrebatar, chamar e motivar foi traído pelo tempo… que vivemos!

Enquanto evento fora da caixa, o “g’noc noc” esvaziou-se face ao fulgor do passado, quer em propostas novas, quer no número dessas propostas. Muitos diriam que o “g’noc noc” 2020, devia ser repetido porque não passou de um mero ensaio. Não foi aquele “à parte” habitual que se distingue em Guimarães.

© GA!

Admitimos todos e os que gostam muito do “g’noc noc” que esta edição seja mesmo um passo atrás para dar dois em frente… porque ninguém quer deixar de ver ou perder este evento, vivê-lo sequer condicionado e apertado.

Mais importante do que figurar na agenda, o “g’noc noc” deve permanecer na memória, fazer parte da história, ser um alerta para o modo como sentimos, experimentamos ou vivemos a cultura – e o tipo de cultura associado, porquanto este evento é mesmo o mais livre e onde o talento de todos nós se pode exprimir, expressar e viver, em total liberdade e sem cátedras.

Na música, no teatro, nas artes plásticas, na dança, na fotografia, no artesanato, o “g’noc noc” continua de portas abertas para a criatividade e irreverência por muito que espelhem uma certa dose de arte urbana e citadina, que não é, nem será, nunca o espelho único da nossa cultura enquanto comunidade.

© 2020 Guimarães, agora!

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