Meu querido Zé Maria,
Tenho saudades tuas, porra. Não que estivesse muitas vezes contigo, mas, pelo menos, sabia que a tua gargalhada estava à distância de umas freguesias. Amanhã, como bem saberás, estando por que partes te achares, será dia do Pinheiro. Não tenho dúvidas de que tu, o teu afilhado Xico (o do Jesualdo) e outros mais, tratarão de erguer ao alto o mastro anunciador, um como o que vem de Aldão.
Penso muitas vezes nesta coisa que é o ser-se nicolino militante. Devo-ta, desde aquele 6 de Dezembro em que tu, com bigode, e eu, ainda sem um (é discutível que alguma vez o tenha tido), do alto dos meus seis anos, ma enfiaste pelos olhos.
Eras o Afonso Henriques, o verdadeiro, e fiquei a acreditar piamente nessa circunstância. Foi por tua causa, Zé Maria, que me interessei pelos assuntos de São Nicolau e pelas Festas invernais que eram tuas, depois minhas e de tantos, tantos outros. Essa ponte transgeracional, que nos coloca olhos com olhos, sem honrarias ou títulos a adornar lapelas, sem gradações de uma suposta importância (que seria sempre vã), é o que nos une num abraço.
Há pessoas que admiro, e para as quais olho com uma certa reverência, por terem tido a capacidade de me fazer rir e sorrir. Poderia citá-las aqui, mas importa-me mais escrever, porque é justo, que nenhuma a conseguiu tanto quanto, nem como, tu.
Animaste, sem saberes, porque me conheceste fisicamente bem mais tarde, a minha infância, influenciando o meu trabalho mais tardio (mais próximo da minha actualidade).
Pude dizer-te, enfim, o quanto gostava de ti e o quanto te admirava, e pude ser, de facto, teu Amigo. Na minha cabeça já o eras, há muito.
Devo-te as Nicolinas. Tu deves-me a Saudade. E se as Nicolinas são, enfim, as Festas da Saudade, então quero pensar que nos complementamos.
Amanhã tudo recomeçará. Passa rápido, é certo, mas antes assim do que nada. O Zé Ribeiro* disse, uma vez, que não tinhas nada que falecer. Concordo. Foste doudo ao fazê-lo. Tu e o Xico (o do Jesualdo). E tantos outros.
Não te vou ver nos Palheiros, amanhã, mas vou lembrar-me de ti** (amanhã e sempre, até ir para a tua beira, para ouvirmos o nosso Amigo Luiz Goes).
Um abraço, Nicolino.
P.S. Como é que andas vestido, por aí? De Afonso Henriques, ou de traje (como quando andavas a perseguir as freiras e a raparigas que dormiam no retiro)?
* bom seria que alguma criança pensasse que o Zé Ribeiro é o verdadeiro Afonso Henriques, como eu pensava em relação a ti. Ainda estou na dúvida se o não serias.
** porque fizeste o desfavor de falecer. Não tinhas nada que efectuar essa acção.
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Gostei muito desta carta ao Zé Maria, meu primo, de quem muito me orgulho e que fez o desfavor de me deixar, com a idade que a minha mãe tinha, que ela sim, era a sua prima direita, que gostava dele como uma irmã mais velha. E amanhã estará com todos nós, Nicolinos!