Recebi no início deste mês, o livro “M – O Filho do Século”, de Antonio Scurati, e a primeira coisa que me chamou a atenção foi falsa indicação de “romance” na capa, para uma obra que nada tem de ficcional, desde o seu aspecto gráfico, conteúdo, lista infindável de fontes oficiais até à crítica literária que o apresenta como um ensaio histórico e obra pedagógica. A segunda foi a omissão dos primeiros trinta e seis anos do ditador.
Para quem não conhece a história de Mussolini, o mais provável é que nem repare na sonegação, pese embora pareça inconcebível, se não mesmo perniciosa, Sir Martin Gilbert dedicar uma biografia monumental a Winston Churchill, por exemplo, sem os primeiros capítulos dedicados à sua vida.
O livro em causa tem 864 páginas de uma trilogia que poderá chegar às 25 mil páginas, segundo o autor. Um primeiro volume, portanto, em modo narrativa, sem infância, juventude, profissão, família de Mussolini, e sem quaisquer referências ao seu socialismo anarquista e revolucionário, à sua prisão por actividades subversivas, à sua ascensão à liderança do Partido Socialista, ao seu papel à frente do jornal Utopia e Avanti!, dedicados ao socialismo, à influência de Marx e de Nietzsche ou a António Gramsci, a quem Mussolini se referiu como um dos “meus filhos”.
Chega, por isso, a ser irónico ouvir o autor dizer que pretendeu “entrar na cabeça de Mussolini”, como se fosse possível fazê-lo negligenciando todos estes antecedentes, tonando-os irrelevantes para efeitos de entendimento do seu carácter, personalidade, formação e desenvolvimento do seu pensamento e vocação de ditador.
Face à incongruência, é de supor que houve uma intenção deliberada, ideológica e desonesta do autor para reduzir a vida de Mussolini aos seus últimos vinte e cinco anos. Por uma razão muito simples: evitar dizer que o fascismo, tal como o comunismo, nasceu do socialismo, que o fascismo surgiu no âmbito da I Grande Guerra e da ameaça comunista e que a sua natureza violenta e totalitária foi herdada do socialismo revolucionário. Ou seja, que o fascismo está na história do socialismo, não como um anexo, mas como um capítulo, razão pela qual dificilmente se poderá entender Mussolini e o fascismo sem mencionar o socialismo.
Portanto. Scurati excluiu o passado socialista de Mussolini para alinhar a obra com o politicamente correto, que usa o fascismo para gerar psicose, medo, ódio e ressentimento, sobretudo nas mentes pouco esclarecidas, que nunca leram a colossal obra que Renzo De Felice dedicou a Mussolini.
Em resultado, temos uma monumental ode ao antifascismo, a vacina contra um vírus letal com 138 anos que morreu há 76 anos.
Benito Mussolini, também conhecido por Duce, inventou este vírus no dia 3 de Julho de 1919, num artigo que publicou intitulado “Fascismo”. Desde então, o fascismo tornou-se Eterno (Umberto Eco dixit), assim como as suas variantes altamente contagiosas, como a racista, nazifascista, populista, soberanista e nacionalista.
Em Portugal todos os anos são dedicados à sua profilaxia e salvo raras excepções, como aquela que levou José Sócrates a ter de “fugir” de um grupo de estudantes que o cercaram, “espontaneamente”, ao som do cântico “Com um Governo fascista não se pode ser artista”, a chamada às armas contra a ameaça fascista é apenas o pretexto que a esquerda usa para atentar contra qualquer um que governe ou pretenda governar sem o seu consentimento.
Recentemente, o espectro do Duce paira sobre a cabeça de André Ventura, um produto derivado das elites que desde 1974 transformaram a democracia numa autêntica oligarquia, com uma miríade de ramificações, cujo resultado é um país semidemocrático, brutalmente endividado, corrupto e pobre. André Ventura, formado em populismo, tornou-se o ventríloquo da massa dos excluídos (deploráveis). Ele fala em nome deles e diz o que eles querem ouvir. Paradoxalmente, a sua ascensão meteórica deve-se aos media que o persegue e delira com quem grita para as suas câmaras “nazifascista”. Obviamente que André Ventura aproveita o efeito de retribuição do ódio que acumula, numa megaoperação de martírio que sempre funciona num país profundamente católico.
Há canais de televisão, jornais e revistas que se dedicam quase exclusivamente à doença e ao seu criador. A obsessão antifascista é tal que uma simples saudação romana é vista como um perigo iminente (embora eterno) e motivo para convocar a Casta de exorcistas do país para, durante dias ou semanas, em estúdio ou nas respectivas redacções, se desdobrar em rituais de purificação do antifascismo. O curioso é que nada disto acontece quando em causa está um braço no ar com o punho fechado. Nestes casos, a Casta aplica a teoria de Gramsci: “condenamos a violência fascista porque é regressiva, mas defendemos a violência comunista porque é progressista”. É a violência do bem em prol da humanidade ou a suprema presunção elevada a crime contra a humanidade.
Há também quem use o “fascismo” para ganhar a vida, seja através da venda de livros, como o sr. Scurati, ou para obter um alto cargo na administração pública ou um emprego, uma causa ou um cargo nos órgãos do partido, uma subvenção para desqualificar e excluir vozes discordantes ou para produzir este ou aquele estudo, enfim, há todo um SNS mobilizado em torno da doença de Mussolini. E é graças a ele que o Duce se mantém vivo.
Em suma, se ainda há vestígios do fascismo deve-se a quem o revive todos os dias, ao ponto de não distinguir mais a história da sua caricatura.
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