Eurodeputado José Manuel Fernandes garante que Portugal vai receber mais dinheiro do que nunca. Mas os recursos têm de ser bem geridos e utilizados, para recuperarmos e sairmos mais fortes da crise.
O Eurodeputado José Manuel Fernandes é um europeísta convicto, defensor da coesão territorial, económica e social. No Parlamento Europeu desde 2009 e como coordenador do PPE na comissão dos orçamentos, tem participado nas negociações de grandes dossiês financeiros da UE, como os orçamentos anuais e os quadros financeiros plurianuais, o mecanismo de recuperação e resiliência, o Plano Juncker e o InvestEU. Em entrevista sobre os novos fundos e programas europeus, José Manuel Fernandes adianta que Portugal vai receber da UE, nos próximos sete anos, mais dinheiro do que nunca. Mas é preciso gerir e aplicar bem os recursos que aí vêm. Há trabalho de preparação e planificação que, infelizmente, não feito. E alerta para as opções do governo socialista que se concentra em gastar no Estado, em vez de investir no desenvolvimento estrutural do país.
A União Europeia ainda é um projeto com futuro? Ou as crises sucessivas por que tem atravessado estão a deteriorar a confiança no projeto europeu?
Hoje, mais do que nunca, fazem sentido as palavras e os objetivos que há 71 anos levaram à fundação do projeto europeu. Num mundo global só temos força se estivermos unidos. Juntos conseguiremos manter o nosso Estado social e defender os valores europeus como a democracia, liberdade, defesa da dignidade humana, estado de digeridos. Só venceremos os desafios das alterações climáticas, escassez de recursos naturais, demografia, migrações, segurança e abastecimento energético, se atuarmos de forma coordenada e concertada. Isso implica que se derrubem os egoísmos e os nacionalismos.
À imagem das imensas provações que temos enfrentado ao longo da nossa história, a crise pandémica que atravessamos agora é mais uma demonstração da importância da UE no contexto global, com especial impacto para países como Portugal. A solidariedade europeia permitiu enfrentar a pandemia, redesenhar e construir recursos financeiros extraordinários.
Na UE e em Portugal, não podemos desperdiçar a mais valia de agir e decidir em conjunto, ainda para mais quando de trata de intervir neste mundo global e sem fronteiras, como veio comprovar a Covid-19.
Perante a pandemia Covid-19, a União Europeia avançou com um conjunto de apoios para apoiar a recuperação económica. Prometia-se uma bazuca, mas depois falou-se antes numa vitamina. Qual das duas vamos ter realmente?
O Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e o plano europeu de recuperação, o denominado Next Generation EU, totalizam cerca de 1,8 biliões de euros. São estes programas que financiam o Portugal 2030 e Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Acresce o programa SURE com 100 mil milhões de euros e uma linha de financiamento do BEI com capacidade para mobilizar até 200 mil milhões de euros para ajudar as empresas a manter os empregos, assim como uma rede de segurança do Mecanismo Europeu de Estabilidade de 240 mil milhões euros. Para além disso, flexibilizamos os fundos da coesão que, desde julho de 2020, têm um cofinanciamento de 100% caso o Estado-Membro assim o queira. Fica bem evidente que não faltam recursos financeiros que têm de ser bem utilizados. Acresce que, no nosso caso, o Portugal 2020 ainda tem cerca de 10 mil milhões de euros por utilizar.
Através do PRR, Portugal ficou com possibilidade de acesso a 13,9 mil milhões de euros em subsídios e 14,2 mil milhões em empréstimos. O objetivo é recuperarmos e sairmos mais fortes da crise. No PRR que apresentou, o governo pediu a totalidade dos subsídios, mas só quis cerca de 2,7 mil milhões em empréstimos. Merecemos uma explicação. A Grécia e a Itália quiseram a totalidade dos empréstimos para serem sobretudo destinados às empresas.
Infelizmente, o PRR que o governo apresentou é centralista, privilegia a despesa do Estado e esquece as empresas. É uma bazuca para o Estado e uma vitamina para as empresas.
Foi um dos escolhidos no Parlamento Europeu para escrutinar a aplicação das verbas do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), que financia os planos nacionais de recuperação. Que avaliação faz do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português?
O PRR português foi concebido para financiar e aumentar o peso do próprio Estado, e não para reformar e ajudar o país a ser mais forte, competitivo, produtivo e coeso.
