Com a aproximação dos 900 anos da batalha de S. Mamede – cuja comemoração acontecerá em 2028 – o tema da génese de Portugal como Estado independente merece ser tratado com mais acuidade, mormente em Guimarães, que foi a localidade onde esse confronto militar se desenrolou e cuja população se orgulha de assinalar essa circunstância de lugar, através da famosa inscrição “Aqui nasceu Portugal”.
Para proporcionar um exercício de reflexão sobre as consequências políticas da batalha de S. Mamede a partir do senso comum (empirismo), sugerimos que o leitor procure responder às questões que a seguir apresentamos, levando em conta os factos e realidades previamente enunciados.
I – Deste modo, antes de responder, atenda às seguintes considerações:
- A independência de Portugal foi obtida por desmembramento dos reinos da Galiza, Leão e Castela, de que era rei Afonso VII e que, tal como afirmou Alexandre Herculano, a independência de Portugal “não caiu do céu” em Ourique;
- No outono de 1127, D. Afonso VII desceu ao norte de Portugal para proteger D. Teresa numa revolta contra ela protagonizada pelos senhores portucalenses e reafirmar a sua autoridade sobre o território de Portugal, cercando o castelo de Guimarães então defendido por D. Afonso Henriques, que se viu obrigado a prestar-lhe “vassalagem”, de forma indireta, por intermédio de seu aio;
- Poucos meses após, em 24 de junho de 1128, aconteceu a batalha de S. Mamede entre os mesmos senhores portucalenses comandados por D. Afonso Henriques e os partidários de sua mãe D. Teresa e do Conde de Trava, que eram vassalos de Afonso VII, e que, sendo derrotados, foram também desapossados do governo efetivo do território, sem que Afonso VII tivesse agora tomado qualquer atitude para repôr pelas armas “in status quo ante” o governo de Portugal.
Diante destes factos, formulam-se as seguintes perguntas:
Se no outono de 1127 D. Afonso VII cercou Guimarães em face de meras ameaças de revolta, por que razão não levou a efeito um ataque mais violento após a derrota dos seus vassalos na batalha de S. Mamede?
Não se poderá entender que a vitória de D. Afonso Henriques sobre a mãe e o Conde de Trava também se estendeu ao suserano dos derrotados e que a subsequente falta de reação de Afonso VII pode ser interpretada como um reconhecimento tácito da independência de Portugal?
II – Tome em atenção as seguintes observações:
- A partir de 24 de junho de 1128 D. Afonso Henriques construiu três castelos (Celmes, Birreto e Cedofeita) e fez várias incursões militares em território que hoje pertence à Galiza, porque reclamava a titularidade senhorial (domínio) das províncias de Toronho e Límia;
- Mais tarde, em 1135, Afonso VII foi coroado imperador na catedral de Leão perante todos os reis e senhores peninsulares que eram seus vassalos, mas a essa cerimónia não compareceu D. Afonso Henriques, nem invocou qualquer “indisposição momentânea” para justificar essa ausência;
- As obrigações militares e a presença nos conselhos eram fórmulas gerais de vassalagem a um imperador, que D. Afonso Henriques nunca prestou a D. Afonso VII.
Assim, pergunta-se:
Como é que estas atitudes de D. Afonso Henriques (construção de castelos na Galiza, falta de comparência à coroação do imperador e não cumprimento de qualquer fórmula de vassalagem) se poderiam justificar se ele não estivesse reconhecido por Afonso VII como soberano de um território independente dos reinos da Galiza, Leão e Castela?
III – Por último, considerando que os Senhores de Portugal, D. Teresa e D. Afonso Henriques, cujo governo se cruzou com Afonso VII, rei da Galiza, Leão e Castela, são invariavelmente mencionados na Chronica Adephonsi Imperatoris com o título de regina e rex, respetivamente, e que, relativamente a D. Teresa, ainda se pode argumentar que esse tratamento correspondia a uma mera distinção honorífica por ser filha do rei Afonso VI, pergunta-se:
Dado que esta lógica não se aplica a D. Afonso Henriques, como se justifica o tratamento de rei que lhe é dado nesta Chronica, se não for entendido com o significado político de reconhecimento, por parte de Afonso VII, da sua realeza efetiva?
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