Depois de umas atribuladas férias confinadas à realidade do momento, pouco menos de um mês bastou para que as baterias se descarregassem quase por completo; no reencontro com aquilo que já não era “a vida normal”, assistimos a um aprofundamento da crise sanitária e social esperando-se para breve outros impactos pouco positivos.
As pessoas temem o futuro! Face a incertezas inéditas, e muita inércia, todo um chorrilho de desgastantes profecias e vaticínios, miríades de opiniões avisadas e parvas, tanto vão suscitando a devida cautela quanto vão disseminando uma mais que prescindível confusão.
Um certo “jornalismo paroquial” e, sobretudo, as redes sociais que – como caricaturou Umberto Eco – “vieram dar voz aos imbecis”, abrem válvulas ao descontentamento ao mesmo tempo que, com maior ou menor carga moralista ou ideológica, dão voz a demagogias e ódios substituindo os discursos da Ágora política (entre adversários), por confrontos extremados entre “inimigos” entrincheirados numa agressiva pequenez. São as colagens a teorias da conspiração, bisbilhotices mais ou menos galácticas, uma eminente guerra fria – a espelhar uma nova bipolarização à escala global – e muitas outras “diversões” disruptivas apenas favoráveis a propagandas populistas que vão galgando terreno.
É a homogeneização, o nivelamento por baixo, o ataque à propriedade privada ou ao mérito individual, por um lado, ou as promessas de ordem, segurança e disciplina com sugestões de castração ou esterilização, por outro, discursos que jamais poderão participar na paz e estabilidade sobretudo quando (re)florescem no medo e desordem que aprofundam.
Esta tende a ser, para já, a face perturbadora da (ir)realidade do difuso e negativamente “admirável mundo novo”; a deriva numa modernidade a que Zygmunt Bauman apelidou de líquida, maleável fugaz e frágil que tudo relativiza e afasta do essencial desígnio colectivo – a união (ainda que heterogénea) no combate mundial, europeu e patriótico à crise que ameaça os pilares das sociedades.
Pensará o leitor que, na obsessão pela crise, se promove o “status quo”. Antes diríamos que nos estaríamos a demitir da responsabilidade de cidadãos livres se não expressássemos (enquanto nos é permitido) a necessidade de elevar os discursos e promover as ideias sem recurso à manipulação, ao negacionismo ou à ameaça aspirando antes retomar, com a participação de todos, os genuínos valores humanistas pelos quais tanto sangue se verteu.
E se é verdade que em geral as democracias estão em “baixa”, não pela essência (creio), mas pela decadência na praxis, é na reabilitação da sua verdadeira pluralidade e ética que deveremos lutar contra esses monstros pandémicos e divisionistas que visam enfraquecer a unidade dos povos e a estabilidade dos Estados de Direito.
Entretanto, e de novo em Trás-os-Montes, a abrir a porta a um desconhecido que vem à vindima – essa saudável actividade comunitária, agora acautelada pelo distanciamento social – penso no título deste artigo.
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