O governo de António Costa foi obrigado a fazer uma consulta pública “relâmpago” ao PRR, porque no Parlamento Europeu impusemos isso nas negociações para o regulamento europeu do MRR.
O PRR é reflexo de uma visão estatizante e centralista do governo socialista: procura que tudo vá para o Estado. E é o resultado de uma visão míope, sem capacidade de olhar para o futuro. Não tem uma estratégia de desenvolvimento. O “embrulho” limita-se a tapar buracos. Nem devia ter o nome de plano. Repare-se que no digital não há um cêntimo para as infraestruturas. Ter acesso à internet rápida é uma condição para a competitividade e coesão.
O PRR não pode ser para fazer mais do mesmo, financiando despesa corrente que deveria ser assumida pelo orçamento do Estado. O objetivo teria de ser reforçar a competitividade e a produtividade, melhorar a coesão territorial, económica e social. É inaceitável que o governo considere que só há pobreza nas grandes áreas metropolitanas, esquecendo o resto do país. Infelizmente, o PRR é encarado pelo Partido Socialista como mais um instrumento para sacar votos, não é para desenvolver e modernizar Portugal ou remover as desigualdades.
“Vamos receber mais dinheiro do que nunca”
Foi negociador do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027. Portugal vai continuar a ser um beneficiário líquido do orçamento europeu. Temos condições para que os apoios europeus nos tornem mais fortes?
Vamos receber mais dinheiro do que nunca: quase 60 mil milhões de euros em subvenções (ou seja, a fundo perdido), até 2027. A preços correntes, vamos receber cerca de 31 mil milhões de euros no Portugal 2030, mais 13,9 mil milhões de euros do PRR e ainda temos cerca de 10 mil milhões de euros por executar do Portugal 2020. No total, isto representa mais de 23 milhões de euros por dia, até 2027.
Estes recursos têm de ser bem geridos e utilizados. Antes de mais, é inaceitável que o governo de António Costa esteja a esconder as negociações do Portugal 2030 que já iniciou com a Comissão Europeia. O PRR e o Portugal 2030 deveriam ser complementares e ajudarem a atingirem metas e objetivos nacionais e regionais. Deviam ser estruturantes, complementares e adicionais aos recursos do próprio país. O processo começou muito mal. Devíamos, pelo menos, saber que Portugal queremos em 2030. Infelizmente, não foram fixados objetivos a atingir em termos de competitividade, produtividade, modernização do Estado, exportações, educação, combate às alterações climáticas, diminuição da pobreza. Estes objetivos devem existir também ao nível de cada região de modo a se promover a coesão territorial económica e social.
Os partidos políticos, parceiros sociais, regiões, autarquias e outros beneficiários dos fundos deviam ter sido envolvidos. Nesta altura, governo já devia ter lançado concursos para que os fundos do PT2030 e do PRR se utilizassem logo que estivessem disponíveis.
Portugal tem rapidamente de retomar o caminho de convergência com o resto da Europa. No seio da UE, os países de leste estão com crescimentos económicos, aumento dos salários e da produtividade superiores a Portugal. Entre 2000 e 2019, Portugal passou de 15.º para 19.º em termos de PIB per capita, tendo sido ultrapassado por países como a Eslovénia, a República Checa, a Lituânia e a Estónia.
Estratégia para fundos e programas concorrenciais geridos centralmente pela Comissão
Tem reclamado uma intervenção mais forte e competitiva de Portugal nos programas europeus geridos por Bruxelas e que o país vá para além dos apoios a fundo perdido. Que impacto podem ter esses programas europeus no desenvolvimento do país?
Os fundos e os programas europeus são cruciais para Portugal. Ajudam ao desenvolvimento e à inclusão. Contribuem para a coesão territorial, económica e social. São responsáveis por mais de 80% do investimento público no nosso País.
Mas Portugal não pode ser um mero utilizador dos fundos que estão garantidos – através das subvenções. Tem de ser um ‘programador’ dos fundos e programas, com o objetivo de reforçar a competitividade da nossa economia e, em simultâneo, atingir a coesão territorial, económica e social.
É importante termos uma estratégia para os fundos e programas concorrenciais geridos centralmente pela Comissão.
