(urbano e habitacional) (parte I)
Invariavelmente, os textos já escritos e partilhados remetem para a importância que o tempo tem “nas nossas vidas e nas nossas cidades”, determinando e condicionando fortemente as respectivas qualidades da vida individual e do espaço urbano.
O tempo, tido como sucessão de instantes e retrato de um ambiente, é um conceito relativo e subjectivo que só é entendível se conjugado e interpretado em função das suas três perspectivas dominantes: (1) o tempo meteorológico enquanto síntese do estado da atmosfera; (2) o tempo de contexto, ou seja, a macro realidade que nos envolve e suporta; (3) o tempo individual feito tempo meu, de segundos, minutos e horas, que giro e disponho em função das minhas necessidades e capacidades.
Não há tempo absoluto, antes o equilíbrio entre estas três perspectivas do tempo que, em doses nem sempre iguais, marcam um momento e uma época, dir-se-á que dão expressão e densidade à expressão tantas vezes repetida “sinais do tempo”.
O tempo meteorológico suporta a nossa actuação e gera o ambiente envolvente. Condiciona ou motiva, potencia ou dificulta “se faz sol ou chuva”, se está frio ou calor, e afigura-se tão incontornável quanto indomável.
O tempo de contexto reflecte o momento e “o que se passa à nossa volta”, sendo hoje quase unanimemente reconhecido que este tempo de contexto é tempo pandémico e “covidiano”.
O tempo individual é o ritmo das nossas vidas, dos nossos compromissos e desencontros, das nossas necessidades e projectos e, seguramente, é o tempo do usufruto e da apropriação.
O tempo d’hoje é, consequentemente, um tempo reflexo desproporcional destas três perspectivas, não escondendo o seu efeito pandémico sobreposto à azáfama do quotidiano ou o tempo invernoso próprio de fevereiro. Tempo esse que nos leva ao confinamento e isolamento, à negação da socialização e do espaço público. Tempo provocador de medo, quer pelos efeitos que gera, quer pela falta de recursos que, sucessivamente, vamos percepcionando para combater o vírus. Tempo demorado que exige paciência e resistência, mas não se compadece com abrandamentos ou paragens.
Tempo que nos levou a viver a habitação como provavelmente nunca vivemos e que nos tirou o espaço público como, seguramente, nunca imaginamos.
Para as nossas cidades, este tempo vem revelar a conjugação de duas realidades: (1) o apagamento do espaço público quando não tem pessoas e a confirmação de que o primeiro só faz sentido e só tem razão de ser em função da existência das segundas – as pessoas; (2) a debilidade do nosso espaço habitacional, ora no seu dimensionamento e enquadramento urbano, ora na sua construção e comportamento infraestrutural. Ou seja, agora que não passamos tempo algum (ou não devemos) no espaço público e que passamos tempo demasiado (ou necessário) no espaço habitacional, descobrimos o quanto é importante é a praça e o largo, a rua e o jardim que tanto desvalorizamos e pouco utilizamos; o quanto desconfortável e impessoal é o nosso espaço habitacional…
A constatação desta realidade leva-nos a uma pergunta inevitável: porquê? Porquê não passamos tempo suficiente no espaço público e rentabilizamos todas as suas potencialidades comunitárias e de socialização? Porquê desvalorizar o espaço habitacional, não o preenchendo dos necessários cuidados urbanísticos, programáticos, construtivos e de conforto? Pergunta que parece uma contradição e uma incoerência… e que urge, cada vez mais, responder para a redefinição da nossa relação com estes espaços físicos tão vitais para nós: o espaço público e o espaço habitacional.
É convicção de que a resposta a esta pergunta não é fácil nem linear, antes complexa e multiplicadora de possibilidades de resposta, que nos transportam para outras perguntas e dúvidas. Mas não deixa de ser fundamental para encontrar a matriz causal para inverter esta situação.
Sobre o espaço público, regressaremos a ele com mais acuidade, noutro tempo e modo, quem sabe se já inundado de pessoas e abraços. Sobre o espaço habitacional, identificam-se várias possibilidades causais, desde a desvalorização do projecto até à falta de fiscalização, passando por uma adulteração das opções projectuais, ausência de valorização de tudo aquilo que “não se vê”, entre outras…
Reflectir sobre esta realidade é obrigatório e determinante se queremos um futuro melhor. Porque, como escreve António Barreto (Público, 30 janeiro ’21) (e ousando a apropriação e adaptação das suas palavras) “é muito difícil estudar estas realidades. Em muitos casos, terá de se estudar por vias indirectas e aproximações. Mas tem de se fazer… É bom saber o que se passa, para poder agir e prevenir”.
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