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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Um tempo de música e representação

Numa das suas obras publicadas, o compositor e maestro Manuel Ivo Cruz (filho) afirma que a ópera surgiu em Florença no Carnaval de 1598, considerando-se que a primeira obra (no moderno conceito do termo) é “La Dafné”, com texto poético de Ottavio Rinuccini e música de Jacopo Peri.


Contudo, este género de misturar a música cantada e a representação, apenas chega a Portugal na primeira metade do século XVIII. D. João V iniciou um processo deliberadamente orientado para a renovação da vida musical portuguesa. Em 1717 criou a Escola de Música do Seminário Patriarcal, que seria o mais importante estabelecimento de ensino musical, até ao liberalismo.

António Teixeira (1707-1774) que foi bolseiro em Roma, com fundos da Patriarcal, regressa a Lisboa e inova a linha do teatro cantado, escrevendo óperas populares em língua portuguesa, então levadas à cena no Teatro do Bairro Alto (também apelidado de Casa dos Bonecos). Com a dramaturgia de António José da Silva (o Judeu), juntos escrevem a ‘ópera-joco-séria’ Guerras de Alecrim e Manjerona, em 1737. Por outro lado, Francisco António de Almeida, outro bolseiro, opta pela ópera menos popular, palaciana, com libreto italiano, e escreve La Spinalba, que estreia dois anos mais tarde no Paço da Ribeira.

João de Freitas Branco cataloga a primeira (e outras que se seguiram) na linha das peças com música; e a obra de Francisco António de Almeida como ópera pura, onde tudo acontecia com música: os recitativos e as árias.

No reinado de D. José, a ópera teve igualmente um grande destaque, o mesmo acontece no reinado seguinte, o de sua filha, D. Maria, inaugurando-se o Teatro do Salitre, em Lisboa, corria o ano de 1782. Em 30 de Junho de 1793, inaugura-se o Teatro de São Carlos. Cinco anos mais tarde, abre ao público o Teatro de São João, no Porto, no dia de aniversário do príncipe regente, 13 de Maio.

O principal movimento lírico português oitocentista estava assegurado nestes dois teatros reais. Em 1867 é inaugurado o Teatro da Trindade e por ele passam óperas, operetas, bailado, música concertante e teatro declamado. Estreavam-se várias composições e assim cresce o gosto cultural. Durante a primeira metade do século XX, “o banhista de bom-tom” apoderava-se das salas e salões e é neles que se reúne, conversa, ouve música, assiste a sessões de cinema mudo, uma vez que o sonoro apenas surge em 1927.

O empresário, dramaturgo e jornalista António de Sousa Bastos (1844-1911) foi “um importante reformador da revista à portuguesa” e “antecipou-se aos grandes produtores nacionais e internacionais” do espectáculo, afirma a autora da sua biografia, Paula Gomes Magalhães. A investigadora, na nota de abertura do livro, sublinha que o biografado é “um dos nomes que maior participação e influência tiveram na dinâmica teatral”, especialmente nos últimos 25 anos do século XIX, realçando o seu contributo como autor do “Dicionário do Teatro Português”, “Carteira do Artista” e “Recordações do Teatro”, que são hoje obras essenciais para o conhecimento do território teatral nacional.

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Na opinião da investigadora, Sousa Bastos “foi inigualável no seu tempo, consolidando a revista como género de eleição e tornando apetecíveis operetas, ‘vaudevilles’ e peças fantásticas”. Foi “precursor das bem oleadas máquinas teatrais que dominariam os palcos lisboetas” e “antecipou-se aos grandes produtores nacionais e estrangeiros, que deixariam marcas como Luís Galhardo, Lino Ferreira, Paul Derval, Jacques Charles, Charles Cochran e Florenz Ziegfeld”.

Sousa Bastos era “avesso à contratação de estrelas”, sendo antes ele que “elevava os seus artistas à mais alta condição dos palcos nacionais”, casos da espanhola Pepa Ruiz ou Palmira Bastos, com quem se casou. Referindo-se à mesma biografia, Paula Gomes Magalhães afirma que a investigação se centrou nos periódicos da época, nos quais é possível identificar e quase experienciar a ambiência de tempos passados.

Em meados do século XIX, Paris faz surgir um novo tipo de estabelecimento de diversão nocturno: o cabaret. Elegante, urbano e propício à sociabilidade artística, onde a boémia (estilo muito próprio de vida, claramente não convencional para a época, mas alegre e despreocupado), marcava lugar de destaque. O “Chat Noir” – uma desses retiros, reconhecido como o primeiro cabaret moderno e que se situava em Boulevard Rochechouart, n.º 84 em Montmartre, bairro da cidade de Paris. Este espaço era da propriedade do empresário Rodolphe Salis e foi inaugurado em 18 de Novembro de 1881.

Segundo a historiadora Cecília Vaz, Montmartre vai ampliando o raio de actuação de Hydropathes, clube literário parisiense, fundado pelo jornalista e poeta Émile Goudeau (1849-1906), e que existiu com maior protagonismo entre os anos de 1878 e 1880. Poder-se-á afirmar como um espaço fértil para as correntes artísticas modernistas e de vanguarda.

Para Concetta Condemi, o café-concerto depende quer da regulamentação do preço das bebidas, quer da censura (as canções são submetidas a aprovação), quer ainda da regulamentação dos teatros (trata-se de um espectáculo). O álcool e a possível bebedeira, a canção e a eventual contestação, a presença de mulheres atraentes nos limites da prostituição só podiam atrair os olhares dos polícias.

António Jorge Lé
Jornalista e historiador

Texto publicado no âmbito do projecto “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

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