Eram pouco mais do que crianças (sendo que, no meu entendimento, ser criança já é tudo). As férias de Natal tinham chegado há uns dias, o tempo estava fraco e ocupar as horas nem sempre se adivinhava tarefa fácil, mesmo com imaginação de pernas ligeiras.
A Tia Natália, soubera-se há uns dias (fruto da curiosidade em bico própria da canalhada), havia sido presenteada com uma embalagem de Ferrero Rocher, e das grandes. Quarenta e oito chocolates estaladiços, embrulhados em luzidia película, guardados no guarda-fatos do seu quarto.
Talvez oferecidos por um admirador, por um namorado ou por uma amiga. O que importa? Acabariam na barriga de alguém, isso sim.
- São para a Véspera de Natal!, escutaram, em exclusivo, da boca da Tia, uns amontoados no sofá da sala de entrada, outros deitados sobre as passadeiras que se estendiam pelo soalho da velha casa dos Avós.
É possível que faltassem uns três dias para a Véspera de Natal. A Tia Natália foi arranjar-se para a casa-de-banho, que ficava no extremo oposto da casa. No imediato, dois capitães da asneira, arautos do intrépido e da maluqueira, enfiaram-se no seu quarto, amanhando-se, como podiam, por debaixo da pequena cama. Silêncio total, o que não deixou de ser um milagre. Alguns dos que cá fora se achavam não conseguiram evitar umas furtivas risadas.
Veio a Tia Natália para o quarto, pegou nos seus casaco e saco, trancou, à chave, a porta, e seguiu a sua vida (foi às compras ou assim).
Dentro do quarto, e já em pé, os moços atiraram-se aos chocolates que jaziam no guarda-fatos. Com a porta trancada, evaporaram-se por uma janela (para o exterior). Como havia um muro do lado de fora, não foi complicado. Dali ao alpendre da entrada da casa era um tiro, e, num piscar de olhos, já os quarenta e oito chocolates moravam nas barrigas daquela gente (os dois tolos mais restante vilanagem) que se alimentava da trégua escolar.
Ora, havia um problema: era preciso restituir a embalagem ao seu local de guarda. Mas a coisa resolveu-se.
Véspera de Natal: a sala de estar rebenta pelas costuras. Já se consoou. De peito feito, a Tia Natália anuncia ao mundo que distribuirá “Ferreros” por toda a gente. Levanta-se, vai ao quarto e traz aquela brilhante palete. As pessoas (entre tios, tias, avó, irmãos, irmãs, cunhados e cunhadas), já com a oferta em mãos, acham estranhas aquelas bolinhas mal embrulhadas. Quando as primeiras surgem, a surpresa é grande: pedras!
Os primos e as primas, habitantes de sofás e passadeiras nas horas vagas de Natal, tinham, nos entretantos, abalado para parte incerta.
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