O programa Erasmus+ é um dos mais emblemáticos: tem um orçamento reforçado para mais de 26 mil milhões de euros e um impacto enorme na mobilidade dos jovens, na formação e no apoio à juventude, ao desporto e ao movimento associativo.
O Horizonte Europa é o maior programa do mundo para a investigação e ciência, com mais de 95 mil milhões de euros.
Temos ainda programas como o Europa Criativa (para apoio à cultura e ao setor audiovisual), o Europa Digital (de apoio à transformação digital das sociedades e das economias da Europa, o Mecanismo Interligar a Europa., o LIFE (de dedicado em exclusivo a objetivos ambientais e climáticos), o Interreg (para a cooperação territorial europeia) e ainda os programas UE pela Saúde e a favor do Mercado Interno, entre outros. E há ainda o InvestEU, que pretende mobilizar mais de 400 mil milhões de euros em investimentos públicos e privados até 2027.
InvestEU: promover investimentos para manter e criar empregos
Foi negociador do “Plano Juncker”. Voltou a assumir essa função na construção do novo “InvestEU”. Portugal está em condições de tirar proveito deste programa?
O InvestEU concentra todos os 14 instrumentos financeiros europeus, incluindo o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos, conhecido como ‘Plano Juncker’, que mobilizou, desde 2015, mais de 500 mil milhões de euros e criou mais de 1,4 milhões de empregos. Foi um sucesso.
O InvestEU está estruturado em quatro janelas de investimento: infraestruturas sustentáveis, investigação e inovação, PME, área social. É um programa flexível e aberto, o que permite que os Estados-Membros possam ser programadores, em vez de meros utilizadores de fundos. Nas negociações para a aprovação deste programa, conseguimos que o InvestEU seja utilizado para a capitalização das PME: uma urgência face às consequências da pandemia, designadamente no turismo e na restauração. Abre a oportunidade para criar, por exemplo, um instrumento nacional de apoio à solvabilidade das empresas e de promoção do investimento. Considero que instrumento para a capitalização das empresas é muito urgente. Para uma boa utilização do InvestEU precisamos que o Banco de Fomento tenha músculo e esteja capacitado com os recursos humanos suficientes.
No programa está incluída uma plataforma de aconselhamento ao investidor (Advisory Hub), para apoiar a estruturação de projetos ou a criação de plataformas nacionais e regionais de investimento. Portugal também deveria ter uma estrutura de aconselhamento que trabalhe de forma articulada com o Advisory Hub, o que originaria mais e melhor investimento. As próprias Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) deveriam estar providas de recursos humanos para prestar este serviço, o que também reforçaria a coesão territorial, económica e social.
Portugal precisa de investimentos públicos e privados que reforcem a competitividade, aumentem a produtividade e, em simultâneo, contribuam para a coesão territorial, económica e social. Desta forma, por um lado, mantemos empregos e, por outro, criamos empregos de qualidade. Este é um excelente desafio para Portugal.
“Continuo disponível para ajudar o território e os agentes locais de desenvolvimento”
Como eurodeputado tem assumido uma ligação mais próxima com os territórios do Minho e de Trás-os-Montes. Essa ligação é para manter?
Tenho assumido e cumprido o compromisso de proximidade com este território. A pandemia impôs algumas condicionantes, designadamente no que toca aos contactos diretos no terreno. Mas a atenção, o trabalho e a dedicação ao território mantêm-se. Os contactos têm sido mais à distância e através de ferramentas digitais. Continuo disponível para ajudar o território e os agentes locais de desenvolvimento. A coesão territorial é um objetivo que tenho defendido e promovido desde a primeira hora e continuarei a fazê-lo, como aconteceu, por exemplo, nas negociações dos fundos, do Quadro Financeiro Plurianual, do Mecanismo de Recuperação e Resiliência e do InvestEU.
O Partido Popular Europeu – PPE é o maior grupo político do Parlamento Europeu. Tem 178 deputados, entre os 705 eleitos dos 27 Estados-Membros. Portugal tem 21 eurodeputados. José Manuel Fernandes é deputado ao Parlamento Europeu, desde 2009, eleito pelo PSD, partido que no Parlamento Europeu integra o grupo PPE.
No Parlamento Europeu, José Manuel Fernandes é coordenador do PPE na Comissão dos Orçamentos. Preside à Delegação para as relações com a República Federativa do Brasil. É também membro da Comissão de Controlo Orçamental e ainda membro-suplente da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais.
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