Ivo Vieira teve uma conversa banal e trivial com alguns adeptos do Vitória, no fim do jogo com o Braga. Foi fiel a si mesmo, às suas ideias e conceitos. Mas foi “apanhado” nas malhas da tecnologia, numa gravação covarde e numa divulgação ilegal.
Texto de: José Eduardo Guimarães
A conversa não tem nada de especial. É trivial, banal, sobre coisas do Vitória – sempre com a falta de resultados como pano de fundo – e evidencia aquilo que no futebol português é tão clássico: os treinadores de bancada (não) sabem do que falam, dão palpites, mostram uma aptidão à base do “entra um, sai outro” porque só podem estar 11 em campo. E cujos conceitos futebolísticos são enciclopédicos, ao jeito do quem é que sabe o nome dos pontas de lança do Vitória nos últimos 10 anos.
Quem ouviu a conversa percebe facilmente que Ivo Vieira não se confrontou com outros “treinadores” com o seu perfil e formação porque a sua argumentação é a mesma de sempre. Porque é que o “mister” joga com o Quim e não mete o Tónio, porque não dá oportunidades ao Zé, porque nós temos equipa para fazer melhor, porque não esbraceja e não é tão interventivo no banco, agora como antes, e blá, blá, blá… blá, blá, blá!
Ivo Vieira mostrou o seu carácter e a sua têmpera. Ouviu, informalmente, jovens – colocados na pele de treinador, sem o serem – foi humilde, ético, respeitou mas não foi respeitado – a gravação é crime, porque não foi autorizada, nem os jovens são sequer repórteres do jornal da sua escola ou da sua rua. Falou abertamente sem saber que existia uma gravação ilegal, covarde e pouco ética.
Não disse nada de novo, isto é, que não se lhe conheça do seu pensamento enquanto homem e treinador de futebol.
Mas, convém, frisar que Ivo Vieira também disse o que disse enquanto cidadão, bem educado, que dá respostas, que aceita dialogar, ouvir, tal como fazem ou fizeram outros treinadores no Vitória. E fazem as pessoas. Nunca fugiu nem às perguntas, nem às suas ideias, não disse nadinha de transcendente, mesmo quando falou de que há alguém a “roubar” no Vitória, o que também não é nenhuma novidade. Nem coisa de hoje, de ontem, mas de sempre.
Esta conversa, revela um homem que também é adepto – enquanto treinador quer ganhar tanto quanto ou mais que um adepto ou um presidente – e um treinador ciente dos seus conceitos, conhecedor dos seus jogadores – mais do que ninguém – e das suas potencialidades técnicas.
Ivo Vieira não sai molestado desta conversa que, cujo pecado original, é apenas a falta de ética de uns jovens que a troco de umas perguntas julgam prestar um favor ao VSC gravando o que é reservado, privado e particular. E que depois é difundido em praça pública. Nenhum jornalista – daqueles de quem alguns adeptos do VSC dizem mal – era capaz de um trabalho destes… isto é, de colocar no “ar” ou na “rede” uma conversa, entre pessoas, que não pode ser álibi para o que quer que seja.
No futebol há a tendência para o mal vencer o bem, e de tudo o que é ruim no ser humano vir ao de cima. É nessa base que se despedem treinadores e jogadores, se esmagam direitos. E tudo por falta de educação e de jeito para tratar das coisas convenientemente.
Os homens – jogadores e treinadores – no futebol, são uma espécie de carga a mais, num barco à deriva, no alto mar, perante uma tormenta. E no VSC não se pode continuamente despachar jogadores ou treinadores como encomendas, recorrendo aos mais vis expedientes de despacho, com armadilhas e traições.
A tradição no Vitória, dos anos 60 e 70, de dirigentes honrados, não nos faz lembrar o despedimento arbitrário de quem quer que seja. Um contrato tem uma duração normal e o acordo entre as partes pode encurtá-lo. Não são precisos processos ardilosos para despedir ninguém.
A divulgação desta gravação, por outro lado, pode ter água no bico. Se os entrevistadores quiseram ser jornalistas, também não conseguiram “furo” nenhum porque não houve novidade na “entrevista”.
“É preciso entender que em Guimarães há muita coisa a baixar de nível, o poder pode estar a passar para a rua, a pressão ilegítima a ser pedra de toque do comportamento humano…”
Porém, há que reflectir sobre este acto. Primeiro, é preciso entender que em Guimarães há muita coisa a baixar de nível, o poder pode estar a passar para a rua, a pressão ilegítima a ser pedra de toque do comportamento humano, apenas se defendem interesses menores a qualquer preço.
E no futebol, os treinadores de bancada são “os populistas” da política, que vivem de sonhos, que temos de ganhar sempre – mesmo que joguemos com os juniores – de que um campeão se faz por milagre ou por uma reza a um venerável santo qualquer. E de que os problemas numa equipa de futebol quando não há resultados – a cura para esta doença é sempre mudar o Tónio pelo Zé António, o Fernando pelo André, ou o treinador A pelo treinador C…
Nada de mais errado, o futebol é estabilidade e tranquilidade a todos os níveis, é organização e muita percepção de que é preciso amar o clube, não apenas como sentimento de pertença mas como paixão.
Não nos podemos esquecer de que o VSC ao longo dos tempos não formou dirigentes – uns saem e outros entram, sem que o que aprendem possa ser transmitido a terceiros, importamos tudo, de jogadores, a treinadores, a directores de futebol ou de modalidade. Ora, um clube sem profissionais que sejam bons e que sintam o amor à camisola, não elevam o Vitória a patamar nenhum.
Iremos sempre descartar este e aquele, a conviver mal com as críticas acertadas, a impor o quando se ganha está tudo bem e quando se perde está tudo mal.
Sejamos verdadeiros, o VSC não tem uma estrutura forte, o seu corpo dirigente entra e sai ao sabor das eleições, e todos vamos vivendo de palpites. É bom assim e assado, e se não for, seja o que Deus quiser.
Esperamos pelo regresso do Rei D. Sebastião quando todos sabemos que ele não vem, vamos em peregrinação a qualquer ermo e capela, quando está claro que os santos não se metem no futebol.
Já há quem há muito considere o Vitória uma espécie de ala de ortopedia, dirigida por “endireitas”, aqueles habilidosos sem formação, que, outrora, punham os ossos no sítio, por esticão em deslocamentos por mau jeitos, o que era comum na agricultura…
E depois tendemos a acentuar que o futebol não é uma ciência… quando, por vezes, até chega a ser, sobretudo, quando se fala de motivação, de espírito de equipa, de sentimento de pertença, de paixão, de amor, coisas do reino da filosofia e da psicologia.
O pior é quando, apenas por colocar-mos um cachecol à volta do pescoço, ou envergamos uma t-shirt, já nos sentimos os melhores e mais sabichões do mundo. É preciso voltar ao tempo em que o futebol era paixão e espectáculo. Não podemos vencer apenas porque…queremos!
Definitivamente, o Vitória precisa de expulsar o vitorianismo de sarjeta – o pior que coloca em causa a história e a honra do clube e da cidade – conter, limitar e colocar em “su sitio” o vitorianismo de cachecol, à sombra do qual se abrigam muitos que também no futebol não são especialistas de coisa nenhuma. É por aí que emerge um “populismo” futebolístico, impaciente, cego, que trama projectos que deviam ser de médio/longo prazo quando querem que seja de curto prazo.
Já não há campeões por acaso, nem de ocasião, e muito menos por obrigação ou tradição. Se não acreditam, perguntem ao Benfica…
© 2020 Guimarães, agora!