O caso singular de um caso único na cultura em comunidade
“Outra Voz” ouve-se aqui e ali. É um projecto cultural puro assente na comunidade, sem olhares desviantes ou dependências anacrónicas. E com reconhecimento nacional e internacional.
No “Outra Voz” todos cantam a uma só voz, apesar das diferenças de tom, da harmonia do grupo, do movimento de cada um dos intervenientes. Os artistas do grupo, o que querem é produzir e ter tempo e espaço para as suas criações. Os perfomers pertencem cada um e cada uma, a diversas classes sociais, diferentes profissões, diversos territórios – são de várias freguesias, votam em partidos diferentes. E unem-se e fundem-se por um projecto cultural comunitário, pelo essencial – que é estar juntos, actuar juntos – deitando fora o acessório – as suas diferenças assumidas mas esquecidas quando toca a conviver, representar, actuar, viver a cultura tal como vivem a vida.
A sua história foi-se construindo por etapas e por camadas: os seus componentes são apaixonados pelo que fazem, os seus criativos adoram fazer e continuar a aventura cultural que teve em Suzana Ralha, Amélia Muge e Carlos Correia, o trio de “comandantes” e de mosqueteiros, quais intérpretes de um saber fazer diferente, adoptado e adaptado a pessoas simples que, afinal, o que queriam era estar “in” e não por fora, de um quadro cultural que não os abrangia nem acolhia.
É este ainda o espírito que paira desde a CEC de 2012 que deixou o “Outra Voz” como um novo projecto protegido em comunidades diversas, do território vimaranense, participado por gente diversa, apaixonados por experiências novas e nunca vistas ou sentidas. Sem grilhetas que os prendam, deixando-os entregues às vagas dos ventos, assumindo a liberdade, de criação e de reunião, vivendo e proclamando a liberdade!
Hoje, já depois da CEC 2012 e depois da Fundação Cidade de Guimarães de quem dependia com naturalidade, o “Outra Voz” tornou-se projecto autónomo, virou associação em 2010, tornou-se expressão de um movimento que abraça a cultura e experimenta novas convivências à sua vivência, vivendo sem pedir esmolas. Os seus elementos voluntariam-se para continuar a juntar a voz ao movimento de cada um dos seus homens, de cada uma das suas mulheres, sem ser propriamente um coro. Quiçá, o grupo tornou-se numa das boas referências dos grupos performativos em Portugal assente numa comunidade específica.
Curiosamente, “Outra Voz” como grupo tornou-se numa oportunidade de ligação à cultura que ninguém quer esquecer e desperdiçar e muito menos abandonar. E de fazer parte, ontem, hoje e amanhã.
Podia-se até dizer que ninguém esperava nada deste ou desta “Outra Voz” e que estaria, enquanto grupo e expressão de um novo movimento de cultura, condenado a desaparecer e a extinguir-se quanto outros.
Mas a história não se repetiu e esta “Outra Voz” emergiu e continuou como expressão da vontade popular, como oportunidade que não se devia perder, como barco que haveria de seguir viagem e chegar a bom porto.
E assim foi. Depois da CEC uns foram e outros ficaram. Uns e umas continuaram a falar de “Outra Voz” para além de Guimarães, levando consigo uma experiência criativa, cujo modelo poderia ou não ser implantado noutras paragens.
Carlos Correia ficou rendido à terra – ele que havia partido e deixado Ponte de Lima para se fixar em terra de conquistador, completando ou complementado o projecto, estimulando novas criações. “Não fazia sentido – salienta convicto – ter tirado as pessoas de casa, mostrando-lhes que havia outras formas de pensar a vida e participar nela e depois de 2012 dizer-lhes, vamos embora porque tudo o vento levou”.
A dinâmica de grupo criada, permitiu que uns ficassem, outros partissem, e tantos outros se envolvem-se pela primeira vez, já depois da CEC 2012.
O grupo de a “Outra Voz” deu um grito – qual toque a reunir de exércitos disciplinados – e juntou-se em camadas: os criadores, os artistas, os produtores, os performers, os músicos, os reformados, os contabilistas, as donas de casa, os sem emprego e trabalho, os jovens, todos homens e mulheres fizeram valer o espírito de comunidade, identificaram-se com o objectivo. E voltaram a cantar, a sorrir, interpretando e mexendo-se, dando movimento ao corpo, com a unanimidade que também faz a felicidade deste grupo.
A história de “Outra Voz” é bonita, o balanço é positivo, a experiência não deixa de ser engraçada, o envolvimento de cada um dos seus membros é sublime e entusiasta. Há participação, há criação, logo há espectáculos. E como diz Carlos Correia “gera encontros inusitados na comunidade vimaranense”.
“Cá estamos quase 10 anos depois” – diz com um sorriso Carlos Correia, actual presidente da direcção do grupo, que tem ramais de ligação e de activação em S. Torcato, Briteiros, Lordelo, Nespereira, Pevidém e na cidade. É por aqui e nestes recantos, aparentemente distantes e desarticulados, que cada uma das partes do “Outra Voz” ensaia e se reúne, deixando que o ensaio geral e o espectáculo seguinte, volte a reuni-los a todos. E a congregá-los numa só voz, num só espírito e num só corpo.
Carlos Correia tem razão quando distingue o “Outra Voz” como um projecto – e da forma como trabalha – um caso único, por juntar amadores com profissionais, onde todos têm um papel activo, já reconhecimento e projecção nacional e internacional.
História
A “Outra Voz” é sobretudo, um local onde todos podem partilhar a sua voz com os outros!
“Outra Voz” é um grupo de comunidade dedicado à expressão e exploração vocais a partir da música de tradição e transmissão oral e não apenas. Criado a 18 de Julho de 2010, a partir da Área de Comunidade a programação da Guimarães 2012, constitui o único projecto artístico que permaneceu para além da realização da Capital Europeia da Cultura. Constituída em 2013 como Associação Cultural sem fins lucrativos, a “Outra Voz” tem a sua actividade regular de ensaios distribuída por diferentes freguesias do concelho de Guimarães (Academia de Bailado de Guimarães, ADCL de S. Torcato, Casa do Povo de Briteiros, Junta de Freguesia de Lordelo, Junta de Freguesia de Pevidém e Junta de Freguesia de Nespereira). Com uma formação que conta com cerca de uma centena de participantes, a “Outra Voz” é um ponto de encontro entre pessoas, bem como um genuíno fenómeno de autonomia e auto-organização efectivamente comunitária.
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